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Os outros deitam-se e adormecem mas eles não: sentem o cérebro aos atropelos, desejam “ter um botão para desligá-lo”. Deitados num “lugar mau”, a cama, lutam contra o coração, que lhes esmurra o peito, e perdem. Começaram a dormir mal ou porque lhes adoeceu um familiar ou porque foram vítimas de violência doméstica ou por razões que nem os próprios sabem e nunca mais foram os mesmos. Nesta história são quatro, mas há cerca de um milhão de pessoas iguais a eles

Texto Helena Bento Fotografia Tiago Miranda Vídeo André Godinho e José Quintino

A noite

Ao fim de cinco noites sem dormir, Carla Fernandes tomou uma decisão. “Tripliquei a medicação e pensei ‘ou morro ou durmo, alguma coisa tem de acontecer’. Eu já não aguentava mais.” Não há como descrever os seus dias anteriores a não ser recorrendo a palavras ou vazias ou excessivas e, portanto, é ela que explica: “Ninguém podia falar comigo. Eu tinha vontade de gritar, discutir com toda a gente. Andava completamente alienada, parecia que não era de cá. Era capaz de fazer uma coisa e dali a 10 minutos estar a repeti-la porque já não me lembrava de que a tinha feito”.

Lembra-se de ir nos transportes públicos e pedir às pessoas à sua volta para não falarem porque não aguentava o barulho. Chegou a uma altura em que nem sequer conseguia ter a televisão no volume mínimo. “Ia a um restaurante e as pessoas perguntavam-me o que queria comer e eu olhava para o menu e não percebia nada do que estava lá escrito. Qualquer coisa servia, desde que não me obrigassem a pensar.” Doía-lhe a cabeça, tinha a sensação de ter “levado uma tareia” ou de ter “sido atropelada”, e continuava ainda assim sem adormecer. “Não conseguia fechar os olhos. Eles estavam sempre abertos, mesmo no escuro. Fazia força para fechá-los, muita força, mas eles não fechavam.” Passou meses assim.

Foi à entrada para a faculdade que Carla, 44 anos e advogada num escritório na zona do Areeiro, em Lisboa, começou a ter dificuldades em adormecer mas não sabe porquê. “Talvez tenha sido a mudança de ambiente, a saída de casa dos pais”, que viviam no Cacém, ou a “nova realidade” que se abriu diante de si. As insónias passaram mas depois voltaram, “há cinco ou seis anos”, e desde então uma noite bem dormida “é um dia para comemorar”. O problema tornou-se de tal modo grave que já esteve para ser internada e colocada à força a dormir. Sozinha não conseguia fazê-lo. “Estava uma, duas noites sem dormir, na terceira lá dormia duas ou três horas, depois voltava a não conseguir dormir durante uma ou duas noites e a dormir duas ou três horas na noite seguinte.”

A última noite em que se lembra de ter dormido bem, e dormir bem é “deitar à meia-noite, adormecer à uma e acordar às seis”, foi no início de 2018. De resto tem sido um desespero — o desespero de estar às voltas na cama a rever o dia e os dias e os meses, anos anteriores, os processos em que esteve envolvida e os julgamentos em que participou, a ver as horas a passar e a não conseguir dormir.

O desespero de saber que tem de acordar dali a pouco e que o dia seguinte já será com toda a certeza um dia perdido, mais um, antes de todos os outros que ainda estão por vir, perdidos.

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Há noites em que consegue aproveitar as horas em que não dorme para trabalhar, mas são raras. Na maioria das vezes veste o pijama, toma os comprimidos receitados pela psiquiatra que consulta há vários anos e deita-se na cama, mas ainda assim não consegue adormecer nem fazer mais nada.

Tenta ler mas as palavras aparecem-lhe distorcidas, como se lidas através de um vidro onde caem torrentes de água, tenta ver televisão mas não consegue manter-se concentrada. Talvez eu pudesse arrumar a casa ou passar a ferro, pensa, mas os braços não lhe sobem sequer à altura da cintura. Sente frio e depois calor e depois frio e depois calor e assim sucessivamente ou tudo em simultâneo, deixa de se conseguir distinguir bem, cobre-se, destapa-se, um pé de fora, depois outro, depois o corpo todo e de repente já está cheia de frio.

