Crónica

Não comprei um único CD para me reconciliar com o Elvis

"Porquê chamar rei do rock a um tipo cujo som mais pesado punha qualquer avozinha a dançar?" Crónica de Rui Gustavo, editor de sociedade do Expresso, que não tem um único CD de Elvis, mas com o qual se reconciliou. "Se o deus David Lynch gostava de Elvis, quem era eu para dizer o contrário?"

Texto Rui Gustavo


O meu problema com o Elvis começou com a imagem. Nunca gostei das patilhas, nem da poupa e muito menos da pélvis. Os filmes eram maus. E a fase gorda, com os óculos escuros e a capa meio Batman, meio zorro era só ridícula. Mais nada. E porquê chamar rei do rock a um tipo que tocava baladas melosas em casinos e o som mais pesado que produzia punha qualquer avozinha a dançar? Qualquer comparação com os Beatles ou os Rolling Stones só tornava a decisão de não gostar de Elvis mais definitiva. Por isso, na altura em que comecei a comprar os primeiros discos, nem um era do Elvis. Nem sequer um best of. É verdade que o tipo tinha uma boa voz, mas o Marco Paulo também e o máximo que tive foi um single do tema Joana porque é o nome da minha irmã e dava para gozar um bocadinho com ela.

A reconciliação começou com o filme de David Lynch, Um Coração Selvagem. Sailor, a personagem de Nicolas Cage, interrompe um concerto de Speed Metal para cantar à namorada Lula (Laura Dern) uma poderosa balada de Elvis, Love Me. A loura derretia-se e aos 19 anos descobri que Elvis, afinal, podia ser cool. Se o deus David Lynch gostava, quem era eu para dizer o contrário? E se até o Paul Simon chamou Graceland ao melhor álbum da sua carreira, tinha de dar uma hipótese ao homem das patilhas.





E apesar de coisas como Jailhouse Rock ou Blue Suede Shoes soarem bem, a revelação veio com Heartbreak hotel. Afinal, o homem podia ser intenso e dramático. E a música é boa. Muito boa. O problema era que na altura estudava, não tinha muito dinheiro e juntar a discografia dos Smiths ou dos Cure não era barato. Confesso, com vergonha, que nem uma cassete gravei. Não é fácil confessar aos amigos grunge que se gosta do foleiro dos casinos que morreu de overdose de comprimidos em frente a não sei quantos televisores e teria sido o sogro de Michael Jackson se tivesse vivido além de 1977.

Depois veio a fase havaiana, e Suspicious Minds, que tem de estar no top de qualquer homem que não se envergonhe de dizer que chora a ver desenhos animados. Mais tarde até ouvi os temas blues, como All Shook Up, e pronto, rendi-me. Mas ainda não comprei o CD. Mas tenho cinco músicas no iPad. Descarregadas legalmente, porque os direitos de autor são o que separa o homem da besta.

O MEU TOP DO ELVIS






Confesso que escrevi isto a ouvir o concerto de Memphis no YouTube. Tenho de descarregar mais umas músicas.


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