Há 40 anos que não havia uma anexação na Europa. A tomada da parte norte da ilha de Chipre pelos turcos, em 1974 — criando a República Turca de Chipre do Norte, que só Ancara reconhece — foi a última apropriação de território alheio... até este ano. A Crimeia, uma república até agora pertencente à Ucrânia, passou a integrar a Federação Russa. A península fora cedida a Kiev em 1953, uma oferta da República Socialista Soviética Russa à sua congénere ucraniana, ainda no quadro da URSS, para celebrar os 300 anos da união entre ambas. O que Khrutschov deu, outro senhor do Kremlin volta a tirar: Vladimir Putin.
Há que recuar a 21 de novembro de 2013 para contar a história da primeira anexação europeia do século XXI. Nesse dia, o então Presidente ucraniano, Viktor Ianukovitch, rasgou o acordo de cooperação que negociara com a União Europeia, voltando a aproximar-se de Moscovo. Num país a precisar de dinheiro e dividido entre pró-ocidentais e pró-russos, os primeiros ocuparam a Praça Maidan (Independência), no centro da capital, e nasceu o movimento Euromaidan.
Se predominavam os manifestantes pacíficos, é verdade que a multidão incluía de tudo, incluindo ultras nacionalistas e militantes da extrema-direita que se envolveram em duros confrontos com a polícia de choque.
A 22 de fevereiro, após semanas de manifestações, o Parlamento ucraniano destituiu Ianukovitch. Entretanto, o Governo da Crimeia, pró-russo, tal como a maioria dos habitantes da península, avançou com um referendo sobre o eventual regresso à Mãe-Rússia. A 16 de março, 96,77% dos eleitores escolheram essa opção.
Passados dois dias, tropas não-identificadas (forças especiais russas e elementos da Marinha vindos das bases navais russas na Crimeia) tomaram a sede do Governo regional e nomearam primeiro-ministro Serguei Aksyonov, líder do partido minoritário Unidade Rússia. Putin reconheceu a independência da Crimeia, relativamente à Ucrânia, para logo a anexar. Em defesa do legado da URSS.
Foi o ato mais simbólico do ano por parte do Presidente russo, que já mostrara não ter contemplações para com a integridade das ex-repúblicas soviéticas. Putin considera a desintegração da União Soviética “a maior tragédia geopolítica do século XX” e assume uma postura de líder — “czar”, dizem as más-línguas — de todos os russos, vivam onde viverem. Protegê-los é, não raro, o pretexto para ações pouco edificantes à luz do direito internacional.
Em 2008, Putin liderou uma ação armada contra as tropas georgianas na Ossétia do Sul, legalmente território da Geórgia, mas “de facto” independente sob a égide do Kremlin. É, tal como a Abecásia (também georgiana no papel), reconhecida apenas pela Rússia, Nicarágua, Venezuela e Nauru. Também é useiro e vezeiro em aproveitar a dependência das exportações russas de energia para fins políticos, “fechando a torneira” quando os ventos não sopram de feição.
Vladimir Putin cumpriu o seu 10º ano como chefe de Estado. Presidente desde 2000, por nomeação do demissionário antecessor Boris Ieltsin, o ex-agente do KGB (serviços secretos) venceu as presidenciais desse ano com 53,4% dos votos e foi reeleito, em 2004 com 71%. Em 2008, e dado que a Constituição proibia um terceiro mandato, trocou de lugar com o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev. Este assumiu a presidência, Putin a chefia do Governo.
Poucos tiveram dúvidas sobre quem mandava no país mais vasto do mundo. E ninguém abriu a boca de espanto quando a troca de chapéus se desfez em 2012, não sem antes Medvedev ter feito alargar o mandato presidencial de quatro para seis anos. Ou seja, Putin poderá, no limite, mandar sem interrupções até 2024.
Nada disto acontece à margem da propaganda e do culto da personalidade. Ficaram célebres as fotos de Putin — que é cinturão negro de judo — em tronco nu ou a cavalo, mostrando a sua robustez. Quando, em 2007, fez aparecer o seu cão, Koni, numa reunião com Angela Merkel, a chanceler alemã comentou: “Eu percebo porque tem ele de fazer isto. Para provar que é homem. Tem medo das suas próprias fraquezas. A Rússia não tem nada, não tem êxito na política nem na economia. Isto é tudo o que tem”.
Implacável face aos movimentos que contestaram o seu regresso ao Kremlin, Putin apoia o seu poder em organizações como o movimento juvenil Nashi (que se declara “antifascista”, mas tem traços de milícia ultranacionalista).
No Ocidente acusam-no de recriar a Guerra Fria, por saudosismo da grandeza soviética que se esforça por recuperar, em eventos como os Jogos Olímpicos de Inverno, organizados este ano em Sochi, perto da Crimeia. A fatura de 41 mil milhões de euros bateu todos os recordes olímpicos.
