Escreveu o primeiro poema "com a consciência de que ia escrever um poema" quando ainda vivia com os pais "e foi escrito à mão". Era adolescente, integrava o pequeno grupo dos melhores alunos da turma, "eu era a pior dos melhores", e mostrou-o aos colegas. Os comentátios não foram muito animadores, "acho que ainda tenho o poema com as anotações deles", e a poesia de Margarida Ferra pousou ali. A prosa não. "Escrevia longas cartas de cinco páginas às pessoas de quem gostava" e, talvez por isso e tambe+m por causa dos textos da disciplina de português do 10º e 11º ano, soubesse que acabaria por escrever, "mesmo que fosse para consumo privado".
A vida de esplanada era muito diletante, achei que devia impor-me alguns constrangimentos
Protelou a escolha da área do secundário, "tinha 5 a matemática e 5 a português", e acabou por decidir-se pela área D porque "o número de possibilidades do que gostava era mais alargado aí". Poderia ter seguido sociologia, como a mãe, ou psicologia, mas acabou por entrar em Ciências da Comunicação na Universidade Nova.
Ainda na faculdade estagiou no JL, e também numa revista sobre juventude: "a vida de esplanada era muito diletante, achei que devia impor-me alguns constrangimentos". Nos anos da faculdade encontrou tempo para ler os poetas surrealistas com o grupo de amigos de São Domingos de Benfica, mas o primeiro encontro com a poesia foi mais cedo. Além da escola, "gostei de tudo o que dei, desde as Cantigas de Amigo e de Amor, ao Camões", conheceu a poesia completa de Alexandre O`Neill pela mão do pai, e a Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa de Eugénio de Andrade, pela mão da mãe. Mas nessa altura ainda não achava que ia escrever poemas.
Eu era a vírgula, mais melancólica
Começou a escrever poesia sem saber que o fazia num blogue chamado Ponto e Vírgula, partilhado com um amigo de infância. "Ele era o ponto, era mais humorista, eu era a vírgula, era mais melancólica". Nesse blogue anotava impressões do quotidiano, o mesmo quotidiano onde vai buscar ainda inspiração para os poemas. "Pode ser só visual, uma coisa que vejo na rua, ou linguagem, alguma coisa que oiço e que fica a ressoar". Não sabe se depois ressoa às pessoas da mesma maneira mas assume que há uma vontade de partilhar e tornar pública essa experiência, "uma vontade, não uma urgência".
Tem dois livros publicados, Curso Intensivo de Jardinagem e Sorte de Principante, e xplica que gostava que a sua poesia "pusesse a linguagem ao serviço das imagens", e que usa a língua "como matéria plástica que tem um lado de imagens - aquilo para que o poema remete".
A partir do momento em que és mãe, sempre foste mãe
Na poesia de Margarida Ferra encontramos, de facto, quotidianos que podiam ser de qualquer pessoa e que não sabemos se são os seus. Quando lhe perguntamos se encontramos a mulher nos versos da poeta, recusa a ideia de espelho: "é verdade que já vi neve cair sobre o pavilhão da utopia e é verdade que leio menos do que penso, mas não é verdade que já vi aves voar em círculos sobre a minha casa".
Também é verdade que tem 36 anos e dois filhos, a Alice e o Pedro, a quem dedica um verso.
"Na minha vida sempre tive dois filhos"
E explica: "fazem parte de mim ontologicamente. A partir do momento em que és mãe, sempre foste mãe"
A poesia serve para quê?
A poesia não serve "para". Serve "a quem". Pede complemente indirecto e serve a pessoas.
Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?
I shut my eyes and all the world drops dead
(I think I made you up inside my head)
[Os dois últimos da "Mad Girl's Love Song" da Sylvia Plath]
Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?
A nacionalidade é administrativa.
Sou natural
de Portugal
e pouco hábil na estimativa.
Um bom poema é...
Um bom poema ressoa.
O que a comove?
Crianças em palcos tristes.
Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?
Envio poemas apenas aos meus próximos.
Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?
O meu nome e duas datas.
O poema que Margarida Ferra leu para o Expresso e o que escolheu para ser lido por Raquel Marinho