A pobreza que a
pandemia agravou
Os efeitos dos últimos anos não foram sentidos da mesma forma em todo o país. Uns distritos foram mais ao fundo, outros sentiram o impacto mais tarde e alguns até já recuperaram. Dados estatísticos e relatos de instituições como o Banco Alimentar, a Cáritas e as Misericórdias avisam que nem tudo está resolvido. Há milhares de famílias que ficaram para trás

Odia 11 de maio de 2020 ficou na memória de quem trabalha na Cáritas do Algarve. A pandemia de covid-19 tinha chegado a Portugal dois meses antes, o primeiro confinamento terminara há dias e o turismo algarvio estava reduzido a nada. Nessa segunda-feira, o telefone não parou de tocar e muitas pessoas bateram à porta da instituição a pedir ajuda para comer ou pagar despesas urgentes. Nunca tinham sido tantas num só dia e quase todas estavam ali pela primeira vez.
Nos meses seguintes, dias como esse repetiram-se e em junho os centros de emprego do distrito de Faro chegaram a ter três vezes mais desempregados inscritos do que um ano antes. Os sinais de alívio chegaram só a meio de julho: nesse primeiro verão de pandemia, que se achava ser o último, os portugueses viajaram em muito maior número para a costa algarvia.
Para trás, os dez últimos dias de março, no início do primeiro Estado de Emergência, já tinham sido suficientes para uma queda abrupta da região: no final desse mês contavam-se mais seis mil inscritos nos centros de emprego do que em março de 2019. A Cáritas passou a apoiar o dobro das famílias e cerca de 300 pessoas pediram ajuda ao Banco Alimentar.
“Foi o maior boom de pedidos de ajuda a que já assisti no Algarve. A grande maioria eram situações novas, pessoas que nunca nos tinham procurado, mas que tinham deixado de conseguir pagar despesas básicas", descreve Ana Sofia Pereira, técnica de ação social da Cáritas Diocesana do Algarve. "Muitas destas famílias nem lidavam com a sazonalidade, como acontece com grande parte das famílias na região, e tinham salários estáveis que chegavam para os gastos."
O primeiro confinamento, que começou a 18 de março, levou ao cancelamento de mais de 60% das reservas no Algarve para essa primavera. E, num mês de abril com a Páscoa confinada, a ocupação média dos hotéis tinha sido de 1%. Na Madeira, a realidade não era diferente: 92% dos alojamentos turísticos tiveram reservas canceladas. Às famílias que dependiam dos turistas restaram os apoios económicos e sociais criados pelo Governo como resposta à maior e mais repentina crise.
Só que nem todas as regiões do país sofreram com a mesma intensidade os efeitos dos confinamentos em 2020 e 2021. Para retratar o impacto da pandemia na pobreza nas várias regiões do país, ao longo de um ano o Expresso recolheu dados estatísticos e relatos de instituições sociais como a Cáritas, o Banco Alimentar e as Misericórdias, além de indicadores oficiais como os desempregados inscritos nos centros de emprego, a partir do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), e o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) da Segurança Social.
Em zonas mais rurais, com menos indústria, poucas empresas e população mais envelhecida, como Beja, Castelo Branco, Guarda ou Portalegre, as instituições sociais assistiram sobretudo a um agravamento de carências e fragilidades já existentes, tanto nos idosos, ainda mais isolados e sem apoio, como nas famílias com rendimentos informais e precários. O desemprego foi uma realidade, mas sem um peso demolidor.
Em zonas urbanas, com mais população em idade ativa, mais turismo e serviços, maior peso da precariedade e da habitação a preços inacessíveis, como acontece nos distritos de Lisboa, Setúbal, Porto, Braga e Faro, os efeitos sentiram-se de imediato e o desemprego afundou milhares de famílias. Muitas já viviam no limite, dependentes de segundos empregos informais em limpezas ou obras para compensar os baixos salários. De repente, viram-se sem nada. E assim explodiram os pedidos para chegar ao mais básico: ajuda alimentar.


A procura foi tão intensa e repentina que o Banco Alimentar teve de encontrar uma resposta alternativa e criou, a 16 de março de 2020, a Rede de Emergência Alimentar, lançando um formulário específico, preenchido online, para encaminhar cada nova família para uma das instituições que distribuem cabazes.
