Abutre, touro, cisne e mais 12 animais que explicam a economia

A economia tem metáforas suficientes para compor um pequeno jardim zoológico. Há cisnes que causam terramotos, lobos que fazem os mercados tremer, aves de rapina que atacam moribundos e corujas que se dizem mais sábias que falcões e pombas. Nas vésperas de mais um Orçamento do Estado, e de uma muito aguardada reunião do Banco Central Europeu (que terá uma 'arma secreta' para ajudar os países do euro a ultrapassar os efeitos da guerra), deixamos-lhe um pequeno dicionário sobre o abundante mundo animal na economia   

As metáforas do reino animal ou mitológico usadas nos mercados não são de A a Z, mas vão de A a U, no dicionário deste zoo muito especial identificado pelo Expresso. Desde ‘abutre’ (dos fundos-abutre) a ‘urso’ (relativo aos períodos de quebra prolongada bolsista), muitas destas metáforas tornaram-se populares na fase de globalização contemporânea após o final da 2ª Guerra Mundial.

Dicotomias mais célebres como touro-urso nos mercados financeiros e falcão-pomba na política monetária são referidas diariamente. Recentemente prenderam a atenção os ‘cisnes negros’ e os ‘rinocerontes cinzentos’ por causa de acontecimentos económicos, financeiros, políticos ou geopolíticos que surpreenderam.

O caso de antologia, que até geopolitólogos célebres falharam, foi a auto-liquidação da União Soviética depois da perestroika desencadeada por Gorbachov. Paul Kennedy quando publicou “Ascensão e Queda das Grandes Potências” em 1988 não imaginava que a superpotência rival dos Estados Unidos iria desaparecer apenas três anos depois.

A crise financeira de 2008, as vitórias do Brexit e de Trump em 2016, a pandemia da covid-19 e a atual invasão da Ucrânia pela Rússia são eventos em que está ainda muito quente a disputa de classificação entre ‘cisnes negros (algo, por definição, imprevisível) e ‘rinocerontes cinzentos’ (eventos cujos sinais eram óbvios e só a subestimação ou cegueira não os via).

ABUTRE

Esta ave de rapina é usada como metáfora para os ‘fundos abutre’ que são empresas de investimento que compram ao desbarato ações ou títulos de dívida de uma empresa ou Estado em risco de falência ou mesmo em bancarrota. A aposta centra-se na futura recuperação ou reestruturação de uma empresa e na posterior venda com um lucro substancial do conjunto ou de partes que foram retalhadas. Ou então centra-se na litigância procurando vender pelo seu valor original os títulos que comprou ao desbarato no mercado secundário, tendo recusado entrar em acordos de reestruturação da dívida (implicando cortes-de-cabelo no valor dos títulos). Os ‘fundos abutre’ especializaram-se nas reestruturações de dívida pública. O caso mais célebre envolve a Argentina depois da bancarrota de 2001 e a litigância, com sucesso, conseguida por alguns ‘fundos abutre’ ficou célebre. Na lista dos mais célebres ‘abutres’ financeiros estão Michael Sheehan, diretor do Donegal International, e que gosta de se autointitular ‘Goldfinger’ (do vilão de um dos filmes com o agente 007 James Bond), Peter Grossman, da FG Capital Management, e Paul Singer, fundador da Elliott Management, que se destacou nas operações da dívida do Peru e da Argentina. 

BALEIA

 Usada para economias que combinam uma grande dimensão populacional com extensão geográfica e que registam taxas de crescimento muito elevadas. Tem sido aplicada aos casos da China e da Índia (esta última é atualmente a grande economia que mais cresce ao ano). As duas ‘baleias’ são já hoje, em paridade de poder de compra (PPC), o primeiro e terceiro países do mundo em Produto Interno Bruto (PIB), segundo as contas do Fundo Monetário Internacional. No meio das duas ‘baleias’ ficam os Estados Unidos.
A PPC é um método alternativo à conversão cambial em dólares para se comparar o efetivo poder de compra entre países. Os grandes investidores, como os fundos mútuos, os fundos de pensões, os fundos de de investimento especulativo, as grandes casas de corretores, que, pelas suas decisões multimilionárias, alteram decisivamente o mercado também são designados por ‘baleias’.

