Norberto, Beatriz e Tomás

Agora é a vez deles

Norberto, Beatriz e Tomás são atletas paralímpicos e estão a chegar a Paris

Norberto Mourão é atleta de paracanoagem, Beatriz Monteiro de parabadminton e Tomás Cordeiro de paranatação. Os três fazem parte da comitiva que vai representar Portugal em Paris quando os Jogos Olímpicos terminarem: a 29 de agosto arrancam os Jogos Paralímpicos com 27 portugueses a participarem em dez modalidades. Agora é a vez deles

agosto 2024

Não penso para trás, não ia mudar nada

PARACANOAGEM
Norberto Mourão

Norberto Mourão viu a sua vida transformar-se após um grave acidente de mota, em Camarate, Lisboa, aos 28 anos. “O resultado foi a amputação das duas pernas logo no local.” 

Nasceu na aldeia de Quintelas, em Vila Real, e aos três anos mudou-se para Lisboa, onde viveu a maior parte da vida e trabalhou como pasteleiro até ao momento do seu acidente. "As possibilidades de sobreviver eram muito baixas", conta Noberto, hoje com 43.  

Sobreviveu e iniciou o processo de reabilitação, que começou ainda nos primeiros dias no hospital. "Estava nos cuidados intensivos e já pedia à minha mãe para me levar uns halteres." 

Atividade física sempre presente 

Nunca antes tinha competido. Sempre gostou de praticar atividade física e durante a recuperação descobriu a paracanoagem. Foi assim que tudo começou.  

Após anos de dedicação, em 2019, alcançou o terceiro lugar nos Campeonatos Europeus e nos Mundiais, consolidando a sua posição como um dos principais atletas da paracanoagem do mundo.  "Foi a mudança completa", diz. Tornou-se o primeiro português a conquistar uma medalha nesta modalidade. 

Dois anos depois, nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, conquistou uma das duas medalhas portuguesas (ambas de bronze, a segunda é de Miguel Monteiro no lançamento do peso).

Mourão continua a competir internacionalmente e dentro de dias vai chegar aos Jogos Paralímpicos de Paris. A preparação é intensa e rigorosa, focando-se, principalmente, nos treinos na água, que variam entre oito a dez quilómetros por dia.  

“Os resultados são bastante bons. Notou-se no último Mundial: embora tenha ficado em quarto, foi um quarto lugar extraordinário e com tempo excelente”, afirma o atleta. 

Foto Adam Pretty/Getty Images

Foto Adam Pretty/Getty Images

Refletindo sobre a sua jornada, Norberto partilha a sua filosofia de vida:  "Não interessa quanto tempo as coisas demoram a ser alcançadas, o importante é manter o objetivo e lutar por ele. Algum dia, vamos conseguir conquistá-lo"

Sou o meu ídolo, tento superar-me todos os dias

PARABADMINTON
Beatriz Monteiro

Metade da vida de Beatriz Monteiro foi passada a jogar badminton. Tem 18 e começou aos nove anos no desporto escolar, onde, além dos grandes resultados, foi descobrindo o gosto pela modalidade.  

Com dez anos já era federada e o seu treinador deu início à participação em competições. “Tem sido badminton desde então. Este será o meu desporto para sempre”, diz.  

Beatriz tem uma deficiência motora no braço esquerdo, uma lesão do plexo braquial (conjunto de nervos que faz a comunicação entre os braços e o cérebro). Não conhece outra forma de viver e não sente que isso dificulte o dia a dia. No entanto, admite, tem desvantagens no desporto por comparação a atletas sem deficiência: no equilíbrio, na velocidade e na gestão do jogo.  

Como em Portugal não existe parabadminton, Beatriz joga e defronta atletas sem deficiência.  O mesmo não acontece a nível internacional.

Tóquio foi a estreia de Beatriz. Tinha 15 anos quando se qualificou para os Jogos Paralímpicos de 2020. Ali, só competiu contra outros atletas com deficiência, era a atleta mais nova da comitiva portuguesa, foi a porta-estandarte na Cerimónia de Abertura e ainda conquistou um diploma olímpico (5.º lugar na sua categoria).

Embora presente nas provas de qualificação, Beatriz chegou a Tóquio por convite da Federação Mundial de Badminton, após os bons resultados alcançados pela atleta em diversas provas. O mesmo aconteceu com Paris 2024, devido à sua posição do ranking mundial.