Ouve os carros lá fora, vagarosos, colados ao passeio, e as pessoas num cochicho permanente. Ouve a própria respiração, “que não é lenta, é sempre acelerada, quase um arfar”, como se estivesse a correr mas deitada, como se isso fosse possível, correr deitada. Levanta-se, caminha pela casa, do quarto à cozinha e desta à sala e de novo à cozinha e desta ao quarto, à janela, à cama. Vira-se, tenta dormir com a cabeça no lugar dos pés e o seu inverso mas nada resulta. Ainda está acordada. “Acho que isto acontece porque sei que as noites vão continuar assim. Porque sei que não consigo dormir hoje mas amanhã também não vou conseguir e depois de amanhã também não. Cria-se uma ansiedade que não permite fazer nada, nem sequer dormir.”

“Nas noites piores, pense num lugar feliz ou onde tenha sido feliz”, sugeriu-lhe uma vez a psiquiatra que consulta há vários anos. E o método resulta mas devagar. “Entretanto já andei quatro ou cinco horas para trás e para a frente em casa. Demoro sempre muito tempo a conseguir chegar ao meu lugar feliz.”

O que é que eu tenho?

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Luís Corredoura sempre dormiu pouco mas passou a dormir ainda menos quando um familiar adoeceu gravemente

O espelho devolve uma imagem que choca, quem sou eu? Depois de ter perdido 15 quilos em 15 dias, Luís Corredoura, 43 anos, procurou finalmente a ajuda de um médico. Não deixou de comer ou comer menos nem de beber, e por isso a perda repentina de peso assustou-o.

Sempre dormira pouco — em criança preferia ficar deitado a ler até tarde em vez de dormir e na adolescência também, arrastado por uma “necessidade doentia, quase patológica, de saber coisas” — mas a doença de um familiar próximo, há seis anos, veio tornar isso um problema. “Estava muito preocupado, pensava constantemente ‘isto tem de correr bem, isto tem de correr bem’”, conta o arquiteto e também escritor, sentado à mesa de um café no centro de Sintra que escolheu para a conversa.

Houve noites em que não dormiu, “nada mesmo”. “Deitava-me às onze, meia-noite, e às três da manhã continuava acordado.” Afastava os lençóis, levantava-se e ia para a sala ver televisão ou ler ou fazer outra coisa. “Estava um, dois, três dias assim”, ao quarto “dormia qualquer coisa, uma hora, duas se tanto, que tinham de servir para aguentar o dia todo de trabalho, e depois voltava a este ciclo”.

Não havia nervosismo nestes momentos, nem sequer ansiedade, apenas “muita irritação”. “Tinha o corpo cansado, notava isso, mas a cabeça não me deixava repousar.” A descrição já é familiar e isto também: “Andava com muito mau aspeto nessa altura, tinha olheiras e o meu organismo alterou-se completamente em termos metabólicos”. A sensação que tinha na altura era a de andar “todos os dias com um saco de cimento às costas com 50 ou 60 quilos”. “Andava mesmo quase curvado e perguntava-me ‘mas afinal o que é que eu tenho?’.”

“Quem me dera ter um botão para desligar”

“Eu sentia muitas vezes que as insónias eram tão fortes que isto simplesmente não desligava.”

Alexandra Parrado, 39 anos, fala enquanto leva o dedo indicador na diagonal à cabeça, tentando fazer-se ouvir no meio do burburinho e do barulho das chávenas de encontro umas às outras junto à máquina do café. “Não havia qualquer substância que fizesse ‘isto’ desligar.” Isto: a cabeça.

Começou a ter insónias aos “12, 13 anos” mas não consegue associá-las a algo específico que tenha acontecido. Começou a acontecer, foi isso. Lembra-se porque na altura tinha tios e primos que lhe chamavam “dorminhoca” quando a viam prolongar o sono pela manhã e a palavra ficou-lhe na cabeça e, por associação, o problema.

Noites em claro houve muitas, embaladas na preocupação de não fazer o mais ténue ruído para não acordar os pais, deitados paredes-meias com o seu quarto, quase que podia sentir-lhes o bafo da respiração na casa pequena em que viviam. Havia um lado “agradável” nisto — eram as fantasias que ganhavam textura e cores e os “mundos paralelos” onde projetava os desejos — mas no dia seguinte tudo isso desaparecia e ficava só o “cansaço”. “Era terrível levantar-me da cama, chegava à escola a arrastar-me de sono. Também tinha muitas dificuldades em concentrar-me nas aulas.” Não falou com ninguém sobre o assunto, era demasiado nova para perceber sozinha que isso não era normal e portanto era normal e com a idade agravou-se. “Assumi que eu era assim e que ia ser sempre assim, que essa era a minha condição.”