CORUJA

Foi introduzida na linguagem dos bancos centrais no final de 2019 por Christine Lagarde na sua primeira conferência de imprensa como presidente do Banco Central Europeu (BCE). A sucessora de Mario Draghi recorreu à coruja ("que muitas vezes é associada com um pouco de sabedoria", diria então a francesa) para se distanciar tanto de 'pombas' como de 'falcões' em política monetária. Na conferência de imprensa de janeiro de 2020, usou ostensivamente um alfinete de peito com uma coruja dourada, momento que ficou celebrizado logo no twitter. Em entrevista ao influente jornal alemão Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung revelou que se tornou “uma colecionadora apaixonada” de peças e fotos com corujas. A culpa foi dos “amigos de todo o mundo” que lhe passaram a enviar esses presentes desde que ela escolheu esta ave caçadora como referência. Nos anos 1980, antes da queda do Muro de Berlim, a coruja foi usada por geopolitólogos como Joseph Nye como metáfora alternativa à dicotomia falcões-pombas em relação à União Soviética.

CISNE NEGRO

A metáfora foi criada pelo economista Nassim Taleb em 2007 no livro com o mesmo título como ilustração de um acontecimento singular, altamente improvável e inimaginável, que provoca consequências severas.  São eventos, extremamente raros, que provocam um impacto sistémico na economia mundial ou na geopolítica. Dependendo do ângulo de quem os observa, podem ser positivos (por exemplo, a estratégia das Navegações dos portugueses no século XV, que iniciou a globalização, ou a dissolução da União Soviética na sequência da perestroika cinco anos antes lançada por Gorbachov) ou negativos (por exemplo, o ataque terrorista que deu início à 1ª Guerra Mundial ou o 11 de setembro em Nova Iorque). Para alguns analistas, o ano de 2016 reuniu, por excelência, vários ‘cisnes negros’: a vitória do Brexit no Reino Unido, a eleição de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas, a atribuição a Bob Dylan do Nobel da Literatura. A metáfora surgiu porque os europeus consideravam que todos os cisnes eram brancos, até que apareceu um de cor negra na Austrália em 1697.

DRAGÃO (mitologia)

Dragões são criaturas fantásticas da mitologia de várias culturas desde a Antiguidade, incluindo na Europa, e foram símbolo do poder imperial chinês ao longo de séculos. O nome ocidentalizado vem de drakon em grego, mas em chinês é designado por long e é associado ao bem celestial (ao contrário da versão europeia que foi identificada com criaturas malignas). Na economia da globalização contemporânea, o cognome de ‘dragão’ foi aplicado à China que se tornou, em três décadas, na segunda maior economia do mundo depois das reformas iniciadas pelo líder chinês Deng Xiaoping em 1978, que ficou célebre por dizer que “não importa que o gato seja preto ou branco desde que cace os ratos”. Os ‘tigres do Pacífico’ (ver adiante) são também chamados de ‘pequenos dragões’. 

ELEFANTE

Associado à expressão "o elefante na sala", um acontecimento com peso que, por definição, está bem presente no meio da sala à vista de todos, que é incontornável, mas que é ignorado por um grupo que tudo faz para não falar dele e o apagar do debate económico ou político (ou familiar), porque é controverso ou fraturante. O que conduz ao adiamento na procura de soluções para um perigo real. Durante muito tempo, a mudança climática (que estava acantonada numa franja política), o crescimento das desigualdades na era da globalização contemporânea ou o risco do envelhecimento das sociedades para o Estado Social na Europa. Há ainda a expressão “elefante branco” para um ativo cujo custo de manutenção supera largamente a sua utilidade.

