“Se há poucas, vou ser uma delas”
São raras e fazem parte de um mundo cheio de homens. Conhecê-las é essencial para que surjam mais

Isabel, Lúcia, Cristina, Bianca, Cátia e Leonor são de gerações diferentes e são todas (ou esperam ser em breve) engenheiras, um ofício predominantemente masculino. As seis partilham episódios em que o género foi uma questão: estas são as suas histórias de trabalhadoras e de estudantes de exceção num mundo de homens
julho 2024
No quinto piso da Torre Norte do campus do Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa, na Alameda, está o Departamento de Engenharia Eletrotécnica e Computadores. Numa sala de reuniões, há retratos de vários professores catedráticos que contam a história de uma faculdade com mais de 100 anos de vida. Também se contam quinze rostos, a cores e a preto e branco, e só um é de uma mulher: Isabel Trancoso.



Isabel Trancoso licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica em 1979 e fez-se mestre cinco anos depois no primeiro mestrado de Engenharia Electrónica e de computadores em Portugal
Hoje, aos 68 anos, é investigadora em linguística computacional
O IST é uma das principais instituições de referência na área da engenharia em Portugal. Fundado em 1911, é uma das faculdades no país com maior diversidade de licenciaturas e maior número de alunos no setor.
A parede coberta de fotografias de homens na sala de reuniões ilustra o rácio de mulheres entre os docentes do Técnico e espelha a realidade histórica nas engenharias mecânica, informática e eletrotécnica, as três áreas com menor representação feminina.
"Em 2016, o núcleo de estudantes era coordenado por uma aluna. Quando saíram as colocações, perguntei-lhe como estávamos e ela disse-me: 'Atingimos o seu objetivo, já temos mais raparigas do que 'Joões'"
Isabel Trancoso, 68 anos, engenheira eletrotécnica e de computadores
Até há pouco tempo, esta discrepância de género verificava-se em todas as engenharias em Portugal. Quando olhamos para os livros da História desta especialidade, são estes os rostos que surgem com maior frequência:




Os engenheiros portugueses nos manuais da área
ENGENHARIA INFORMÁTICA
ENGENHARIA MECÂNICA
ENGENHARIA ELETROTÉCNICA
"Sempre acreditei e sempre acreditarei que as mulheres podem fazer tudo o que quiserem"
Isabel Trancoso, 68 anos, engenheira eletrotécnica e de computadores
Há 50 anos, durante uma visita de estudo à Junta de Energia Nuclear, em Lisboa, Isabel Trancoso descobriu que queria estudar engenharia eletrotécnica.
Virou-se para o guia da visita e perguntou-lhe: “Que curso é que tenho que tirar para vir trabalhar numa coisa destas?”. Ele respondeu: “Menina, eletrotécnica e correntes fracas”. Sem saber o que eletrotécnica e correntes fracas significavam, Isabel subiu mais uma rua, do colégio de freiras onde andava até ao Instituto Superior Técnico.
"Lembro-me de vir para o Técnico e o pavilhão central tinha quatro casas de banho, uma era para senhoras. Na Torre Norte não havia nenhuma. Tínhamos que pedir a chave e usávamos a casa de banho dos funcionários administrativos."
Anos mais tarde, acabou por lá ficar como docente e, agora, já reformada, continua a dar o seu tempo àquela que se tornou a sua casa como investigadora do Departamento de Eletrotécnica do IST.

