A presença do grupo de portugueses na Guerra Santa não passa despercebida aos especialistas ingleses em terrorismo. O Expresso falou em Londres com quatro investigadores:

Anthony Richards, especialista em estudos de terrorismo na Universidade de East London e autor do livro “Conceptualising Terrorism” (Oxford University Press), que será publicado em breve.
Jonathan Russel, investigador da Quilliam Foundation, instituição londrina fundada por ex-terroristas que se dedica a monitorizar os movimentos dos radicais islâmicos em solo britânico
Joe Mulhal e Nick Lowles, responsáveis da ONG pacifista Hope not Hate, atualmente com sede incógnita por terem recebido ameaças de morte

Todos eles salientam o poderio da máquina de propaganda do Estado Islâmico (EI), que difere radicalmente dos vídeos amadores da Al-Qaeda dos anos 90. A esmagadora maioria dos vídeos do Estado Islâmico é produzida e difundida através do Al Hayat Media Center, criado no último verão pelo gabinete oficial de propaganda dos jiadistas, o Al-Itisam Establishment for Media Production.

Nos produtos de recrutamento mais recentes, foram produzidos vídeos, panfletos e até uma revista em língua inglesa. Os analistas são unânimes em considerar que por trás desta máquina bem oleada há vários especialistas em comunicação e com currículos nas áreas de vídeo, jornalismo ou webdesign.

Entre eles encontra-se o rapper alemão Deso Dogg, nome artístico de Denis Mamadou Gerhard Cuspert, que teve alguns êxitos de hip hop na Alemanha, antes de se juntar ao Estado Islâmico. O artista germânico, que já se deixou fotografar ao lado de Fábio, algures na Síria, domina a linguagem dos videoclips.

Celso, Fábio e o rapper alemão Deso Dogg à direita.

Nas imagens mais recentes das decapitações de soldados sírios e de reféns ocidentais é visível alguma da estética mais moderna made in MTV: slow motions, bandas sonoras dramáticas e todo o tipo de pós-produções, que incluem o som de batimentos cardíacos e respirações ofegantes por cima das imagens da carnificina.

Em Londres, Abdullah Al Andalusi, 34 anos, filho de pais portugueses, orador de assuntos islâmicos e um dos porta-vozes da comunidade na capital britânica é uma das pessoas que têm seguido com mais atenção esta ascensão meteórica dos extremistas na Síria e no Iraque. O ativista, que prefere falar na língua inglesa, que domina melhor do que o português, considera que tem havido uma atenção excessiva dos media em relação ao Estado Islâmico, o que pode também explicar em parte a atração que esta organização exerce entre muitos muçulmanos:

“Estes jovens recém-convertidos ao Islão, como é o caso dos portugueses, julgam que o Estado Islâmico é o único grupo na Síria que defende os seus interesses e que põe em causa os interesses do Ocidente. Estão enganados e muitos acabam por se sentir defraudados ao fim de alguns meses na guerra da Síria.”

Tal como os três especialistas em segurança ouvidos pelo Expresso, também Al Andalusi – que partilha o apelido com muitos dos extremistas portugueses, já que é o nome árabe adaptado pelos que são oriundos da Península Ibérica – não tem dúvidas de que há muitos jovens radicais no Estado Islâmico que são filhos de famílias de classe média sem problemas sociais ou financeiros, têm estudos superiores e nunca tiveram problemas com a Justiça. A maioria, porém, vive em conflito permanente entre os valores do mundo ocidental, que rejeitaram, e os dogmas mais extremistas do Islão. Esta é a razão de terem pago um bilhete de avião até à Turquia ou Bulgária e daí viajarem de carro ou a pé até um país que só conheciam através das notícias da televisão.

Londonistão

No mercado de Whitechapel, ou junto às mesquitas de Walthamstow e Leyton, há tantas mulheres de niqab ou de véu islâmico como as que andam de cara descoberta. É tal o número de muçulmanos que reside em East London – sobretudo imigrantes do Paquistão, Somália, Nigéria ou Bangladesh - que a zona se tornou conhecida por ‘Londonistão’.

O termo tem sido usado pejorativamente pelos media ingleses há vários anos. Foram os franceses, durante os anos 90, que batizaram estas zonas multiétnicas da capital com a designação, depois de várias operações policiais em Paris e também em Bruxelas (Bélgica) terem comprovado a ligação entre os grupos extremistas destes três países.

A escritora e jornalista conservadora Melanie Phillips tornou o termo quase oficial, no seu best-seller de 2006, “Londonistan: How Britain is Creating a Terror State Within”, escrito na ressaca dos ataques terroristas na capital britânica. A sua tese, apoiada pelos serviços de informações do Reino Unido, é a de que os atentados feitos pelos radicais puseram a nu as fragilidades dos serviços secretos ocidentais. A promoção, o recrutamento e o apoio ao terrorismo em território britânico passaram ao lado do MI5 e MI6, distraídos com outros assuntos caseiros.

Na multiétnica zona Este, a população é na sua esmagadora maioria pacífica e pertence sobretudo à classe trabalhadora. Mas entre a comunidade operam alguns dos movimentos islâmicos mais extremistas de Londres, como é o caso do Al-Muhajiroun (Os Emigrantes), liderado por Anjem Choudary.

Este pregador, que aparece na televisão a apoiar os atentados bombistas em Londres, a Sharia (lei islâmica) em todo o Reino Unido e os atos mais sanguinários dos guerrilheiros do Estado Islâmico, foi detido em setembro por conspiração terrorista - e um dia depois libertado sob fiança.

