São mais de 350 quilómetros da
								Pontinha, nos arredores de Lisboa, à
								Covilhã, cidade a meio caminho do
								ponto mais alto da Serra da Estrela.
								Uma vez, Ricardo Oliveira, pegou na
								bicicleta, saiu de casa e demorou três
								dias e nove horas a fazer a viagem. Na
								altura, eu e a bicicleta, juntos,
								pesávamos 100 quilos. “Cheguei lá de
								rastos… Não foi fácil”, recorda. Mas não
								se lembra de mais nada, porque
								instantes depois de chegar já tinha os
								olhos a mil à hora, de um lado para o
								outro, a saltar de uma moto para outra.
								Oitenta e uma horas a pedalar para se
								perder num mar de Harleys. “Se fosse
								preciso ia já outra vez”.
								Ricardo é um caso singular de uma
								pessoa que vive para a Harley Davidson
								mas que não tem uma Harley Davidson.
								Ou melhor, ele tem uma espécie de HD.
								A tal bicicleta que foi da Pontinha à
								Covilhã é uma verdadeira HD, com tudo
								aquilo a que tem direito. Começou a
								ser construída de raíz, em 2017, como o
								absolutamente indispensável: um
								quadro, duas rodas e um volante. “O
								meu sonho, desde miúdo, é ter uma
								HD, mas nunca tive dinheiro”, diz.
								Muitas pessoas vão fazendo o que
								podem para chegar ao sonho. Ricardo
								pegou no sonho e deu-lhe forma. A
								coisa começou com programa de
								televisão americano sobre carros e
								motos. “Adoro, adoro”. Em 2019,
								durante mais um encontro de HD (é
								desnecessário dizer que ele vai a
								todos), a bicicleta foi uma das
								protagonistas do vídeo do certame.
								“Fiquei tão feliz, avisei os meus amigos
								todos, fartei-me de partilhar aquilo”,
								confessa Ricardo, que é mecânico de
								autocarros. Com tantas rodas pelo
								meio, era natural que a vida o acabasse
								por apanhar numa curva, desprevenido.
								E ele nunca imaginou que fosse tão
								agradável. Há uns meses, um grupo de
								pessoas entrou em contacto com
								Ricardo. Sabia da história, da bicicleta,
								e da paixão. Juntaram-se e disseramlhe que, mal tirasse a carta de moto,
								tinham uma Harley Davidson para lhe
								entregar. “É uma Forty-Eight… Um
								sonho… eu nunca teria dinheiro para
								aquilo”, diz. Tem 30 anos e não há um
								dia em que saia de casa sem qualquer
								coisa da HD: um cinto, um lenço,
								qualquer coisa. Agora, falta pouco,
								muito pouco, para o sonho estacionar à
								porta. Mas até lá, Ricardo não vai ficar
								parado. Está prestes a estrear uma
								nova bicicleta, elétrica, e duas vezes
								por semana está a preparar-se para ser
								mecânico de motos. “O sonho é ser
								mecânico da HD”. A lista de sonhos é
								como algumas estradas: não tem fim.