FALCÃO

Usado no jargão dos bancos centrais para referir os opositores mais renhidos às políticas monetárias baseadas em estímulos (sejam programas de compra de dívida pública ou taxas de juro baixas). Os ‘falcões’ entendem que as medidas expansionistas dos bancos centrais servem, em geral, para, indiretamente, financiar o endividamento dos governos e que se tornam manifestamente nocivas no quadro de surtos inflacionários. É parte integrante da dicotomia falcão-pomba (ver adiante). Mas é na geopolítica que tem as suas raízes. Designa os atores mais agressivos que defendem a opção da violência em relação à diplomacia. Tornou-se muito popular no Ocidente durante a Guerra do Vietname. O termo terá surgido pela primeira vez durante os debates no Congresso norte-americano quando John Randolph chamou de “falcões da guerra” ao grupo que defendia o confronto com a Inglaterra que viria a ocorrer entre 1812 e 1815.

LOBO

É a designação para o expoente máximo dos protagonistas das fraudes financeiras no mercado de ações. É baseado na história verídica de Jordan Belfort nos anos 1990, que acabou condenado nos Estados Unidos por fraude e manipulação de mercado. Ficou imortalizado em 2013 no filme "O Lobo de Wall Street" (dirigido por Martin Scorsese e com Leonardo DiCaprio no principal papel), baseado num livro de memórias, com o mesmo título, que Belfort escreveu atrás das grades. O autor iniciou uma carreira de motivador profissional depois de sair da prisão e inspirou-se na sua vida de ‘lobo’ em Wall Street para escrever mais outro êxito de vendas no segmento da chamada autoajuda, “O Método do Lobo” sobre técnicas de persuasão.

POMBA

Usado na linguagem dos bancos centrais para referir os defensores de uma política monetária interventiva, assente em estímulos, que apoiem o sistema bancário e a política orçamental de endividamento público. É o contrário de ‘falcão’ (ver acima). Começou a ser usado na geopolítica para os atores mais conciliadores e mais renitentes ao uso da violência na resposta a movimentos de potências desafiadoras. A ‘pomba’ mais célebre na história das Guerras Mundiais foi o primeiro-ministro conservador britânico Neville Chamberlain que assinou o Pacto de Munique com Hitler e Mussolini em setembro de 1938. Concedendo a Hitler a região dos Sudetas, então na Checoslováquia, a Grã-Bretanha e a França julgavam apaziguar o expansionismo nazi que já anexara a Áustria. No ano seguinte, os nazis ocuparam toda a Checoslováquia e invadiram a Polónia.

RINOCERONTE CINZENTO

Criado pela consultora Michele Wucker caracterizando eventos com grande impacto dos quais havia sinais e avisos de perigo que foram ignorados pela maioria. O conceito foi apresentado em janeiro de 2013 no Fórum Económico Mundial em Davos. Foi popularizado pelo livro com o mesmo título publicado três anos depois. Wucker retirou do catálogo de ‘cisnes negros’ alguns acontecimentos como a crise financeira de 2008, a pandemia da covid-19 ou agora, mais recentemente, a invasão da Ucrânia pela Rússia. A autora sublinha que este tipo de eventos são previsíveis, são perigos óbvios, que tendem a ser subestimados com consequências dramáticas. Ela tem criticado o uso e abuso da classificação como ‘cisnes negros’ de muitos acontecimentos que só surpreenderam quem estava distraído.

TIGRE

Surgiu como metáfora para quatro economias asiáticas que desde os anos 1970 entraram num processo de industrialização acelerada: Coreia do Sul (saída de uma guerra com a parte norte), Taiwan (que não se reunificou com a China Popular), Singapura (independente da Malásia desde 1965) e Hong Kong (então ainda uma colónia britânica). Depois do Japão (o pioneiro), estes “quatro tigres” ficaram associados ao ‘milagre asiático’ que transformou países ao nível do Terceiro Mundo ou devastados pela guerra em economias desenvolvidas. A metáfora estendeu-se a uma segunda geração de economias asiáticas emergentes mais recentes (nomeadamente Filipinas, Malásia, Tailândia), e saltou para fora da Ásia: na Europa, a consultora Morgan Stanley em 1994 batizou a Irlanda de ‘tigre celta’, e, mais recentemente, o Dubai, foi apelidado de ‘tigre do Golfo’. 