A ‘Yummy Yummy’, loja de doces do seu irmão, em Whitechapel, foi alvo de rusgas. A Scotland Yard suspeitava de que aquele pequeno espaço, onde se vendem gomas, chocolates e rebuçados ‘halal’ (o tipo de comida permitido aos muçulmanos), era um dos pontos de encontro escolhidos pelos radicais. Mas os investigadores não terão encontrado nada que incriminasse Choudary.

As detenções de alegados apoiantes da Jihad têm, no entanto, vindo a aumentar nos últimos meses de 2014, em Londres mas também em Portsmouth, Birmingham ou Cardiff. Em setembro, os líderes muçulmanos da capital inglesa pediram publicamente à comunidade que coopere com as autoridades no combate ao terrorismo. As suspeições sobre esta minoria têm prejudicado a imagem de toda a comunidade.

Celso, Edgar, Fábio, Patrício e Sandro não são os únicos portugueses da Guerra Santa. Os serviços de informações garantem que existem entre 15 e 20 jiadistas com passaporte nacional, a esmagadora maioria lusodescendentes. Ângela, a mulher de Fábio, filha de emigrantes portugueses na Holanda, fugiu de Utrecht em agosto. Mikael Batista, 23 anos, e Mickaël dos Santos, 22 anos, trocaram os arredores de Paris por Raqqa um ano antes.

Os dois amigos partiram em 2013, sem contactos, à aventura, só com a certeza de que queriam lutar com os guerrilheiros do Estado Islâmico. Santos foi o primeiro a chegar à Turquia, de avião. Em fevereiro aterrava em Istambul. Mikael Batista chegou seis meses depois, em agosto. Entraram na Síria de carro. E hoje, em Raqqa, continuam próximos, são irmãos de armas.

Os outros

Mikael Batista, que foi entrevistado pelo Expresso em setembro, tem dupla nacionalidade: é português como os pais, nascidos e criados no distrito de Vila Real, numa aldeia transmontana; é francês como a terra onde cresceu, e para onde os pais emigraram há largos anos. Os pais sabem onde ele está, o que está a fazer. Mas não gosta de falar sobre isso. Sabe que os deixou tristes com a sua opção. Sabe que é provável que nunca mais os veja. Para trás ficou a universidade parisiense onde frequentava a licenciatura em Desporto. Praticava boxe, artes marciais, ginástica acrobática.

Mikael Batista

Mikael Batista viajou com Mickaël dos Santos, o seu amigo de Champigny-sur-Marne, arredores de Paris. Na sua conta do Twitter, uma das mais ativas de todos os jiadistas francófonos (o maior contingente de ocidentais na Síria), mostra imagens de cabeças cortadas de soldados sírios. O seu nome de guerra é Abou Uthman e fala muito de radicalismo islâmico, violência, mutilações, morte. Tem uma legião de fãs, pelas atrocidades que publica online; e outra de inimigos, igualmente aguerrida, que luta para que seja banido das redes sociais. Tanto lhe chamam herói como psicopata, exemplo a seguir e sanguinário.

Dono de uma barba longa e farta, aparece quase sempre a empunhar armas de vários calibres e tamanhos, de revólveres a lança rockets. Numa das fotos mais polémicas, Santos aparece em pose de futebolista: mas a bola que deveria surgir sob o pé era uma cabeça. Depois de centenas de denúncias à rede social, a conta do Twitter foi suspensa em agosto. Mas por pouco tempo. Já tem uma nova.

Mickaël dos Santos [à esquerda]
José Parente
Steve Duarte

Em novembro, Abou Uthman foi identificado pelos serviços secretos franceses num dos vídeos mais violentos do Estado Islâmico, à direita do cabecilha, o britânico Jihadi John. O lusodescendente  estará alegadamente  entre os 17 jiadistas que mataram 16 soldados sírios e o norte-americano Peter Kassig, aparecendo de cara destapada e barrete preto na cabeça. Tem uma longa barba. Mas o próprio Santos desmentiu no Twitter ter participado na matança.. E a mãe dele, uma emigrante portuguesa, foi à televisão dizer que aquele homem não era o filho. No entanto, segundo a imprensa francesa, teria sido a própria portuguesa a identificar o filho mais velho nos interrogatórios realizados pela polícia. Na referida entrevista à televisão, a mulher garante que foi coagida pelas autoridades a identificá-lo no vídeo.

Além de Mikael Batista e Mickaël dos Santos, os serviços de informações franceses e portugueses têm o registo de mais sete lusodescendentes a combater na Síria. Um deles é Omar, um jovem cuja mãe, portuguesa, tem feito de tudo para o resgatar das mãos do Estado Islâmico. Foi já por duas vezes para a Turquia, junto à fronteira com a Síria. Mas Omar nunca apareceu. O outro é o rapper da Figueira da Foz, emigrado no Luxemburgo, Steve Duarte. Partiu já este ano para a Síria. Trabalha nos bastidores da máquina de propaganda do Estado Islâmico.

Abu Osama Al-Faransi, nome de guerra usado por José Parente, também era um lusodescendente com raízes francesas. Filho de emigrantes de Tondela, deixou Toulouse, no sul de França, para se juntar à Jihad. Morreu a 22 de maio num ataque suicida realizado no Iraque. Nesse domingo, levou uma bomba artesanal no interior de um carro com um objetivo: explodi-la junto de instalações militares do exército iraquiano, perto de uma fábrica de farinha, na vila de Umm Al-Amad, arredores de Bagdade. A missão foi cumprida à risca e dezenas de pessoas, a maioria civis, morreram ou ficaram gravemente feridas.

Faça Scroll