As engenheiras portuguesas
Rita de Morais Sarmento
(1872 - 1931)
Foi a primeira mulher a formar-se em engenharia em Portugal. Recebeu o certificado em Engenharia Civil em 1894, pela Academia Politécnica do Porto, tendo sido distinguida pelas classificações obtidas em algumas das cadeiras.
Nunca chegou a exercer qualquer atividade profissional como engenheira civil, também pela sua frágil saúde. Fixou-se em Lisboa após o casamento com António dos Santos Lucas, professor e futuro diretor da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Maria Amélia Chaves
(1911-2017)
Segundo a Ordem dos Engenheiros, foi a primeira mulher a licenciar-se e a ser reconhecida como engenheira em Portugal. Formou-se em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico (IST), em 1937.
Começou por trabalhar na Câmara Municipal de Lisboa, onde acompanhou obras no terreno e projetou estabelecimentos prisionais. Foi pioneira na forma como incluia nos seus projetos a preocuapção com as ações sísmicas.
Maria de Lourdes Pintasilgo
(1930-2004)
A primeira mulher a desempenhar a função de primeira-ministra em Portugal, ocupando o cargo durante seis meses em 1979, formou-se em engenharia químico-industrial aos 23 anos. Apenas três mulheres a acompanharam numa turma de 250 alunos.
Foi ainda eleita deputada do Parlamento Europeu, a convite do PS, e candidata à Presidência da República em 1986.
Maria da Graça Carvalho
(1955)
Atual ministra do Ambiente e Energia do XXVI Governo, é licenciada em Engenheira Mecânica pelo Instituto Superior Técnico e doutorada pelo Imperial College of Science, Technology and Medicine, no Reino Unido.
Quando regressou a Portugal, começou a exercer funções como professora catedrática no IST. Já tinha sido ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior no XV e no XVI Governo Constitucional (2002-2005)
Ana Paiva
(1963)
Atual secretária de Estado da Ciência do XXVI Governo.
Foi professora catedrática do departamento de Engenharia Informática do Técnico e investigadora do Grupo de Inteligência Artificial para Pessoas e Sociedade (GAIPS), depois de o ter fundado e coordenado por mais de 20 anos,
As engenheiras portuguesas
Rita de Morais Sarmento (1872 - 1931)
Foi a primeira mulher a formar-se em engenharia em Portugal. Recebeu o certificado em Engenharia Civil em 1894, pela Academia Politécnica do Porto, tendo sido distinguida pelas classificações obtidas em algumas das cadeiras.
Nunca chegou a exercer qualquer atividade profissional como engenheira civil, também pela sua frágil saúde. Fixou-se em Lisboa após o casamento com António dos Santos Lucas, professor e futuro diretor da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Maria Amélia Chaves (1911-2017)
Segundo a Ordem dos Engenheiros, foi a primeira mulher a licenciar-se e a ser reconhecida como engenheira em Portugal. Formou-se em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico (IST), em 1937.
Começou por trabalhar na Câmara Municipal de Lisboa, onde acompanhou obras no terreno e projetou estabelecimentos prisionais. Foi pioneira na forma como incluia nos seus projetos a preocuapção com as ações sísmicas.
Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004)
A primeira mulher a desempenhar a função de primeira-ministra em Portugal, ocupando o cargo durante seis meses em 1979, formou-se em engenharia químico-industrial aos 23 anos. Apenas três mulheres a acompanharam numa turma de 250 alunos.
Foi ainda eleita deputada do Parlamento Europeu, a convite do PS, e candidata à Presidência da República em 1986.
Maria da Graça Carvalho (1955)
Atual ministra do Ambiente e Energia do XXVI Governo, é licenciada em Engenheira Mecânica pelo Instituto Superior Técnico e doutorada pelo Imperial College of Science, Technology and Medicine, no Reino Unido.