TOURO

É usado na expressão “mercado do touro” (bull market, no original em inglês) quando se pretende referir a um período de euforia bolsista em que a valorização das cotações é muito rápida e sobem, pelo menos 20%. É o contrário do “mercado do urso” (ver adiante). O mais recente bull market durou de março de 2009, depois do fim da crise financeira, a março de 2020, quando as bolsas sofreram o choque da pandemia do covid-19. Ficou imortalizado numa escultura de bronze colocada em 1989 no parque de Bowling Green, no distrito financeiro de Manhattan, em Nova Iorque, não muito longe de Wall Street. Da autoria do artista Arturo Di Modica, o touro em posição de investida pretendeu ser, na intenção do autor, um “antídoto” contras as causas do crash bolsista de 1987 no New York Stock Exchange.

TUBARÃO

É usado no mundo financeiro para designar investidores muito agressivos e rápidos em contraposição às ‘sardinhas’ que formam a massa dos atores nos mercados financeiros. Como os tubarões são predadores de sardinhas nos oceanos, a metáfora traça um horizonte muito pessimista para os pequenos investidores ou curiosos, sobretudo quando os tubarões atuam em grupo para manipular o mercado. No entanto, muitos analistas referem que o campo de batalha por excelência dos ‘tubarões’ nas bolsas é o confronto com as ‘baleias’ (ver acima), os investidores de grande porte mais lentos. E uma das suas especializações dos ‘tubarões’ é realizar aquisições hostis. Pelo que um dos negócios de consultoria financeira prósperos é o de uma espécie de ‘vigilantes’ de tubarões.

UNICÓRNIO (mitologia)

É aplicado às empresas tecnológicas com valorizações de mil milhões de dólares e que ainda não entraram em bolsa. O termo foi cunhado por Aileen Lee em 2013, fundadora da Cowboy Ventures, uma empresa de capital de risco norte-americana. O unicórnio é uma criatura fantástica, um cavalo branco com um único chifre em espiral na cabeça, que se encontra desde a mitologia chinesa (é citado por Confúcio) à literatura helénica (do apogeu da civilização grega). Em final de março, havia quase 1100 empresas deste tipo no mundo. À cabeça, em capitalização, a ByteDance (chinesa que opera o Tik Tok) e a SpaceX (no espacial, fundada por Elon Musk). Entre as portuguesas mais conhecidas que já foram ou ainda são catalogadas como ‘unicórnios’ estão a Farfetch (entrou na bolsa de Nova Iorque em 2018), Talkdesk, OutSystems, Feedzai, Remote, Anchorage Digital Bank e Sword Health. 

URSO

É aplicado quando se identifica um período de quebra bolsista prolongada. No original, bear market, corresponde a uma queda de 20% ou mais nas cotações bolsistas em relação ao momento de pico de valorização. Entre setembro de 2007 e fevereiro de 2009, durante a crise financeira global, o período de domínio do ‘urso’ durou 17 meses à escala mundial. O índice mundial bolsista afundou-se 57%. É o oposto de bull market, associado ao touro (ver acima). A dupla touro e urso está imortalizada em esculturas em frente das Bolsas de Frankfurt na Alemanha e de Shenzhen na China.

Créditos

Texto Jorge Nascimento Rodrigues
Webdesign Tiago Pereira Santos e João Melancia
Ilustração Mário Henriques
Apoio Web João Melancia
Coordenação Elisabete Miranda e Joana Beleza
Direção João Vieira Pereira

Expresso 2022