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Alexandra Parrado começou a ter insónias aos "12, 13 anos". Não sabe porquê, mas com a idade o problema tornou-se mais grave

O meu cérebro não desliga e quem me dera ter um botão para o desligar, pensou muitas vezes Alexandra durante muitas noites. Os pensamentos sucediam-se a uma velocidade admirável, uns iam ficando para trás, os outros ajustavam contas lá à frente, não havia sossego. “Era desesperante. Lembro-me de acordar muito cedo pouco tempo depois de ter adormecido, levantar-me, ligar a água do chuveiro e meter-me no banho a chorar baba e ranho por não conseguir dormir. Não conseguia fazer mais nada, só chorava.”

E perguntava para ninguém: “Mas porque é que estou a acordar a meio da noite e não consigo voltar a adormecer?”.

“Mas porquê? Porquê?”

Quebra até se dissolver no silêncio

O barulho dos pés pesados lá fora, içando-se em esforço sobre os degraus, mais um degrau, outro, mais um, um, um, já faltam poucos para chegar, está cada vez mais perto, já se ouve as chaves de casa a tilintar no bolso das calças. Entra finalmente e é o início da tormenta.

Bebeu demasiado, bebe sempre assim, sempre um pouco a mais, quer falar mas Ana, nome fictício usado a pedido da própria (a idade é verdadeira, tem 48 anos), quer dormir. Não lhe dá conversa, vira-se na cama, e ele procura quem lha dê. Há um bebé com poucos meses a dormir no quarto ao lado e é nessa direção que ele caminha. Pega na criança, acorda-a, fá-la despertar e quando finalmente consegue já está aborrecido e vai dormir. É Ana quem tem de ir depois tirá-la do berço, fazê-la adormecer e ela própria adormecer de novo. Mas não consegue.

“Estava sempre a pensar no buraco onde me tinha metido e do qual não sabia como sair. Se por um lado achava que tinha de ficar naquilo, porque era a minha obrigação, por outro não queria que o meu filho sofresse”, conta Ana, sentada a uma mesa numa das salas do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que inclui uma equipa multidisciplinar de especialistas em medicina do sono e para o qual foi referenciada em 2017. Chama a atenção o cabelo apanhado de uma forma invulgar e as raízes tapadas por uma fita que lhe desce pela testa. O discurso nem sempre é claro, há frases interrompidas a meio, bruscamente, as palavras rolam pelo chão e outras continuam mas vão quebrando até se dissolverem no silêncio.

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Às vezes, Ana levantava-se antes de o ex-marido conseguir sequer alcançar a criança e aí tornava-se ela própria o alvo. “Batia-me, mas eu defendia-me. Defendia-me com o que tivesse à mão, com o objeto que estivesse mais próximo de mim. Claro que ele ficava ainda mais furioso, mas eu não podia deixar que ele me batesse.”

Ouvir o ex-marido chegar a casa, embriagado, e acordar o filho, passou a ser a rotina de Ana desde o casamento pelo registo civil e a partilha de casa. Ela tinha 28 anos e não sabia o que estava para vir. “Antes de vivermos juntos eu não sabia que ele era viciado em álcool, que bebia todos os dias.” Um dia, já separados, Ana, com o filho ao colo, reclamou com o ex-marido por este não ter comprado a bomba para a asma da criança que ficara de comprar nem ter trazido a receita, e este empurrou-a contra a porta de casa.

O marido bebia e ao outro dia não se lembrava de nada e “chorava, chorava, chorava”. Ana cedia mas com condições: “Ou mudas ou então separamo-nos”. E ele até mudava, mas só durante “um ou dois dias”, ao terceiro voltava ao mesmo. Copos, casa, o choro da criança sempre a agoniá-la.

Quando o filho tinha 10 meses, anunciou que se queria separar. “Não queria que ele crescesse naquele ambiente.” O problema já nem era só o álcool. “Ele não fazia nada pelo filho, não dava dinheiro, não dava atenção, não comprava uma única fralda ou um medicamento.” Tudo o que ganhava era para despejar nos vícios. “Percebi que ele nunca iria ser um bom pai.” E assim anunciou a separação e voltaram as lágrimas dele, ainda mais corpulentas e sintonizadas, e o pedido de perdão e a promessa de mudança. “Não volto a ser o mesmo.” Não isto, não aquilo, faço isto, isso não, já se sabe. “Ele prometeu que ia mudar, que não queria ir embora e fartou-se de chorar, mas aquilo já eram só lágrimas de crocodilo. Eu já conhecia a lengalenga.”