Quando regressou a Portugal, começou a exercer funções como professora catedrática no IST. Já tinha sido ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior no XV e no XVI Governo Constitucional (2002-2005)
Ana Paiva (1963)
Atual secretária de Estado da Ciência do XXVI Governo.
Foi professora catedrática do departamento de Engenharia Informática do Técnico e investigadora do Grupo de Inteligência Artificial para Pessoas e Sociedade (GAIPS), depois de o ter fundado e coordenado por mais de 20 anos,
Mais mulheres, sim. Mas não nas chefias
Historicamente uma área profissional masculina, este paradigma tem mudado lentamente nas engenharias. Em 30 anos (1993- 2023) o número de mulheres inscritas em cursos superiores neste setor duplicou: passou de 12 mil para 24 mil.
"O meu grupo de amigos tinha dez pessoas, três eram raparigas. Essas três representavam quase metade das mulheres no curso de engenharia informática"
Leonor Barreiros, 22 anos, estudante de engenharia informática
O Boletim de Estatísticas de 2023 sobre a Igualdade de Género mostra essa evolução, embora, ao mesmo tempo, as áreas de preferência das mulheres continuem a ser a saúde e proteção social (76,8%), a educação (76,6%) , e as ciências sociais, jornalismo e informação (65,8%).
Assim, quando entram na engenharia também tendem a optar pelas especialidades que se relacionam com bens e serviços relativos à saúde humana, como engenharia alimentar, química ou biomédica. Ainda que se verifique uma tendência de feminização da engenharia, são poucas as mulheres que sobem na hierarquia e ocupam cargos de chefia.
E, apesar dos números indicarem um aumento significativo da presença das mulheres em STEM (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemáticas) (36,4%), a percentagem esconde a discrepância entre a representação na área das engenharias relativamente às restantes.
A exceção
As mulheres representam a maioria no ensino superior em Portugal, tanto no número de inscritos como no número de diplomados, segundo a Pordata e o Boletim Estatístico para a Igualdade de Género de 2023.
Mas há uma singularidade: a Engenharia, as Indústrias Transformadoras e a Construção. Nestas àreas têm menos de 30% de representação.
Distribuição das alunas inscritas no ensino superior e na área de Engenharias, Indústrias transformadoras e Construção
As áreas da informática, mecânica e eletrotécnica são as que agregam menor representação feminina na engenharia, conforme os dados do ano letivo de 2022/2023. Estas são áreas relacionadas com o trabalho com infraestruturas físicas, artefatos tecnológicos e máquinas.
Alunas inscritas no Instituto Superior Técnico nos cursos de Engenharia Mecânica, Engenharia Informática e Engenharia Eletrotécnica
Ainda assim, nos últimos 20 anos observa-se um crescimento contínuo da participação feminina nestas três áreas de ensino mais masculinizadas. Entre elas, a engenharia mecânica apresenta os resultados mais positivos.
A evolução foi travada a partir do ano letivo 2020/2021 e pode ser explicada também com o impacto da pandemia Covid-19. Outro fator que pode ter contribuído para esta ligeira descida percentual é a mudança de mestrado integrado para apenas licenciatura em 2021/2022.
Além dos "Joões"
Lúcia Delgado, 22 anos, foi uma das 25 jovens num total de 340 alunos a entrar na licenciatura de engenharia eletrotécnica no Técnico em 2021.
Desde cedo, começou a assistir vídeos no YouTube sobre a montagem e desmontagem de objetos eletrónicos, pela curiosidade em perceber como funcionavam. Daí surgiu o interesse pela área da engenharia.
“Se há poucas raparigas na área, vou ser uma delas. Vou trazer um pouco de feminilidade e feminismo para a engenharia”
Lúcia Delgado, 22, estudante de engenharia eletrotécnica

