Explosões, corpos amontoados, gritos de vítimas, tiros de soldados. A rotina universidade-trabalho-futebol-mesquita de Leyton parece pertencer a uma vida anterior. Cada dia passado nos campos de batalha em Raqqa, Alepo ou Mossul é mais um dia em que desafiam a morte. Sandro ‘Funa’ foi o primeiro a cair, em outubro de 2014.

Dos cinco de Londres, Patrício é o que combate há mais tempo no território do Califado. Na Síria, juntou-se há vários meses a um grupo de mujahedines estrangeiros, a maioria de nacionalidade sueca e inglesa, que foram conquistando território ao exército de Bashar al-Assad, com muito sangue nas mãos.

As atrocidades contadas pelas vítimas incluem execuções e amputações na praça pública aos que desobedecem à ‘sharia’ ou violações de mulheres das minorias étnicas que recusam as ordens dos soldados comandados por Abu Bakr al-Baghdadi. Muitos destes mujahedines têm pouco mais de vinte anos, mas são já veteranos de guerra no Iraque, com um longo currículo de sequestros, torturas e homicídios.

Para ampliar o clima de medo e de terror, uma das táticas usadas pelos guerrilheiros tem sido a de colocar na internet dezenas de vídeos de decapitações feitas aos soldados inimigos e reféns ocidentais.

Decapitaçao de 16 soldados sírios e de Peter Kassig Português Mickaël dos Santos chegou a ser apontado como um dos carrascos no mais violento dos vídeos da Jihad

Nas redes sociais, há quem partilhe imagens de cabeças dos inimigos que servem de bola em jogos de futebol. Quem não obedece morre, é o lema, importado das guerras medievais. Alguns dos jiadistas portugueses entraram neste jogo de horror e não se coíbem de fazer ‘likes’ ou de partilhar as fotos e os vídeos.

A 7 de junho de 2014, um destes operacionais, que se apresenta como “sniper e soldado de Alá desde o dia 11 de setembro de 2001”, perguntava a outro combatente através do Facebook: “Tens o vídeo da execução de ontem?” Resposta: “Ainda não. O vídeo foi adiado para hoje. Vou dar o meu melhor para tê-lo pronto”.

A escalada de violência atinge níveis nunca antes vistos em guerras recentes. Em junho, o Estado Islâmico executou 600 presidiários na prisão de Badoush, perto de Mossul. Em outubro, os mujahedines executaram mais de 200 iraquianos de uma tribo sunita que se opôs à ocupação do seu território na zona ocidental do país.

Foram descobertas duas valas comuns contendo os corpos de homens da tribo que o Estado Islâmico tinha ocupado. As vítimas foram mortas com tiros a curta distância. Os jiadistas tinham ordenado aos homens da tribo que deixassem as suas aldeias e seguissem para outro local, prometendo-lhes “uma passagem segura”. Estavam a mentir. Todas as vítimas foram raptadas e mortas.

Os ataques aéreos da coligação internacional, liderada pelos Estados Unidos, já fizeram mais de meio milhar de baixas entre os jiadistas, entre eles Sandro ‘Funa’, em Kobane. Todos os portugueses não andam longe dos locais atingidos.

Um dos guerrilheiros contou ao Expresso que assistiu a um dos últimos bombardeamentos:

“Vi a explosão e depois o fumo. Ainda não percebi se há mortos”, relatou Mikael Batista.

O alvo da aviação foi “a casa de um mujahedine”, acrescentou através do Messenger do Facebook. Na foto, é visível o fumo denso causado pelo ataque.

Explosão em Raqqa Fotografia de Mikael Batista publicada nas redes sociais

Enquanto uns lutam na frente de batalha, outros obtiveram cargos de alguma importância dentro da hierarquia militar, o que lhes permite seguir a guerra com uma outra perspetiva. Alguns dos portugueses da célula londrina de Leyton mantêm ligações estreitas com Jihadi John, carrasco de cinco ocidentais (os jornalistas James Foley e Steven Sotloff e os voluntários David Haines, Allan Henning e Peter Kassig).

Segundo fontes ligadas às secretas europeias, estes jiadistas tiveram um “papel muito importante” não só na realização como na promoção dos vídeos colocados nas redes sociais que correram mundo.

“Não foram os portugueses que decapitaram as vítimas nem as filmaram, mas estão por trás de muito do que ali se passa.”

Um tweet colocado por um destes portugueses a 10 de julho, trinta e nove dias antes da divulgação do vídeo da decapitação de James Foley, aumenta esta convicção. O jiadista escreveu: “Mensagem para a América. O Estado Islâmico está a fazer um novo filme. Obrigado pelos atores”. A 19 de agosto, o título do vídeo que mostrava o carrasco de corpo e cara tapada e a vítima vestida de fato cor de laranja chamava-se precisamente “Mensagem para a América”.

A violência extrema vivida todas os dias no Califado tem feito os seus danos colaterais no interior das fileiras do Estado Islâmico: centenas de jiadistas ocidentais estão arrependidos da “aventura” e já não acreditam nos ideais que os fizeram sair dos seus apartamentos nos subúrbios das capitais europeias. Muitos estão a fugir do Estado Islâmico e a regressar a casa. Mais de 300, segundo os últimos números das autoridades ocidentais.

Para alguns só resta um destino: a prisão. Mas não será fácil aos tribunais europeus provar que cometeram crimes de guerra. O Reino Unido, a Alemanha e a França apertam a malha legal para acusar e enviar para a prisão estes jiadistas por atos relacionados com o terrorismo. A Dinamarca optou por uma solução politicamente correta: o de os albergar em centros de ‘desradicalização’.

Se houver arrependidos portugueses, o mais certo é serem detidos e interrogados durante 48 horas. Mas a lei portuguesa não permite mais do que isso - a menos que haja provas evidentes que ajudaram a matar e violar civis, a amputar e a torturar inimigos ou que venham a cometer um ataque terrorista em casa.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, garantiu que há três com vontade de regressar. Serão ameaçados dentro do Califado, como aconteceu com os cerca de 30 britânicos que avisaram Londres que estavam fartos das atrocidades cometidas em nome de Alá? Ou conseguirão chegar à fronteira da Turquia a salvo e serão resgatados pelas autoridades ocidentais?

Independentemente do que lhes venha a acontecer, a estes três e a todos os restantes jiadistas portugueses arrependidos, nada nas suas vidas será como dantes. Eles lutam em nome de um exército que se apelida de Estado, numa guerra que já ultrapassou todos os limites da crueldade humana e em que cada novo vídeo inaugura um nível mais sangrento do assassínio e da sua propaganda. Eles lutam na guerra mais suja deste século.

© Expresso 2014

ReportagemHugo Franco e Raquel Moleiro

Vídeo e Edição MultimédiaJoana Beleza

Ilustrações e Grafismo AnimadoJoão Roberto

Web DesignTiago Pereira dos Santos

Desenvolvimento InterativoPedro Pinto e Tiago Simão

Mapas@OpenStreetMap contributors

MúsicaKevin Macleod

Apoio à produçãoAna Bela Vieira

TraduçãoKevin Rose

Coordenação editorialGermano Oliveira e Pedro Santos Guerreiro

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