Ainda assim, as qualificações são emocionantes, conta. “Precisava de ganhar e estava nervosa, mas sabia que era tudo ou nada. Portanto, entrei e destruí. Para mim, foi muito importante.”  

Foto D.R.

Foto D.R.

Chegar aqui não foi fácil: teve de treinar mais intensivamente, chegando às três vezes por dia, com sessões de fisioterapia, além de adaptar a alimentação e do acompanhamento psicológico.  

“A persistência é o mais importante. Se insistirmos, um dia os resultados vêm.”  

Ser atleta exige prioridades bem definidas. Na escola, por exemplo, acabou por reprovar a Matemática devido à dificuldade em estar presente nas aulas. Terminou os estudos em aulas à noite com equivalência à disciplina no ensino secundário. 

Agora vai candidatar-se ao ensino superior. Quer seguir Gestão e Organização Desportiva. 

Ser campeã  

Beatriz não se fica pelo badminton. Passou pela natação, basquetebol, andebol, equitação, karaté, hip-hop, entre outras modalidades. Em competições, a preocupação não é ganhar medalhas, mas representar bem o seu país.  

Foto Miguel A. Lopes/Lusa

Foto Miguel A. Lopes/Lusa

“Tento superar-me todos os dias e quero ser melhor do que ontem”, diz, assumindo ser ela o seu ídolo e reconhecendo a qualidade de outros atletas.

Gostava muito de ser campeã paralímpica e acho que tenho ainda um futuro enorme pela frente.”  Para já, espera-lhe Paris. “Estou [muito ansiosa] por querer voltar a pisar os palcos da maior competição do mundo.” 

Não é só o corpo que tem de estar bem

PARANATAÇÃO
Tomás Cordeiro

Tomás Cordeiro nasceu no Porto e, aos 20 anos, mudou-se para Coimbra porque a natação assim o exige. Hoje é a prioridade, mas não foi sempre assim. Em miúdo já era desportista, jogava futebol.  

Foi aos sete anos que teve o diagnóstico de Síndrome de Legg-Calvé-Perthes, que afeta a anca e leva à necrose (morte de tecidos). Como a confirmação da doença foi tardia, uma cirurgia já não resolveria o problema.  

Acabou o futebol.

Só tinha duas hipóteses: natação e ciclismo.

Começou a natação.

“Na pista ao lado, havia competição. Achei engraçado e pedi aos meus pais para ir. A partir daí, foi sempre a subir. Tenho estado [a competir] há 11 anos”, conta.  

Foto D.R.

Foto D.R.

Treinos e mais treinos 

Começou por treinar “pouco”, “apenas” seis a sete vezes por semana: “Quando não levava isto muito a sério, era muito tranquilo. Não tinha muitos treinos”. A exigência aumentou, sobretudo quando conseguiu um lugar nos Jogos Paralímpicos.  

Duplicaram os treinos, agora são dez a 12 por semana na piscina, mais duas idas ao ginásio. São 12 horas por dia dentro de água todos os dias.

E quando não está na água, Tomás Cordeiro é estudante de psicologia. Se nos treinos a forma física é o foco, nas competições o mais importante é estar bem mentalmente para enfrentar a pressão.  

Em tempos, Tomás pensou desistir devido à intensidade da rotina e por se sentir sozinho, conta que deve ter estado perto da depressão. Hoje, diz, está bem.  

Atleta reconhecido 

A lista de conquistas de Tomás Cordeiro não é curta: além de ter conquistado medalhas de ouro nos 200 metros estilos (S9) e de bronze nos 100 metros de bruços (S9) na WPS World Series de Lignano Sabbiadoro, Itália, também bateu o recorde nacional nos Europeus de natação paralímpica nos 200 metros estilos (SM10), com o tempo de 2.16,83 minutos.  

O recorde foi inesperado, embora soubesse que tinha de fazer uma prova excelente: “Achei que tinha de ser ali. Fiz a eliminatória muito tranquilamente; na segunda série, percebi que estava na frente. Não fui mais a relaxar. Bati o recorde nacional”.  

Foto D.R.

Foto D.R.