O dia

Há dias em que advogada Carla Fernandes, atordoada de cansaço, nem sequer consegue ir trabalhar. “Fico simplesmente em casa, sem fazer nada.” Noutros sim, mas são curtos. “Chego ao escritório às nove mas a seguir à hora de almoço, aí pelas três ou quatro horas da tarde, a minha cabeça começa a deixar de funcionar.”

É-lhe difícil “manter um pensamento lógico” e “explicar às pessoas os processos” que tem em mãos quando ela própria já não os entende. Perdeu vários clientes nos últimos tempos — e perdeu-os porque já não é tão “rápida” e não consegue marcar reuniões até tão tarde. “Chega a uma hora em que eu já sei que não vou conseguir fazer um bom trabalho e, portanto, tenho de parar. Por mais que tente não consigo continuar, porque se o fizer, e no dia seguinte for rever o que fiz, vou perceber que está cheio de erros.”

1 milhão de portugueses sofre de insónia crónica

A insónia já é considerada um problema de saúde pública em Portugal, tal é a quantidade de pessoas afetadas. De acordo com a Associação Portuguesa do Sono (APS), 10% da população portuguesa tem insónia crónica, isto é, cerca de um milhão de pessoas, e outras 30% já tiveram uma insónia na sua vida. Os números são internacionais, uma vez que não há em Portugal estudos recentes sobre a prevalência, mas podem ser extrapolados à realidade portuguesa, explica ao Expresso Joaquim Moita, presidente da APS e diretor do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

Um estudo realizado em 2009, “Epidemiology of insomnia in Portugal”, e promovido pela Associação Portuguesa do Sono, apontava para uma prevalência de 17% entre os adultos. O problema afeta mais os mulheres do que os homens e mais os idosos do que os jovens, mas também “os mais pobres, os desempregados e os divorciados”, diz Joaquim Moita. “As pessoas com maiores dificuldades económicas e com disfunção familiar têm mais dificuldade em aceder ao Sistema Nacional de Saúde ou em pagar a privados, em perceber que têm um problema e tratá-lo.” É, ainda assim, “transversal às diferentes classes”.

Não há quem não tenha tido já uma noite mal dormida mas o problema é bastante mais complexo do que isso. Joaquim Moita recorre à chamada “Teoria dos 3 P”, desenvolvida por Arthur Spielman, especialista pioneiro na investigação sobre o sono que faleceu em 2015, para explicar o que é exatamente uma insónia. “Essa teoria diz-nos que habitualmente a insónia surge em pessoas que têm alguma predisposição, seja familiar, seja genética, seja de personalidade — serem mais ansiosas, perfecionistas ou taciturnas —, para o desenvolvimento de insónias.” Esses são os “fatores predisponentes”, mas depois há os “precipitantes” — como o desemprego, a situação familiar, a morte de um familiar próximo — e os “perpetuantes”, como não resolver devidamente o problema quando ele surge ou resolvê-lo mal recorrendo, por exemplo, a medicação não adequada. “A pessoa adquire hábitos e comportamentos que, em vez de combater o problema, só o perpetuam.”

A insónia pode também surgir associada a situações de ansiedade, pânico e depressão e também a doenças como a apneia obstrutiva do sono e as parassonias, em que se incluem o sonambulismo, a perturbação do sono REM e a síndrome de pernas inquietas, explica o presidente da APS. “O que acontece é que entre toda a comunidade médica e mesmo entre as próprias pessoas há a ideia de que tratando a causa da insónia trata-se a insónia, mas isso não é verdade.” A partir de determinada altura, a insónia, que começou por ser “uma manifestação ou um sintoma de doenças variadas mas sobretudo de depressão e perturbação de ansiedade, ganha asas e torna-se ela própria uma doença”. De facto, a insónia crónica, isto é, em que há dificuldades em adormecer ou manter o sono seguido ou acordar à hora desejada três vezes por semana durante mais de três meses (o diagnóstico é feito dessa forma), já é considerada uma doença.

Um dos “principais aspetos sociais” desta patologia é a “fraca produtividade”, diz Joaquim Moita, citando um estudo realizado no Canadá sobre os custos da insónia que mostra que “75% desses custos têm que ver com a menor produtividade no trabalho e com o absentismo”. “É frequente encontrar pessoas com insónia crónica que estão de baixa ou não estão a trabalhar.”