Para conquistar simpatias, Putin até libertou o seu arqui-inimigo Mikhail Khodorkovsky, ex-oligarca encarcerado há nove anos, cuja petrolífera Yukos o Presidente fez absorver pela estatal Gazprom. Idem para elementos da banda contestatária Pussy Riot. Segue-se, no calendário dos eventos, o Mundial de Futebol de 2018.
Encolhendo os ombros às sanções impostas pelos Estados Unidos e a União Europeia na sequência dos tumultos da Ucrânia e da violência nas regiões separatistas pró-russas de Donetsk e Lugansk, Putin ri-se — pelo menos para consumo externo — e não hesita em brincar com o espaço dos demais. Ainda este ano dois caças F-16 da Força Aérea portuguesa intercetaram, ao serviço da NATO, dois aviões militares russos que tinham entrado no espaço aéreo vigiado por Portugal.
Resta saber até quando durará o império de Putin. Se é inegável que marcou o ano 2014, não é menos certo que a baixa do preço do petróleo (quase 50% entre junho e dezembro) representou um rude golpe na economia russa. Nas últimas semanas, juntou-se-lhe uma quebra abissal do valor da moeda nacional, o rublo, nos mercados cambiais. As bolsas russas caíram 30% na primeira quinzena deste mês, o que deixa adivinhar uma quadra natalícia pouco simpática. Os votos de “próspero Ano Novo” nunca devem ter sido tão desejados.
Teve a consagração em 2014, ao receber o Prémio Nobel da Paz (conjuntamente com o indiano Kailash Satyarthi, que se distinguiu no combate à escravatura infantil). A distinção da Academia Sueca à militante e ativista paquistanesa (na imagem, exibindo o Nobel, de que é a mais jovem vencedora) é o corolário do reconhecimento internacional de Malala (hoje com 17 anos). Quando ainda nem contava 12 anos, manteve um blogue anónimo na BBC, criticando os talibãs e defendendo os direitos das jovens paquistanesas (muitas vezes impedidas de ir à escola ou tomadas como alvo pelos extremistas islâmicos no caso de terem a coragem de o fazer). A ousadia saiu-lhe cara: no final de 2012, foi baleada na cabeça por talibãs, sobrevivendo a custo. Pelo seu exemplo, foi distinguida em 2013 com o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu.
Foi a vencedora das eleições europeias em França, com um quarto dos votos dos franceses. Sondagens realizadas depois disso dão-na como favorita numa primeira volta das presidenciais de 2017. Marine Le Pen lidera agora a Frente Nacional, fundada pelo seu pai, e é o rosto que, com mais sucesso, corporiza na Europa a oposição aos ideais fundadores da União, apostando num discurso nacionalista e anti-imigração. Que, no entanto, quase parece moderado por comparação com o de xenófobos suecos, húngaros ou belgas.
Passado o impacto do primeiro ano de pontificado, em 2014 o Papa Francisco continuou a sua marcha (dando sinais tanto para dentro como para fora da Igreja). No Sínodo da família, defendeu uma maior abertura aos homossexuais. Francisco deu passos firmes a favor da paz no Médio Oriente. Recentemente, em novembro, na ida ao Parlamento Europeu e na visita à Turquia, reiterou a necessidade de uma aliança inter-religiosa para fazer face aos fanatismos de todos os matizes e voltou a criticar os excessos do capitalismo (em que o primado da economia e, sobretudo, da finança, subjugou as dimensões sociais, dos idosos, dos imigrantes, de todas as minorias e dos trabalhadores em geral). O Papa conduziu ainda, discreta mas eficazmente, as negociações para o degelo entre Washington e Havana.
Tornou-se presidente da Comissão Europeia, sucedendo a Barroso, na primeira vez em que o nome foi proposto pelo Parlamento Europeu (e não por chefes de Estado e de Governo). A revelação dos acordos secretos com multinacionais para benefícios fiscais no Luxemburgo abalou a imagem de Juncker, primeiro-ministro à época. Já mostrou que consegue usar o telefone enquanto responde aos deputados. Conseguirá fazer algo mais difícil, como reanimar a UE?
Líder do Podemos, partido fenómeno nascido em janeiro, a partir do movimento dos Indignados e das manifestações contra a austeridade. Passados cinco meses, elegeu cinco eurodeputados nas eleições europeias e nove meses depois estava em primeiro lugar nas sondagens em Espanha. Em termos de discurso, abandonou a distinção esquerda-direita e passou a falar “dos de cima” e “dos de baixo”. O Podemos ameaça quebrar o bipartidarismo PP-PSOE. Terá o seu grande teste nas legislativas de 2015.
Nunca ofereceu dúvidas aos leitores (aliás, fora já escolha da Redação em 2013), com dois terços dos votos: 65,23%. Muito acima de Malala (16,05%) e de Putin (11,15%).