“Antes da final dos 200 estilos, rezei para tentar chegar à medalha. Acho que deu sorte. Sempre que me benzo, as coisas correm bem”, recorda. Ficou feliz com o 4º lugar, mas ainda mais pelo seu marco no desporto em Portugal.  

Ficar no pódio significa, para Tomás, perceber que todos os treinos e esforços valeram a pena. Além do intenso calendário de treinos, adapta a rotina: evita muitas saídas, tem uma dieta rigorosa e é acompanhado por médicos, nutricionistas, preparadores físicos e fisioterapeutas.  

É difícil, admite, mas ainda se vê a participar em, pelo menos, mais dois ciclos olímpicos. Em Paris, dentro de dias, tem o objetivo de chegar à final dos Jogos Paralímpicos nos 200 metros estilos.

Rumo a Paris 2024  

A capital francesa será palco de 12 dias de competição, onde mais de 4400 atletas tentam chegar ao pódio. Os Jogos Paral´ímpicos arrancam a 28 de agosto e prolongam-se até 8 de setembro.  

Em Paris, vão estar paralímpicos de 182 países que, em 22 modalidades, disputam 549 medalhas nas 19 arenas espalhadas por Paris.  

Com a presença de três mil jornalistas credenciados e a estimativa de 3,7 milhões de espectadores em todo o mundo, espera-se que os Jogos Paralímpicos sejam o segundo maior evento multidesportivo do mundo - o primeiro são os Jogos Olímpicos.  

Foto Comité Paralímpico Portugal

Foto Comité Paralímpico Portugal

A delegação portuguesa vai estar presente com 27 atletas, que participam em dez modalidades: atletismo, badminton, boccia, canoagem, ciclismo, judo, natação, powerlifting, tiro e triatlo.

Pelo segundo ciclo olímpico consecutivo, o número de atletas volta a diminuir. Em Tóquio estiveram 33, ao Rio de Janeiro (2016) foram 36. É preciso recuar a 2000, nos Paralímpicos de Sydney, para encontrar o recorde de participantes portugueses (52).

Como nasceram os Paralímpicos?

É no pós-Segunda Guerra Mundial, em Inglaterra, que o neurologista alemão Dr. Ludwig Guttmann idealiza uma competição desportiva para os seus pacientes paraplégicos no Hospital Stoke Mandeville. O objetivo não era um lugar no pódio, mas a reabilitação física e psicológica.

Estávamos em 1948 e é desta ideia que, pouco mais de uma década depois, se estreiam os Jogos Paralímpicos. Aconteceu em Roma, Itália (1960), com 400 atletas de 23 países em competição em 14 modalidades.  

Desde então, tal como como nos Jogos Olímpicos, a cada quatro anos a chama paralímpica acende-se.

Cerimónia da abertura em Tóquio, 1964 Foto Keystone/Hulton Archive/Getty Images

Cerimónia da abertura em Tóquio, 1964 Foto Keystone/Hulton Archive/Getty Images

A edição de 1964, a segunda, em Tóquio (Japão) contou com a participação de 375 atletas de 21 países. Mais de meio s´éculo depois, em 2020 (que se realizaram, na verdade, em 2021 devido à pandemia), os Jogos regressaram a Tóquio. Estiveram presentes 4403 atletas de 162 nacionalidades.

Portugal nos 4x200 metros nos Jogos Paralímpicos de Sydney (Austrália) em 2000 FOTO Matt Turner/ALLSPORT/Getty Images

Portugal nos 4x200 metros nos Jogos Paralímpicos de Sydney (Austrália) em 2000 FOTO Matt Turner/ALLSPORT/Getty Images

Rumo a Paris 2024  

A capital francesa será palco de 12 dias de competição, onde mais de 4400 atletas tentam chegar ao pódio. Os Jogos Paral´ímpicos arrancam a 28 de agosto e prolongam-se até 8 de setembro.  

Em Paris, vão estar paralímpicos de 182 países que, em 22 modalidades, disputam 549 medalhas nas 19 arenas espalhadas por Paris.  

Com a presença de três mil jornalistas credenciados e a estimativa de 3,7 milhões de espectadores em todo o mundo, espera-se que os Jogos Paralímpicos sejam o segundo maior evento multidesportivo do mundo - o primeiro são os Jogos Olímpicos.  

