Londres, 1 de outubro de 2014

Os bitoques arrefecem no prato.

É dia de Liga dos Campeões e o jogo do Benfica contra o Leverkusen parece estar a tirar o apetite aos clientes do Café Cascais.

- É penalti onde, pá?

Esta noite de outubro está anormalmente quente para os padrões londrinos.

Sangria da casa, imperiais, copos frescos de Gazela são a companhia da dezena de portugueses que ali seguem a partida.

Também há grades de Compal e não falta uma bandeira portuguesa na parede.

Estamos em Londres, mas o Café Cascais mais parece uma tasca lisboeta do que um pub inglês.

Até há um ano, talvez um pouco mais, era ali que Edgar, Celso, Patrício, Fábio e Sandro seguiam os jogos de futebol do campeonato português.

Chegaram, um a um, da Linha de Sintra, e um a um foram desaparecendo de circulação.

Todos emigrantes, entre os 22 e os 36 anos, residiam em Leyton, a poucos quarteirões de distância do Cascais.

Partiram para a Guerra Santa.

Todos juntos compõem a principal célula organizada de captação de jiadistas nacionais para combater na Síria e no Iraque.

- Mas porquê?

No café só se fala disso. Os “moços porreiros” foram para a Jihad. Tornaram-se terroristas. E um deles, Sandro ‘Funa’, morreu em combate, no final de outubro.

Albano Brás, o dono do pequeno café, lembra-se bem de os ver por ali. Eram clientes habituais, calmos, que apareciam ao fim do dia ou ao fim de semana, sempre em grupo. Por mais que puxe pela cabeça, o emigrante de 52 anos – há mais de vinte em Leytonstone – é incapaz de apontar algum sinal de alerta para o que os “miúdos” iam fazer. Riam-se e conversavam como os outros, não traziam trajes muçulmanos nem as conversas passavam pelo Corão ou pelo Islão. Só não consumiam álcool. Seguiam os jogos de futebol com uma garrafa de Sumol de laranja ou de ananás. E não faziam reparos se algum amigo bebesse uma Super Bock. A religião ficava à porta do Cascais.

Café Cascais Ponto de encontro da comunidade portuguesa, é o mais antigo café do género na zona este de Londres, aberto há 20 anos por José Augusto Brás, irmão de Albano

Entre 2012 e 2013, os cinco chegaram a partilhar um apartamento em Leyton, situado entre as tranquilas Dawlish e Sidmouth Road, junto a um parque infantil onde os esquilos se esgueiram pelas árvores. Mas os portugueses paravam lá pouco. Só o usavam para dormir, tomar banho, rezar e ver vídeos de propaganda jiadista na internet. Televisão não havia – por escolha, que alardeavam com orgulho. A renda e as despesas correntes eram pagas com empregos menores em lojas de roupa ou nas limpezas. Não sobrava muito dinheiro no final da semana, mas nenhum era dado a grandes extravagâncias, conta um amigo. “Eles não precisavam de muito para viver. Contentavam-se com muito pouco.”

A casa ficava a um minuto da paragem dos autocarros 58 e 69 que os levavam até ao Café Cascais, mas também à Universidade de East London, em Stratford, onde a maioria estudava, ou à mesquita que frequentavam em Forest Gate. Iam para o trabalho ou para a faculdade de manhã e regressavam à noite, um dia a dia semelhante ao dos restantes imigrantes que residem no bairro. Leyton é pouco mais do que um dormitório para cerca de 40 mil habitantes, mais de metade pertencentes a uma minoria étnica, um rácio muito superior ao da Grande Londres. Aqui, a taxa de desemprego, de pobreza e de criminalidade ultrapassa também as médias nacionais. E aqui reside uma das maiores comunidades muçulmanas de Inglaterra.

Em Portugal, nenhum dos cinco ligava à religião. Alguns tinham até crescido em famílias católicas praticantes. A conversão ao Islão e a radicalização ocorreu ali, na Grande Londres, um processo rápido que durou poucos meses para a maioria. Edgar, o primeiro português do grupo a emigrar e a tornar-se muçulmano, foi quem influenciou o irmão Celso e os três amigos. Mas quem o influenciou a ele? “Eles entraram no lado mais radical do Islão porque quiseram, por fé, por não concordarem com a política externa do Ocidente contra os muçulmanos. Ninguém lhes fez a cabeça. Foi mesmo assim. Em Lisboa, os muçulmanos não se apercebem destas questões. Aqui sim”, tenta explicar um amigo do grupo, que se mantém em Londres. Os responsáveis da mesquita de Forest Gate, um edifício branco prefabricado, de ar modesto, que é também uma escola religiosa, garantem ao Expresso não conhecer nenhum “irmão” de nacionalidade portuguesa, mas admitem que possa haver umas poucas “ovelhas negras” num rebanho de centenas de pessoas que a frequentam diariamente.

A geografia poderá dar mais pistas. Leyton, Leytonstone, Walthamstow e Whitechapell são o berço de alguns dos radicais islâmicos mais procurados do Reino Unido, unidos em plataformas como a Sharia4UK e mais recentemente a Al-Muhajiroun (Os Imigrantes). “É altamente provável que os portugueses se tenham envolvido, ou pelo menos cruzado, com o núcleo duro dos extremistas e recrutadores de East London”, assegura ao Expresso uma fonte próxima dos serviços de informações britânicos.Entre 2013 e 2014, a Scotland Yard tem detido vários elementos ligados “a atos terroristas” em moradas muito próximas do apartamento tranquilo de Leyton.

Na Síria, uns em Raqqa, outros em Alepo, os portugueses continuam em contacto. Fábio e Celso combatem juntos. Patrício está afastado da linha de guerra, num posto superior da hierarquia do Estado Islâmico. Edgar continua um ‘fantasma’: sem qualquer presença nas redes sociais não há como saber dele. Nenhum parece estar arrependido de ter partido para a Jihad. Aos amigos e familiares que ficaram em Londres vão dando notícias via Skype e Whatsapp. Contam-lhes que não há guerra a toda a hora e que não pensam regressar. Sabem que podem ser presos e não querem. “Também não querem ser mártires, mas não se importam de morrer por Alá”.

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