Ainda no secundário, sentiu-se influenciada pelos professores da sua escola secundária D. Pedro V, em Lisboa, para escolher engenharia como primeira opção na candidatura à faculdade.
“Diziam que dava mais dinheiro e tinha mais saída, tanto que a maioria das pessoas na minha turma foi para engenharia.” Mas nenhuma colega seguiu com Lúcia para eletrotécnica. As três colegas de turma que queriam ser engenheiras foram para as áreas de física, biomédica e informática.
“Tive um professor que dizia: 'Temos de pensar como se fossemos um homem. Ai, desculpem, como se fôssemos um engenheiro, porque agora também há meninas'”
Leonor Barreiros, 22, estudante de engenharia informática
Foi no momento em que preencheu a ficha de candidatura para o Ensino Superior, no verão de 2019, que Leonor decidiu seguir engenharia informática, contra todas as expetativas.
Até então, traçava um futuro na área da gestão, acabando, contudo, por seguir as pisadas académicas do pai, também engenheiro.
Atualmente está a terminar a tese de mestrado em entity linking, cujo objetivo é criar um sistema de informação que reúne todos os diagnósticos e procedimentos de relatórios médicos, facilitando um processo manual em atraso em muitos hospitais portugueses.

“A pessoa tem apetência para aquilo que tem, independentemente de ser rapariga ou rapaz”
Cátia Vaz, 44, engenheira informática

O projeto de futuro de Cátia Vaz, 44 anos, passava pela gestão. O pai via-a a trabalhar num banco, mas era no meio dos números e dos computadores que se sentia realizada.
“Antigamente, o contacto com a informática em escolas de província era mais pequeno”, recorda. Mas, por um acaso da vida, um amigo emprestou-lhe um vídeo com exemplos de algoritmos de otimização de rotas. Ao ver o vídeo, pensou: 'eu gosto é desta parte'.
Entrou para o IST, em 1997, para se licenciar em Matemática Aplicada e Computação e continuou para o mestrado, com o intuito de ingressar na academia. Hoje, é professora no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL).
"É bom saber que sou uma das poucas [em engenharia mecânica] e quero fazer alguma diferença"
Bianca Vítor, 22, estudante de engenharia mecânica
No quarto ano, Bianca Vítor começou a demonstrar aptidão pela matemática, mas sem nunca sonhar com a possibilidade de ser engenheira. Mais tarde, descobriu na física outra paixão. E é assim que a engenharia, uma combinação de matemática e física, entra na equação.
Quando terminou o secundário, optou pela engenharia que lhe oferecia mais saída: a mecânica. Apaixonou-se pelo curso, acabando por seguir mestrado na mesma área. Procura conciliar a sustentabilidade com a mecânica, e está a trabalhar num projeto sobre o aeroporto para a sua tese.
A primeira vez que Bianca, hoje com 22 anos, se deparou com a ausência feminina na sua área foi ainda no secundário, quando apenas ela e mais duas colegas escolheram as disciplinas de física e informática. A tendência manteve-se ao longo do percurso, sendo que quando chegou à licenciatura partilhou o laboratório com apenas 20% de raparigas.

“Em 1200 trabalhadores, só havia três mulheres na fábrica. Eram muito poucas mulheres”
Cristina Roque, 48, engenheira mecânica

Foi a assistir a corridas de rally e fórmula 1 com a família que Cristina Roque se cruzou, pela primeira vez, com a mecânica. Aos 48 anos, recorda como o gosto pela matemática e o crescente interesse pelo automobilismo a levaram a escolher, no 9.º ano, o curso de mecânica, que à época era uma vertente do ensino básico.
Até ao 12.º ano foi sempre a única mulher entre colegas rapazes e, na maioria, familiarizados com mecânica. “Não tinha conhecimento absolutamente nenhum sobre máquinas mecânicas, mas gostei. E como gostei, achei que devia continuar.”
Na licenciatura em engenharia mecânica, Cristina continuou a ser uma minoria numa turma de 80 homens. E, mais tarde, já no mundo do trabalho o mesmo continuou a acontecer.
Numa das empresas onde trabalhou apenas três funcionários eram mulheres. Cristina subiu na hierarquia e passou a chefiar uma equipa de 80 homens. “Correu muito bem. Nunca houve nenhum problema por ser mulher”, conta.