Foto Comité Paralímpico Portugal

Foto Comité Paralímpico Portugal

A delegação portuguesa vai estar presente com 27 atletas, que participam em dez modalidades: atletismo, badminton, boccia, canoagem, ciclismo, judo, natação, powerlifting, tiro e triatlo.

Pelo segundo ciclo olímpico consecutivo, o número de atletas volta a diminuir. Em Tóquio estiveram 33, ao Rio de Janeiro (2016) foram 36. É preciso recuar a 2000, nos Paralímpicos de Sydney, para encontrar o recorde de participantes portugueses (52).

Como nasceram os Paralímpicos?

É no pós-Segunda Guerra Mundial, em Inglaterra, que o neurologista alemão Dr. Ludwig Guttmann idealiza uma competição desportiva para os seus pacientes paraplégicos no Hospital Stoke Mandeville. O objetivo não era um lugar no pódio, mas a reabilitação física e psicológica.

Estávamos em 1948 e é desta ideia que, pouco mais de uma década depois, se estreiam os Jogos Paralímpicos. Aconteceu em Roma, Itália (1960), com 400 atletas de 23 países em competição em 14 modalidades.  

Desde então, tal como como nos Jogos Olímpicos, a cada quatro anos a chama paralímpica acende-se.

Cerimónia da abertura em Tóquio, 1964 Foto Keystone/Hulton Archive/Getty Images

Cerimónia da abertura em Tóquio, 1964 Foto Keystone/Hulton Archive/Getty Images

A edição de 1964, a segunda, em Tóquio (Japão) contou com a participação de 375 atletas de 21 países. Mais de meio s´éculo depois, em 2020 (que se realizaram, na verdade, em 2021 devido à pandemia), os Jogos regressaram a Tóquio. Estiveram presentes 4403 atletas de 162 nacionalidades.

Portugal nos 4x200 metros nos Jogos Paralímpicos de Sydney (Austrália) em 2000 FOTO Matt Turner/ALLSPORT/Getty Images

Portugal nos 4x200 metros nos Jogos Paralímpicos de Sydney (Austrália) em 2000 FOTO Matt Turner/ALLSPORT/Getty Images

Marcos históricos
dos Jogos Paralímpicos 

1960

Roma, em Itália, recebe os primeiros Jogos Paralímpicos com 400 atletas de 23 países

1988

É em Seul, na Coreia do Sul, que pela primeira vez Jogos Olímpicos e Paralímpicos acontececem na mesma cidade

1989

É fundado o Comité Paralímpico Internacional (IPC) para supervisionar e regular o movimento paralímpico mundial

2012

Atinge-se um novo recorde de bilhetes vendidos para assistir às provas dos Jogos Paralímpicos. De acordo com dados do Governo britânico, foram comprados mais de um milhão (1.185.977) de entradas

2021

"Unidos pela emoção" foi o tema de Tóquio 2020. A pandemia de Covid-19 adiou os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2020 para o verão de 2021 

Portugal nos Paralímpicos

12
edições 

312
atletas 

15
modalidades

Atletismo 
54

Boccia
26


Natação
9

Ciclismo
2

Futebol
1

Ténis de Mesa
1

Canoagem
1

Portugal estreou-se nos Jogos Paralímpicos, em 1972, em Heidelberg, na então Alemanha Ocidental. Depois, só haveria de voltar a apresentar-se em 1984, num ano em que a organização se dividiu entre os EUA e Reino Unido. Daí em diante esteve sempre presente.

Os atetas portugueses conquistaram 94 medalhas, com o atletismo e o boccia a representarem 85% das vitórias.

Tóquio 2020 foram, depois de 1972, os menos premiados para Portugal, só com duas medalhas - ambas de bronze. Desde 2012 que não há medalhas de prata e, em 2008, foi a última vez que o hino português se ouviu nos Jogos Paralímpicos.

Créditos

Texto Beatriz Ferreira, Carlota Malhado e Déborah Lima (alunas de mestrado de Jornalismo e Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)
Edição de vídeo Rita Tavares (aluna e mestrado de Jornalismo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)
Vídeo de abertura e fotos Comité Paralímpico de Portugal
Web Design Tiago Pereira Santos
Infografia Carlos Paes
Web Devolopment João Melancia
Coordenação Diogo Pombo, Lídia Paralta Gomes, Joana Beleza, e Marta Gonçalves
Direção João Vieira Pereira

Expresso 2024