Em dez dias, mais de 2500 famílias preencheram o formulário. Nesses agregados, estavam quase 8 mil pessoas. A grande maioria (75%) vivia em Lisboa, Setúbal e Porto.
A grande parte dos pedidos (71%) chegou em 2020. Nesse ano, o Banco Alimentar apoiou uma média de 394 mil pessoas por mês, mais 68 mil do que em 2019. Houve quem pedisse apoio porque a instituição a que habitualmente recorria tinha fechado as portas. Mas nove em cada dez famílias viviam até então sem precisar de ajuda.
Vila Real, Guarda e Beja, além de Viana do Castelo, Bragança e Portalegre foram os distritos com menos pedidos por 100 mil habitantes. Pelo contrário, toda a Área Metropolitana de Lisboa se destaca pela negativa: concelhos como Amadora, Odivelas, Sintra, Moita, Lisboa e Barreiro aparecem no topo da lista com mais famílias a precisarem de apoio.
Também Setúbal, muito marcado pela fome na década de 1980, continua hoje a ser uma espécie de "barómetro" da pobreza. "Aqui estão as primeiras vítimas das crises e as últimas a sair delas", frisa Domingos Ferreira de Sousa, presidente da Cáritas de Setúbal. A instituição viu triplicar o número de famílias apoiadas em 2020, com um agravamento das carências alimentares e do número de sem-abrigo.
O que contam os números do desemprego e do RSI

O aumento do desemprego foi uma consequência imediata do confinamento, contrariando a descida que se vinha a sentir. Mas a partir de meados de 2021, com o desconfinamento, o cenário começou a melhorar. No passado mês de abril, em todos os distritos, o número de desempregados inscritos já era mais baixo do que há um ano. Ainda assim, olhando para o número de desempregados inscritos em cada distrito por cada 100 pessoas em idade ativa, veem-se diferentes padrões por todo o país.
A evolução do número de desempregados inscritos nos centros de emprego por distrito nos últimos 15 anos, comparando cada mês com o mesmo mês do ano anterior, mostra o impacto da pandemia.
Mas o retrato é outro se compararmos os últimos dois anos com os mesmos meses de 2019. Onde é que o número de desempregados inscritos em centros de emprego ainda não voltou ao cenário pré-pandemia?
Como o gráfico mostra, Faro, Lisboa, Leiria, Coimbra e, com menos diferença, também Setúbal, Beja e Santarém ainda tinham em abril de 2022 mais inscritos nos centros de emprego do que no mesmo mês de 2019. Distritos como Porto, Guarda, Aveiro, Viseu, Vila Real, Viana do Castelo já estão melhores do que antes da pandemia.
Também as duas regiões autónomas recuaram para situações mais favoráveis do que estavam em 2019. Mas nestes dois anos viveram um cenário muito distinto: os Açores nunca chegaram a ter aumento do desemprego, enquanto a Madeira teve um sério agravamento, em grande parte devido ao rombo no turismo.
Lisboa chegou a ter mais 67% de desempregados inscritos em fevereiro de 2021 comparando com o mesmo mês de 2020, o que reflete um agravamento no segundo ano de pandemia. Em resultado, a crise social manifestou-se de forma muito visível no distrito. O número de pessoas a receber um cabaz alimentar em Lisboa através do programa da Segurança Social praticamente duplicou. Eram 8400 em 2021, segundo dados da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). No primeiro ano de pandemia, a instituição atendeu quase três vezes mais pessoas do que em 2019.
Um quarto do apoio financeiro dado pela SCML às famílias em 2021 foi destinado ao pagamento de rendas, quartos e pensões, num total de €7 milhões. E nesse mesmo ano 20% das pessoas que recorreram à instituição no ano passado fizeram-no para pedir um apoio económico.
"Muitas pessoas que vivem de trabalhos informais, em serviços de limpeza ou até em restaurantes, ficaram de repente sem qualquer fonte de rendimento. Mesmo quem tinha uma vida organizada e estável viu-se sem nada. As necessidades das famílias explodiram", recorda o presidente da Cáritas de Lisboa, Luís Macieira Fragoso. "Atualmente, a retoma do turismo está a ser uma grande ajuda e é natural que a situação regresse aos padrões anteriores, mas a realidade no terreno mostra que ainda não estamos lá."