Prevalência de insónia por género

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e por região

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Prefere ir para casa, não para se ocupar ou distrair mas estar apenas. “Chega a uma altura do dia em que eu sou praticamente um zombie. Estou quieta, parada e só imploro para que não falem comigo, para que não me dirijam uma única palavra.”

Do mesmo modo que não sabe porque é que as suas insónias começaram, Carla também não sabe porque se mantêm. “Não sei se tudo isto teve origem numa depressão ou se eu acabei por ter uma depressão por não conseguir dormir.” Até porque chega a uma altura em que se fica “mesmo deprimida, sem força nem ânimo”. Os outros trabalham e saem e passeiam - os “outros” são “eles”, os que dormem: “Não há ânimo para absolutamente nada. Passamos a noite em claro e durante o dia só queremos que eles finjam que nós não existimos”. Vê-se a vida a acontecer à volta mas não se participa, “a minha vida está a acontecer à minha volta mas eu não faço parte dela”. “Vamos a aniversários, festas, está tudo a acontecer e nós estamos ali mas não estamos”.

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Dos outros para si vê chegar sobretudo incompreensão, vem de todos os lados, não há encosta que a valha. “Ninguém percebe porque é que temos tantas dores de cabeça e porque é que o nosso cérebro já não trabalha tão rápido quanto trabalhava há 10 ou 20 anos, quando dormíamos bem.” Ninguém percebe, continua, que uma noite mal dormida ou até duas ou três ou porventura quatro não é igual a décadas de noites assim. “Dizem-me ‘vais ver que na próxima noite já dormes melhor porque já tens o sono de três’ ou ‘se calhar tu até dormes mas pensas que não’. Ou, mais raro mas não menos intrigante, ‘tu estás a dormir mas a sonhar que estás acordada’.”

Depois de ouvir comentários assim, Carla deixou de falar de todo sobre o assunto. “Quando as pessoas à minha volta me veem com olheiras até ao pescoço ou se apercebem de que estou a responder de uma forma brusca, já sabem que não dormi bem e evitam estar perto de mim. Ninguém compreende o que é querer dormir e não conseguir.” As conversas são reduzidas ao essencial, até com o marido. “Acho que já se habituou.” Se não está bem disposta, se responde mal ou responde pouco com sons ininteligíveis ou não responde de todo e prefere ficar em silêncio e quieta, todos os músculos inertes, ele já sabe que não é por sua causa.

Havia qualquer coisa aqui a desfazer-se

“Nenhuma casa caiu por minha causa”, diz Luís Corredoura, em tom de graça, comentando as implicações das insónias no seu trabalho. Mas houve “falhas”, muitas, “por muito que se faça e por muito concentrado que se tente estar, é impossível não falhar”. “Às tantas dava por mim a repetir a mesma tarefa, uma, duas vezes, e a insistir no mesmo pormenor técnico por não ter feito bem à primeira.” O mesmo acontecia fora do trabalho, noutras situações, em casa. “É impossível ter um comportamento normal e não estar constantemente irritado e não dar respostas bruscas e rudes quando não se dorme. Não desejo isto a ninguém.”

O médico que consultou na altura, um neurologista, olhou para os resultados da ressonância magnética e disse-lhe que poderia ter cavernomas e por isso dificuldades em dormir, mas disse-o com pouca certeza. Bom, pode ser que, talvez não, pode ser que não. Luís agarrou-se a essa possibilidade, que outra hipótese teria?, e até sabe muito sobre cavernomas mas continua sem saber qual a ligação disto às suas insónias. “Os médicos também não sabem.”

Ana Rita Peralta, neurologista com competências na área da medicina do sono que trabalha no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, dá a explicação científica. Uma cavernoma é uma malformação no cérebro que tem um risco hemorrágico baixo mas pode criar micro-hemorragias que provocam lesões na estrutura cerebral que o rodeia. Dependendo do sítio onde está localizado, pode dar ou não sintomas de epilepsia. O que é que isto tem que ver com insónias? “Para lhe dizer a verdade, nunca vi uma única insónia provocada por uma cavernoma mas não posso dizer que é impossível, sobretudo se o cavernoma estiver localizado numa zona muito importante para o controlo do sono de vigília.”

