A poesia serve para quê?

Deixo-me ficar em silêncio. Como um mestre Zen.

Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?

Que um erro em tantos erros é concerto.

Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?

Uma amiga a viver em Angola conheceu aí um fulano que dá pelo nome de Cosmonauta Sozinho. Cosmonauta… e Sozinho, como toda a gente.

Um bom poema é...

Um ardil engenhoso.

O que o comove?

A infância como país lendário, submerso. A morte sucessiva e implacável de todos os seus habitantes.

Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?

A antologia "Obra Quase Incompleta", de Alberto Pimenta, a que juntaria o mais que lhe vai avolumando a obra. Pese a afronta ao autor e a provável inépcia do destinatário.

Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?

"Volto Já".

"o poema é antes de tudo um palco para gestos simples
eu rego as flores de Junho"

Miguel-Manso nasceu em Santarém, em 1979. Viveu em Almeirim até aos 20 anos, idade em que se mudou para o bairro de Campo de Ourique, em Lisboa. Estudou desenho no AR.CO, e fez um curso de Técnico de Biblioteca e Documentação. Não tem formação académica e acumula no curriculum vários ofícios: vigilante de museu, comissário de pista num kartódromo onde "acenava as bandeirinhas", padeiro na padaria dos avós, porteiro de hotel, ajudante de cargas e descargas de uma conhecida marca de roupa.

Atualmente não tem emprego a não ser o de escrever: "Escrevo e não escrevo poesia a tempo inteiro".

Não planeou ser poeta e explica que a vontade de escrever versos apareceu já depois dos 20 anos, quando conheceu a poesia de João Miguel Fernandes Jorge: "Era tão diferente de tudo o que tinha lido. Comecei por tentar imitá-lo".

Ainda adolescente lia os livros do Círculo de Leitores que iam aparecendo na estante da casa dos pais. Andou às voltas com a poesia de Alexandre O´Neill durante cerca de 3 anos: "Lia-o sem o entender e voltava ao livro várias vezes. Finalmente, deixei de precisar de perceber". Das primeiras leituras poéticas recorda também Alberto Caeiro, heterónimo de Fernado Pessoa, e Rui Knopfli.

Desde 2008 publicou oito livros de poesia, vários em edições de autor. Explica que não tem nada contra os editores mas que não quis submeter-se à deliberação de terceiros para saber se devia ou não publicar.

O primeiro livro chama-se "Contra a Manhã Burra". Quando o teve na mão enviou-o ao poeta Manuel de Freitas porque "gostava da poesia dele". "Tinha uma voz muito diferente do que se fazia na altura. Falava de charros e de tabernas." A resposta chegou por email. Manuel de Freitas iria escrever sobre o livro para o Expresso.

"Sair de Lisboa é poder continuar a escrever poesia"

Nas semanas seguintes, Miguel Manso comprou religiosamente o jornal à espera do veredicto. Quando, finalmente, a crítica saiu estava de férias com os pais no Algarve. "Ele deu-me quatro estrelas e não havia um único livro à venda numa livraria. Tive de vir a correr para Lisboa para o distribuir."

"Contra a Manhã Burra" teve várias edições e vendeu quase 800 exemplares, coisa rara no mercado editorial de poesia, ainda mais tratando-se de uma estreia.

Depois do primeiro livro, publicou mais sete.

Além de poesia, Miguel Manso tem também no curriculum um filme-documentário chamado "Bibliografia", inspirado numa história de família. Em 1969, o pai de Miguel e três amigos de Almeirim construíram uma jangada com o objetivo de fazer a viagem da Foz da Ribeira da Sertã ao Cais das Colunas, em Lisboa. Não conseguiram fazer o percurso desejado mas os filhos, Miguel e João Manso, propõem-se repetir a aventura quatro décadas depois.

Dessa aventura resulta um filme que começa por mostrar a construção da jangada feita com prateleiras de uma estante de livros, e intercala literatura de viagem dos séculos XVI e XVII e poesia contemporânea com a viagem até Lisboa. É um filme-documentário a que Miguel Manso e o irmão João Manso gostam de chamar naufrágio.

"Além de escrever poesia, mantém uma horta biológica e é "inspetor" de capoeira"

Há uns meses deixou o bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, e mudou-se para uma aldeia do Concelho da Sertã: "Sair de Lisboa é poder continuar a escrever poesia".

O texto de Fernando Assis Pacheco que escolheu para ser lido aqui "podia ser uma despedida deste bairro" onde viveu 14 anos.

Atualmente está empenhado em recuperar a casa dos bisavós, onde vive com a namorada e uma criança de 8 anos, a que chama "Casa do Gigante" para resgatar a alcunha do bisavô.

Além de escrever poesia, mantém uma horta biológica com cebolas, alfaces, curgetes, pimentos e brócolos, e inspeciona diariamente a capoeira onde vivem cinco galinhas e um galo, em busca de ovos matutinos.

Tem uma gata e um cão.

Está a preparar um livro de poesia para sair em 2015.

O poema que Miguel Manso leu para o Expresso e o que escolheu para ser lido por Raquel Marinho