Viana do Castelo, que já recuperou os indicadores do desemprego, teve muitos trabalhadores em lay-off entre março e maio de 2020, num nível semelhante a Lisboa ou ao Funchal, se for tida em conta a população ativa de cada distrito. O peso da indústria como atividade empregadora na região ajuda a explicar. Neste momento, já recuperou o desemprego, mas não é sinónimo de que tudo esteja resolvido. "Antes apoiávamos sobretudo pessoas idosas, mas agora chegam-nos todo o tipo de famílias. São pessoas que nunca nos pediram ajuda, mas que agora não conseguem pagar as suas despesas. Não recuperámos para os níveis anteriores", aponta José Machado, diretor da Cáritas de Viana do Castelo.
Na Madeira, depois do forte impacto inicial, a situação foi melhorando ao longo de 2021. "Antes da pandemia, chegavam-nos uns 20 pedidos diretos de ajuda por ano. Em 2020, chegaram cerca de 400, muitos de pessoas de classe média, com instrução, diferente das que apoiávamos habitualmente. No ano passado rondou uma centena e agora são bem menos", conta Hugo Gouveia, diretor do Banco Alimentar da Madeira.
A realidade social no Porto, ainda que recuperada no desemprego, também se mantém distante de 2019, alerta António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto. "As pessoas estão mais fragilizadas, muitas ainda de baixa ou com problemas de saúde. E mesmo as que trabalham juntam aos rendimentos muito baixos o problema da falta de habitação e dos preços inacessíveis das rendas. Muitos dos pedidos que nos chegam são de pessoas que estão a ser despejadas."


Apesar de os apoios dados pelo Governo terem permitido que milhares de famílias subsistissem durante os anos da pandemia, sem terem rendimentos de trabalho, em 2020 a eficácia das prestações sociais em reduzir a pobreza em Portugal foi menor. E a Comissão Europeia já alertou para esse problema num relatório publicado no final de maio.
O Rendimento Social de Inserção (RSI) é atribuído a quem está em pobreza extrema (uma pessoa que viva sozinha só tem direito a esta prestação se viver com menos de €189 mensais). O número de beneficiários estava a descer há três anos, mas começou a aumentar no primeiro mês da pandemia. Atingiu o ponto mais alto em maio de 2021 e, desde então, tem vindo sempre a descer. Mas nem todos os distritos tiveram a mesma evolução.
Apesar de a nível nacional haver já menos 7% de beneficiários do que antes da pandemia, há alguns distritos que ficaram para trás. Onde é que o número de beneficiários de RSI não voltou ao cenário pré-pandemia?
Faro (37%), Leiria (15%), Lisboa (3,7%), Bragança (1,3%) e Madeira (0,6%) continuam ainda a ter mais pessoas a receber RSI do que em abril de 2019.
Pelo contrário, todos os outros 15 distritos recuaram para um cenário mais favorável do que tinham antes da chegada da covid-19. Em contraciclo ao longo de toda a pandemia estiveram os Açores, onde o risco de pobreza até diminuiu em 2020. "O fenómeno deveu-se aos apoios regionais, incluindo os programas ocupacionais, que, apesar de pagarem o salário mínimo e ficarem numa zona difusa entre emprego e desemprego, têm um profundo impacto ao poupar as famílias à pobreza em situações como a desta crise", explica Fernando Diogo, professor da Universidade dos Açores e investigadora do CICS.NOVA.
Enquanto que, em Bragança, o impacto do desemprego não foi muito acentuado, o aumento da pobreza fez-se sentir. A Cáritas atendeu cinco vezes mais pessoas e tiveram dez vezes mais famílias a aparecerem pela primeira vez em 2020. "Antes da pandemia, era muito raro pedirem-nos ajuda para pagar uma renda, mas foi o tipo de apoio que se tornou mais frequente", diz Cristina Figueiredo, diretora da Cáritas de Bragança.