O meu cérebro não desliga, dizia Alexandra. Terei algum problema no cérebro, alguma lesão? Poderá acontecer, mas não na maioria dos casos, explica Ana Rita Peralta. “É evidente que temos mecanismos que nos mantêm alerta e outros que nos fazem adormecer e é também evidente que nas pessoas com insónias há uma perturbação neste ‘switch’, entre adormecer e ficar acordado.” Há pessoas que têm um “estado de hipervigília cognitiva constante”, que, traduzido em palavras, resulta nisso — o meu cérebro não desliga. “Não param de pensar, de produzir pensamentos.” E há outras em que este estado é mais “emocional” e outras ainda em que é “autonómico”. “Sentem o coração a bater muito, têm muito calor e suores.” Isto significa “que no cérebro e nos sistemas de regulação do corpo há algo que não está a funcionar bem”, mas ainda assim “não há uma causa focal para a insónia”, não há uma lesão no cérebro que cause a insónia. “Normalmente a insónia não é atribuída a uma doença estrutural”, dito de outro modo. Há exceções, claro, como as lesões no tronco cerebral ou no diencéfalo (parte mais interna do cérebro que controla os mecanismos de sonolência e vigília), que podem levar a queixas de insónia, mas são o que são.

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Com ou sem lesão, o cérebro pode mesmo não desligar afinal, e o de Alexandra não desligava durante essa fase, há uns anos, em que as insónias se agravaram. Parecia, aliás, estar a desintegrar-se. “Havia qualquer coisa aqui a desfazer-se. Era uma sensação física.” E o “estado de sofrimento” era tal que o “simples ato de existir tornava-se difícil”. “Mesmo que eu não tivesse de fazer nada, mesmo que eu só tivesse de ficar a olhar o dia inteiro para uma parede, já isso era difícil.” Apesar da privação de sono, não tinha sono, mesmo quando já se sentia “totalmente destruída”.

Os efeitos eram mais “mentais do que físicos”, cansaço mental sobretudo, mas também físicos. “Havia alturas em que pensava ‘não estou a dormir nada mas vou fingir que isto não está a acontecer e vou fazer tudo normalmente, trabalhar, ir ao ginásio’, mas quando o dia de trabalho acabava eu só queria ir para casa o mais rápido possível para não ter de fazer nada, nem sequer me mexer.” Lembra-se de um colega lhe contar que adormecia e acordava a chorar por causa de um amor fugido e pensar apenas que ele tinha sorte porque ao menos dormia. “Eu não me importaria de adormecer e acordar a chorar, desde que adormecesse.”

Trabalho? A história repete-se de novo, até parece que combinaram dizer o mesmo, mas isso seria impossível. “Já aconteceu demorar o triplo do tempo a conseguir fazer alguma coisa que me tenham pedido ou ter de ficar a trabalhar até mais tarde para a terminar”, diz Alexandra, que é responsável pela comunicação num atelier em Lisboa. Não é que não fizesse o que lhe pediam, garante, “simplesmente fazia tudo mais lentamente e possivelmente com menos qualidade”. E não é que tivesse deixado de ir trabalhar por causa das insónias, garante, mas chegou a pedir dias de férias, mais do que um, porque não aguentava mais — porque “não conseguia fazer nada”, porque “estava desesperada”. A “exaustão” era tanta que às vezes pensava: “Só espero que me dê aqui qualquer coisa para pegaram em mim e me levarem para o hospital. Desejava cair simplesmente para o lado porque aí, então, tudo isto teria mesmo de acabar”.

A vida pessoal foi sacrificada, a social nem se fala. “Privei-me de muitas coisas ao longo da vida porque estava demasiado cansada para as fazer.” Ou então fazia, mas em esforço, “a puxar a corda até ao limite só para não deixar de viver”. “Olho para trás e vejo que levei, tenho levado, a minha vida em esforço.” Dificuldade de concentração e de atenção, de manter o raciocínio, falhas de memória, maior irritabilidade, alterações do humor, fadiga, dores musculares e problemas gastrointestinais são queixas habituais entre os doentes com insónia, explica Joaquim Moita, destacando outro aspeto “extremamente atual e importante”, que tem que ver com a insónia ser causa de várias doenças médicas. “Só por si, sem qualquer outra razão, a pessoa com insónias desenvolve hipertensão arterial, que está associada a um maior risco de enfarte do miocárdio, desenvolvimento de arritmias e insuficiência cardíaca.” Tem assim um maior risco de morte prematura. A obesidade e a diabetes também são comuns. “A insónia provoca várias patologias e é precisamente por isso que tem mesmo de ser encarada como uma doença”, frisa.