Cristina Roque com parte da sua turma de licenciatura em Engenharia Mecânica na Universidade de Coimbra, 1998
Além de Cristina, só mais duas jovens mulheres estavam na turma
Mulher, engenheira, mãe
A sociedade está assente numa ordem sociocultural, que determina formas de estar de acordo com o género, remetendo mulheres e homens para papéis sociais distintos. Segundo a socióloga Maria das Dores Guerreiro, investigadora do ISCTE, as crianças são educadas de acordo com estas normas sociais, o que pode justificar um afastamento das mulheres de áreas tradicionalmente masculinas.
Ao escolherem áreas como a engenharia, as mulheres desafiam os valores normativos da sociedade, correndo o risco de serem conotadas negativamente pelas suas opções.
"Estamos a falar de ordem social-género, uma estrutura social e cultural que remete para uma determinada forma de estar na vida em sociedade, alocando a mulheres e homens de papéis diferentes e também os espaços que se vão abrindo, em alguns casos são pesados na mudança", começa por explicar a socióloga. "Portanto, há de facto o peso das estruturas e dos estereótipos e daquilo que são processos que reproduzem conceções do mundo e dos papéis masculinos, femininos e outros."

Lúcia Delgado
“As pessoas achavam que ia para a engenharia informática, pelos meus interesses e porque tinha uma atitude mais masculina. 'Não é surpresa para ninguém que ela vá para a engenharia. Ela também nunca foi muito feminina', diziam-me”

Bianca Vítor
“Lembro-me perfeitamente. Estava no aniversário de uma amiga minha e toda a gente era de Direito. E eles disseram: 'Ah, tu és do técnico. Tu és de mecânica. Estás a estudar engenharia, mas não tens bigode' . É tentar masculinizar a mulher que estuda engenharia”

Leonor Barreiros
“Tive um professor, que numa das primeiras aulas, quando coloquei uma dúvida me respondeu 'olha, vou-te explicar para ver se tu percebes: imagina que tens o teu armário com as tuas roupas e tens a gaveta das saias, a gaveta das t-shirts…' Fiquei perplexa. Desde esse instante detestei o senhor e tive péssima nota na cadeira”

Isabel Trancoso
“Somos tipicamente consideradas menos independentes e acham que tivemos ajuda para subir na carreira e alcançar conquistas. De vez em quando, alunas relatam-me algum episódio do que se pode classificar como bullying"
A esta realidade, acrescenta-se a hipersexualização da mulher. Uma vez, na faculdade, Lúcia sentou-se junto à secretária dos professores. Enquanto fazia a frequência lembra-se de ouvir aquilo que define como "comentários desapropriados", que sexualizavam mulheres.
Já Leonor conta um episódio que lhe aconteceu durante uma reunião via Zoom, no último ano da licenciatura: "Recordo-me de estar a fazer um trabalho com um colega e, como eu fazia anos nesse dia, ele disse-me 'tenho uma prenda para ti'. Quando olhei para o ecrã, vi que o rapaz estava todo nú. Fiquei sem reação".
Outro estereótipo que persegue a mulher em sociedade é a sua associação ao papel de mãe. Este acrescenta mais uma dificuldade à integração da mulher nesta área. Isabel Trancoso dá o exemplo da facilidade de mobilidade, que considera ser crucial para progressão na carreira de qualquer profissional.
“Esta dificuldade [afeta] mais mulheres do que homens, decorrente da ordem de género, que ainda remete mais para as mulheres do que para os homens esse encargo da maternidade”, explica a socióloga Maria das Dores Guerreiro.
Assim, cada vez mais, a mulher é obrigada a decidir entre o seu trabalho e o desejo de começar uma família. Maria Guerreiro aponta que o problema poderá piorar devido às características da sociedade do século XXI: “Se numa geração mais velha ainda temos esse reporte de que as mulheres adiaram a idade de ter filhos, dá-me a ideia que a velocidade e as exigências dos trabalhos profissionais nos dias de hoje ainda colocam maior dificuldade [às mulheres] na maternidade”.