Uma das grandes diferenças de uma zona mais rural, comparando com os centros urbanos, está no acesso mais facilitado a alimentação. Bragança está entre os distritos com menos pedidos ao Banco Alimentar por 100 mil habitantes. "É verdade que se sente essa diferença. Antes de chegarem a nós, há os vizinhos. Há sempre alguém que ajuda com couves ou batatas. E numa fase inicial da pandemia, o Banco Alimentar até chegou a perguntar-nos se não precisávamos de um reforço, mas não tínhamos assim tantos pedidos. A parte alimentar é uma vantagem, mas o peso das despesas com eletricidade, por causa do aquecimento no inverno, é a desvantagem."

Também o distrito de Leiria mantém-se ainda pior do que antes da pandemia. Concelhos como a Marinha Grande, Caldas da Rainha, Nazaré, Alcobaça e Leiria tiveram aumentos fortes de desemprego.
Na Nazaré, onde o turismo e a pesca empregam muitas pessoas, o número de beneficiários de RSI subiu 82% em 2020. A maioria das pessoas que ligaram para a linha de apoio da autarquia estavam ligadas à restauração e hotelaria "com contratos sazonais, pelo que a maioria ficou sem proteção", recorda a vereadora da ação social, Regina Piedade. "Também tivemos agregados cujo trabalho é a venda ambulante e durante largos meses estiveram impedidos de prover pelo seu sustento, tendo de recorrer ao apoio da Segurança Social, o que exigia inscrição no IEFP."
A Rede Europeia Anti-Pobreza frisa que, no concelho de Leiria, houve um aumento significativo dos pedidos "sobretudo a nível alimentar e habitacional", refere Patrícia Grilo, responsável do núcleo distrital. "Há mais do que uma razão, mas o facto de haver muitas pessoas a trabalhar com contratos temporários e precários, contribuiu."
A pobreza que escapa aos números

Apesar do recuo generalizado do desemprego e da redução do número de beneficiários de RSI, há uma parte do agravamento da pobreza gerado pela pandemia que fica fora dos principais indicadores. Mesmo que muitas famílias já tenham regressado ao trabalho e desaparecido das estatísticas do desemprego, os baixos salários que já tinham antes são agora ainda mais curtos. Para trás, durante os meses em que os rendimentos praticamente desapareceram, deixaram rendas em atraso e contas por pagar.
A esse peso junta-se a subida contínua dos preços desde o final do ano passado, que faz com que se compre cada vez menos com o mesmo dinheiro. É como se, silenciosamente, o orçamento das famílias fosse encurtando de mês para mês, obrigando a fazer cada vez mais escolhas.
Só o preço de um cabaz de 63 alimentos básicos subiu 10% desde o final de fevereiro, quando começou a guerra na Ucrânia, segundo os cálculos da DECO/Proteste. E uma botija de gás custa agora mais €7,30 euros do que há um ano, mostram os dados da Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE).
Apesar de o número de beneficiários da Tarifa Social de Eletricidade, atribuída a quem recebe prestações mínimas, ser agora mais baixo do que em agosto de 2021, essa ajuda chegou a 762 mil pessoas em abril. Vila Real, Bragança, Braga e Viseu são os distritos com maior percentagem de beneficiários.
Ainda antes da pandemia, já a percentagem de trabalhadores pobres em Portugal estava acima da média europeia e Bruxelas alertou para o problema no final de maio, atribuindo-o aos baixos salários e à baixa eficácia dos apoios sociais.
Segundo o INE, 11,2% dos trabalhadores eram pobres em 2020 e essa era a percentagem mais alta dos últimos 13 anos. Ou seja, apesar da subida do salário mínimo nos últimos anos, ter um trabalho e um ordenado ao final do mês não é suficiente para evitar a pobreza. Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), coordenado por Fernando Diogo, deixou o alerta: um terço dos pobres em Portugal têm trabalho e a maior parte até tem um emprego com vínculo estável há muitos anos.
Ainda assim, não ter trabalho é claramente a situação de maior risco: em 2020, quase metade dos desempregados (46,7%) eram pobres.
As instituições sociais são unânimes em alertar que o cenário atual continua a ser mais grave do que em 2019 e há realidades que se juntam ao que já vinha de trás. As necessidades crescentes dos migrantes são um exemplo e são transversais a quase todo o país. Beja, por exemplo, concilia os pedidos de apoio de famílias com salários insuficientes e de idosos com pensões muito baixas a precisarem de apoio, com as carências crescentes dos trabalhadores agrícolas do Alentejo.