A variante de insónia de “sono curto objetivo”, assim é chamada, está especialmente associada a doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e mortalidade precoce e é por isso “a variante pior e a mais terrível”. O sono é continuamente interrompido, o estado é de alerta, o cérebro não adormece, a respiração vai aos solavancos e o coração também, numa imitação irrepreensível, perfeita.

Na prática, a pessoa deita-se “muitas vezes sob o efeito de medicação, uma, duas ou até três benzodiazepinas fortíssimas, dorme durante três ou quatro horas e depois acorda e não volta a adormecer”. No dia seguinte nem sequer se sente particularmente cansada ou com dores no corpo ou na cabeça ou sonolenta, porque continua em estado de alerta, não consegue simplesmente parar. São casos “extremamente difíceis de tratar”, diz Joaquim Moita, mas também são casos que “têm mesmo de ser tratados precocemente” — esta é a variante que “mata”.

O exame “gold standard” para o sono

Outro tipo de insónia “difícil de tratar” é, nas palavras de Ana Rita Peralta, a paradoxal, em que há uma perceção errada sobre o sono: a pessoa acha, aliás, tem a certeza, quase que pode jurar, há de jurar aliás, que dormiu menos horas do que aquelas que realmente dormiu. “Acha que dormiu duas quando na verdade dormiu sete mas é difícil fazê-la acreditar nisso.” Mesmo com fármacos é difícil mudar essa perceção. Não quer dizer que não se vai sentir melhor com o tratamento, porque eventualmente vai, “mas dizer que vai ficar tão bem quanto uma pessoa que nunca passou por isso é completamente irrealista”.

O registo poligráfico do sono (ou polissonografia), considerado o exame “gold standard” para avaliar o sono, é “especialmente útil” nessas situações. “Podemos pegar nesse exame, que é uma espécie de fotografia que revela o que está a acontecer durante o sono, e mostrá-lo à pessoa para provar que, embora ache que não, afinal dormiu.”

Primeiro as pernas, depois os braços, as mãos, as costas e, finalmente, a cabeça, agarra-se em meadas de cabelo, abrem-se clareiras, pequenos círculos brancos do tamanho de um elétrodo. Despontam fios, crescem, entrelaçam-se, seguem em direções diferentes, uns mais retos, outros mais ao largo, encontrando-se mais à frente num dispositivo em forma de caixa preso ao peito, onde são ligados. “O que se pretende com o registo poligráfico é saber o que está a acontecer entre o cérebro e o corpo durante o sono”, explica a neurologista.

É avaliada a atividade do cérebro, a estrutura do sono — como é que este está distribuído, por que fases passa, qual a sua duração, se há despertares e quantos — e a existência ou não de outras patologias associadas à insónia, como a apneia. O exame é montado em clínica e pode ser feito ali ou, como aconteceu com Anabela Gonçalves, 47 anos e auxiliar numa escola primária em Lisboa, em casa (as fotografias podem ser vistas na fotogaleria abaixo).

O vício do jogo do irmão, que chegou a roubar em três ocasiões mais de 150 mil euros ao outro irmão “para gastar no casino”, e outros problemas, deixaram-na com uma depressão há nove anos. Perdeu o sono, começou a dormir “uma, duas horas” por noite, andava de rastos, “desesperada, não queria ver ninguém, só queria estar sozinha”, consultou um psiquiatra no Hospital Júlio Dinis e este receitou-lhe “10 comprimidos diferentes”. Engordou bastante, chegou a pesar “120 quilos” (“sentia-me morta com a medicação, até me babava, era horrível”) e depois mudou de médico. Reduziu a medicação, começou a fazer exercício físico e agora pesa quase metade. Ainda dorme pouco, “quatro ou cinco horas por noite”, todas as noites, e por isso foi referenciada para uma consulta de neurologia no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. A 6 de março fez o principal exame ao sono, o registo poligráfico do sono, cujos resultados levanta este mês.

Menos frequentes, mas igualmente utilizados para o diagnóstico dos quatro diferentes subtipos de insónia — o inicial, em que há dificuldade para adormecer (associado a ansiedade e o caso mais frequente); intermédio, que é a dificuldade em manter o sono; terminal, se a pessoa acordar muito cedo e depois não conseguir voltar a adormecer; e a queixa de sono recuperador ou de má qualidade —, são os testes de latência múltipla do sono, os testes de manutenção da vigília e as actigrafias, em que é colocado no pulso um aparelho semelhante a um relógio que deteta, durante um período que pode ir de uma a três semanas, os movimentos do corpo e permite perceber, entre outros aspetos, quantas horas de facto se dormiu.

