A poesia serve para quê?
A poesia não tem de servir.
Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?
"Soube a definição na minha infância" (verso do poema Pátria de Miguel Torga)
Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?
De Tralalfamadore, o planeta visitado por Billy Pilgrim, do livro "Slaugherhouse #5", de Kurt Vonnegut, onde foram identificados pelo menos seis sexos.
Um bom poema é...
O que aponta à ferida, o que ajuda a cicatrizar.
O que o comove?
Um gatinho a correr aflito por umas escadas, um morto súbito, o mar, a lua nova, os cardos nas dunas, rodelas de pepino sobre os olhos.
Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?
"Calado Navio a Arder!", de Alberto Osório de Castro.
Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?
Por aqui se deita a Margarida.
"Prefiro ser conhecida de vista que de revista"
Margarida Vale de Gato nasceu em Vendas Novas, em 1973.
É professora auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, nas áreas de literatura norte-americana e tradução, e é investigadora do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa. Tradutora literária desde 1996, de francês e inglês, tem produzido versões de vários autores como Henri Michaux, Lewis Carroll, Egdar Allan Poe, Mark Twain, Yeats, Jack Kerouac ou Alice Munro.
É-lhe indiferente poeta ou poetisa. Vê-se, antes de qualquer coisa, como tradutora. "Eu preciso muito de traduzir. Sou professora mas continuo a pensar em mim como tradutora. Quando não estou a traduzir, fico mal disposta, fico mesmo irritada."
Precisa de traduzir, de ler e de escrever, em medidas diferentes: "Eu acho que escrevo porque preciso de escrever só que não preciso muitas vezes. Escrevo um poema de dois em dois, ou de três em três meses, e não consigo escrever mais depressa. Se for prosa, sim. É uma questão de ritmo, nunca consegui fazer mais nem menos."
O livro de estreia na poesia é de 2010 e chama-se "Mulher ao Mar". Explica que é uma brincadeira com a autobiografia: "É uma universalização de mim".
"A minha primeira poesia era sobre chuva e choro. Hoje seria prosa, ou sobre chuva e pólvora"
O eu, universal ou não, vai-se alterando e crescendo, assim como este livro que viu aumentada a edição em 2013 com uma nova versão chamada "Mulher ao Mar Retorna". "É um livro cuja intenção é crescer à medida que eu for crescendo. Vai haver várias mulheres ao mar que me vão acompanhando, o livro vai ficando mais gordo."
A par deste projeto de crescimento pessoal - e também poético -, um outro vai ganhando forma: "Há poemas que continuo a escrever que não cabem no 'Mulher ao Mar' e que vão integrar outro livro".
Já tem nome provisório, "Voltar o Poema Para Cima", e conceito: "Será menos a universalização do eu e mais o ambiente em volta".
Começou a escrever poesia muito antes de publicar. "A minha primeira poesia era sobre chuva e choro. Hoje seria prosa, ou sobre chuva e pólvora", e não esperava uma reação tão positiva ao primeiro livro: "Eu achava que os poemas eram bons, mas há muitos poemas bons que não são valorizados como deviam. Tive muita sorte".
Ao contrário do que acontecia anteriormente, o acolhimento de "Mulher ao Mar" não a impediu de continuar a escrever: "Quando eu era nova passava-se o contrário. Comecei no DN Jovem, e quando havia poemas que as pessoas gostavam muito eu ficava bloqueada com receio de depois não conseguir fazer tão bom".
"É leitora atenta desde criança. Leu o primeiro "livro grande" aos sete anos"
Além dos dois livros, tem ainda poemas e contos publicados em revistas e antologias de repercussões homeopáticas. Em 2011, escreveu uma peça de teatro com Rui Costa chamada "Desligar e Voltar a Ligar".
Nas muitas traduções que acumula no curriculum contam-se duas que inspiraram "um bocadinho" o nome da filha Alice, agora com 12 anos.
É leitora atenta desde criança. Leu o primeiro "livro grande" aos sete anos: "Era da Condessa de Segur e li-o na biblioteca de Porto Santo, onde estava a passar férias. Depois, pelos dez anos, comecei a ler Júlio Dinis e Agatha Christie".
Muitos anos, livros e traduções depois, há autores e títulos a que continua a regressar: "'Sete Rosas Mais Tarde', de Paul Celan, é um deles".
Gosta de apanhar conquilhas com o calcanhar.
Prefere ser conhecida "de vista que de revista".