“Nos primeiros três meses deste ano, foram encaminhados muitos migrantes para o apoio social e há um aumento notório de pessoas na cidade. Se continuar a aumentar desta forma, este ano vai ser mais complicado do que o último”, aponta Ana Soeiro, responsável pelo serviço de atendimento e acompanhamento social da Cáritas de Beja.
“Em geral, as pessoas ficaram com mais problemas de saúde mental devido ao isolamento e solidão. E quando ainda não nos restabelecemos de dois anos de pandemia chega um aumento de preços, mesmo de produtos básicos como o pão, tão essencial na alimentação no Alentejo. Muitas famílias apenas sobrevivem, não vivem. Tentam arranjar forma de pagar as prestações fixas mensais e as suas vidas giram à volta disso”, descreve.
Também os estudantes universitários, sobretudo dos PALOP, foram um dos grupos que mais recorreram à Cáritas durante a pandemia, por terem bolsas de estudo muito baixas ou inexistentes, e terem perdido os trabalhos temporários, muitas vezes informais, que lhes garantem o sustento. Ainda hoje, as instituições que funcionam próximos de polos universitários continuam a apoiar alguns alunos.
O Banco Alimentar também continuar a apoiar mais pessoas do que antes da pandemia. "Os números não estão a aumentar. Mas continuamos a receber novos pedidos todos os dias de pessoas afetadas ainda pela pandemia. E por isso vamos manter ainda a Rede de Emergência Alimentar a funcionar, apesar de ter sido criada como resposta temporária", sublinha Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar.
Também as Cáritas Diocesanas continuam a responder a mais pedidos do que em 2019. "Se a retoma fosse efetiva, era natural que as pessoas deixassem de precisar de ajuda. As estatísticas oficiais da pobreza não refletem a realidade do terreno e até a afrontam", alerta Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa. "E são claras as diferenças geográficas: a situação já melhorou em regiões que dependem do turismo e os primeiros sinais de retoma vieram do Funchal." Perante a realidade atual, também a Cáritas irá manter em vigor o programa de apoio criado para a pandemia.
A inflação traz mesmo uma dificuldade acrescida às estatísticas da pobreza divulgadas pelo INE, como explica Carlos Farinha Rodrigues, economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).
"Temos uma quebra de poder de compra brutal entre 2021 e 2022 que resulta essencialmente da inflação e não tanto da alteração de rendimentos, e que, portanto, não irá alterar os indicadores de pobreza. Até pode não haver um aumento da pobreza monetária em 2022, mas há uma perda de condições de vida muito significativa. É preciso pensar em indicadores que corrijam as estatísticas da pobreza”, alerta o especialista, sugerindo a criação de um cabaz de bens essenciais “que sirva de referência para a linha de pobreza”, algo que seria inédito nas estatísticas nacionais.
Criar uma base de de dados integrada que cruze dados administrativos com estatísticas nacionais permitiria conhecer com mais detalhe a pobreza a nível local em Portugal e atuar de forma mais precisa. Essa é uma das propostas da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, preparada por uma comissão de especialistas coordenada pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e aprovada em dezembro pelo Governo, mas que ainda não avançou.
Para já, do Continente às ilhas, o retrato da crise social é muito semelhante. "Quem nos procura hoje são pessoas que trabalham e a quem os rendimentos não chegam para as despesas. A um casal que até tenha recuperado o seu emprego e continue a receber o salário mínimo o que é que sobra depois de pagar a renda, sobretudo se tiver filhos?", questiona Duarte Pacheco, presidente da Cáritas do Funchal. "A nova realidade com que lidamos hoje é a destas pessoas, que realmente tendem a escapar às estatísticas da pobreza."
Créditos
Texto Raquel Albuquerque
Fotografias Rui Duarte Silva, Tiago Miranda, Getty Images e Lusa
Infografia Cátia Barros
Webdesign Tiago Pereira Santos
Apoio web Maria Romero
Coordenação Joana Beleza e Jaime Figueiredo
Direção João Vieira Pereira
Expresso 2022
Este trabalho foi feito com uma bolsa de investigação jornalística atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian.
