"Exerço muitas vezes o ofício de estrangeira,
Com pouca fé de que na impossibilidade da língua
se entenda a natureza dos meus gestos."

Marta Chaves tem 36 anos mas podia só ter 21. É psicóloga clínica mas podia ser filósofa: "Eu nasci aos 15 anos quando tive filosofia pela primeira vez." Até essa idade, como num dos versos citados, sentia-se estrangeira junto dos colegas e a filosofia deu-lhe "identificação e ligação ao mundo", mas mais: "Fez-me pensar que eu podia mesmo pensar como pensava, e deu-me hipóteses. Eu gosto é de hipóteses."

Sublinha a importância da professora de filosofia que lhe recomendou o livro O Lobo das Estepes, de Hermann Hesse ou o filme As asas do Desejo, de Wim Wenders, e da professora de português a quem mostrava tudo o que escrevia, "todos os dias, mais do que uma vez por dia." Elisa Costa Pinto acompanhou Marta Chaves na disciplina de português entre o 10º e o 12º ano, na escola secundária de Linda-a-Velha. Mais tarde, apresentou dois dos seus quatro livros de poesia.

Escreve desde a adolescência, "muito mais nessa altura do que hoje em dia", e ainda se lembra do primeiro poema e da razão pela qual o escreveu: "Quando comprei O Medo do Al Berto escrevi o meu primeiro poema no autocarro número 11. Escrevi-o com o livro no colo."

O Medo deu-lhe fôlego para pegar na caneta e escrever poesia mas também para escrever uma carta: "Com 17 anos escrevi ao Al Berto a perguntar se lhe podia enviar um poema". Al Berto respondeu, "em correio azul, isto é muito importante para a época", a dizer que sim. Enviou então um poema de sua autoria que obteve nova resposta escrita. Um ano depois conheceram-se e tiveram vários encontros mas hoje em dia já não o lê: "ficou ali fechado, naquele tempo, não sei. Como se fosse um cofre."

Foi também aos 17 anos que leu Marguerite Duras, a escritora que lhe trouxe legendas, a mesma idade em que se viu obrigada a escolher entre filosofia e psicologia para estudar na universidade. Inscreveu-se nos dois cursos e entrou em ambos "com média de 18,9". Acabou por optar por psicologia por perceber que em filosofia "ia perder a liberdade. Ia ter que escrever sobre o que estava escrito." Foi para psicologia para poder pensar com os pacientes.

A liberdade e a empatia são dois dos conceitos mais importantes na vida de Marta Chaves que se cruzam, precisamente, com os caminhos académicos que mais a marcaram: "Seres livre é seres responsável por ti e seres empático é seres capaz de te deixares para ires mesmo com o outro – como nas Asas do Desejo, no metro, ouvires o que vai na cabeça dela."

Há onze anos que dá consultas de psicologia clínica, "em vez de comprar uma casa montei um consultório", mas faz questão de sublinhar que não é académica porque "gosta é da vida".

Viaja sempre com o livro Oráculos de Cabeceira de Rui Pires Cabral na bagagem porque "tem urgências", e regressa muitas vezes a autores como Hélia Correia e Rui Nunes que lhe trazem "a resposta de que é possível escrever assim e ser publicado."

Está a preparar uma reedição da sua poesia uma vez que os quatro livros publicados têm as edições esgotadas.

Gosta de ler e de escrever mas resume de outra forma o que considera essencial: "Eu vivo por causa do amor. Se perdesse a esperança morria."

A poesia serve para quê?

Não sei dizer melhor do que o que disse o Rui Caeiro, a propósito da finalidade da poesia: "A de nos tornar habitável o inabitável, respirável o irrespirável".

Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?

Há dois versos que repito amiúde:
"Minha cabeça estremece com todo o esquecimento" do Herberto Hélder.
"É muito triste andar por entre Deus ausente" do Ruy Belo.

Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?

Honestamente, nunca tinha pensado nisto. Não tenho particular apego à nacionalidade, nem à minha nem à dos outros. Prefiro a "naturalidade", seja em que língua for.

Um bom poema é...

É algo que ilumina o mundo.

O que a comove?

Tudo o que me faz sentir viva e ligada ao mundo.

Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?

A terceira miséria é esta, a de hoje.
A de quem já não ouve nem pergunta.
A de quem não recorda. E, ao contrário
Do orgulhoso Péricles, se torna
Num entre os mais, num entre os que se entregam,
Nos que vão misturar-se como um líquido
Num líquido maior, perdida a forma,
Desfeita em pó a estátua.

Hélia Correia, A Terceira Miséria, Relógio d´Água, 2012

Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?

Amou e foi amada.

O poema que Marta Chaves leu para o Expresso e o que escolheu para ser lido por Raquel Marinho