Cristina Roque
“Eu fui mãe tarde. Adiei porque achei que ser mãe e começar tudo de novo com um filho pequeno era muito violento. Estava na área da qualidade, que era uma área simples de gerir, na produção tinha equipas 24 horas. Se acontecer alguma coisa à meia-noite, se calhar, tenho de ir lá, e isso era difícil sendo mãe”

Leonor Barreiros
“Sou privilegiada, porque acho que vou conseguir progredir na carreira e, espero, se engravidar não ter problemas. Por exemplo, a minha mãe diz que quando ela engravidou de mim, tentaram excluí-la da empresa e baixar o ordenado”
Pôr a engenharia na moda
Todas estas engenheiras e estudantes entrevistadas referem a necessidade de incentivar raparigas desde a infância ou adolescência a terem contacto com gostos ditos como “masculinos”, contrariando os estereótipos. Isabel Trancoso insiste na importância das referências e lembra o impacto da telenovela juvenil "Morangos Com Açúcar" (TVI, emitida em 2004/2005).
“Tínhamos quase zero raparigas em mecânica. Era o curso que tinha menos. Um ano as personagens principais dos 'Morangos Com Açúcar' eram ambos motoqueiros e queriam ir para mecânica no Técnico. Nesse ano houve uma explosão de raparigas em mecânica. Precisávamos que os media nos ajudassem”.
As referências fazem parte de um futuro a construir para uma engenharia mais feminina. Para o atingir, as entrevistadas tomaram diferentes iniciativas, sendo uma delas a Girls In AI, um projeto do Técnico que "pretende dar a conhecer alguns percursos de antigas e atuais estudantes que fizeram carreira na área da Inteligência Artificial (IA), que ilustram as mil e uma oportunidades na área e inspirar mais raparigas a segui-las".

Isabel Trancoso
“As engenharias já estão conotadas como sendo de homens. Mas a área da inteligência artificial é ainda suficientemente nova. Estamos a perder o barco,também, o que é muito chato. Acho que IA tem tudo para atrair raparigas, só precisa de publicidade, e para isso criei GIRLS IN IA”

Cátia Vaz
“No ISEL estamos a tentar promover um grupo de bioinformática a rapazes e raparigas. Acredito que as engenharias apostam menos que os outros cursos em “chamar alunos” e investir na parte da comunicação. Infelizmente há muita gente a tirar engenharia em Portugal e o país não consegue ficar com eles devido à pouca atratividade salarial”

Lúcia Delgado
No ano passado realizámos um workshop chamado Banana Neck com crianças do 3º ciclo e do secundário. O que notei foi que as raparigas estavam mais interessadas. Perguntavam: “ Como é que eu mexo neste fio? Isto não está a funcionar, como é que eu faço?”. Sentia o entusiasmo da parte delas e aproveitei e disse “Podes aprender isso é eletrotécnica” … ficaram malucas”
A Ordem dos Engenheiros (OE) decidiu que 2024 é o ano dedicado Igualdade de Género - tema proposto pela Vice-Presidente da Ordem, Lídia Santiago. Uma decisão coincidente com o que já acontecia noutros países. A Women’s Engineering Society, a primeira rede mundial de mulheres na engenharia, criou há sete anos o Dia Internacional da Mulher na Engenharia, que se assinala a 23 de junho. Neste setor historicamente dominado homens, a igualdade de género e de oportunidades ainda é um objetivo por alcançar.
Créditos
Texto Beatriz Martins, Carlota Morais, Margarida Caldeirinha, Mariana Vital e Rita Varela (alunas de Jornalismo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)
Fotografias Carlota Morais e Margarida Caldeirinha (alunas de Jornalismo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)
Infografia Sofia Miguel Rosa
Web Design Tiago Pereira Santos
Web Devolopment João Melancia
Coordenação Joana Beleza, Marta Gonçalves e Pedro Candeias
Direção João Vieira Pereira

Expresso 2024