“Parecia a minha sombra”

Mesmo depois da separação, o ex-marido de Ana continuou a persegui-la e ela continuou a dormir mal. Levava horas a adormecer, “uma, duas”, voltava-se na cama, parede, guarda-vestidos, parede, guarda-vestidos, ficava impaciente e levanta-se para ir comer. Era a sua distração. “O meu cérebro não desliga”, dizia Alexandra. E o de Ana também não: “Estava sempre a pensar nos problemas da vida, a pensar nas contas, toda a vida a fazer contas. Não é fácil criar um filho sozinha, ser mãe e pai”. Era o dinheiro mas nem era só isso.

O ex-marido aparecia-lhe à porta de casa, tocava à campainha, dizia que queria entrar. “Parecia a minha sombra. Para onde quer que eu olhasse, ele estava lá. Eu via-o em todo o lado.” Havia dias em que Ana chegava ao infantário para ir buscar o filho e ele não estava lá. O ex-marido já tinha ido buscá-lo, desrespeitando o acordo de estar com a criança apenas de 15 em 15 dias. Ana às vezes metia-se no carro e ia à procura dele, às vezes apanhava-o, apercebendo-se de que ele tinha conduzido bêbedo com a criança sentada ao colo, outras vezes não e ficava sem ver o filho durante vários dias. Sofreu ela e sofreu o filho, que chegou a ter consultas de psicologia durante a escola primária. “Ele nunca se esqueceu. Tanto que sempre teve uma grande aversão ao pai. O pai ia buscá-lo e ele recusava-se a sair de casa. Ouvia-o chegar e agarrava-se a chorar e a gritar às minhas pernas porque não queria ir.”

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Ana foi a uma consulta de psiquiatria e saiu de lá com uma receita para ir à farmácia. Fez a medicação durante algum tempo, “um ou dois comprimidos”, já não se lembra bem, depois interrompeu e depois voltou. Teve problemas de trabalho na escola primária onde trabalhava na altura como secretária e perdeu a “motivação”. Hoje em dia desempenha as mesmas funções mas noutra escola, uma primária, também na Mealhada, onde vive. Os problemas continuam, “provavelmente até são piores”. Lança algumas palavras para o ar — “autoritarismo”, “assédio moral”, “humilhação” — mas prefere não explicar a ligação entre elas e a ligação delas a si. Está de baixa desde setembro por causa de uma úlcera mas vai voltar à escola em breve.

Há três anos foi-lhe diagnosticada síndrome de apneia obstrutiva do sono, abreviada normalmente para apneia do sono, uma perturbação respiratória que faz com que se tenha sucessivas paragens respiratórias durante o sono (por mais de 10 segundos e mais de cinco vezes por hora, assim é feito o diagnóstico). Dos cerca de 100 distúrbios do sono diagnosticados, é considerado o mais grave devido ao risco cardiovascular que lhe está associado. Isso ficou demonstrado num estudo epidemiológico de referência, “Sleep Heart Health Study”, realizado pelo Instituto do Coração, Pulmão e Sangue (terceiro maior instituto de saúde dos EUA, localizado em Maryland) e divulgado em 2011.

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Quarto no Centro de Medicina do Sono em Coimbra onde se realizam vários exames ao sono

“Acordava muitas vezes durante a noite aflita mas não percebia porquê. Também ressonava”, diz Ana, enumerando dois dos principais sinais de alerta. 90% dos que têm apneia ressonam. Tal como no caso da insónia, não há estudos de prevalência nem mesmo em termos mundiais, mas sabe-se que é mais frequente nos idosos. “Aos 80 anos, 80% dos idosos vão ter provavelmente apneia. E um quarto das mulheres também, sobretudo depois da menopausa”, sublinha Joaquim Moita, presidente da APS, remetendo para um estudo feito na Suíça em 2015.

Uma das consequências diretas da apneia é a alteração do padrão de sono, tornando-se cada vez mais difícil atingir as fases profundas, que são as fases restauradoras e que permitem o descanso físico e mental. Daí que as queixas de sonolência durante o dia sejam as mais frequentes.

O remédio

“Ou durmo ou morro”, pensou Carla Fernandes naquela noite de agosto em que triplicou a medicação, mas essa não foi a única vez em que o fez. O desespero não é um momento. “Chega a uma altura em que se pensa ‘e porque não tomar dois ou três ou quatro em vez de um?’.” Já há pouco a perder depois de se perder o “controlo”. E tomava, porque não?, e o corpo defendia-se à sua maneira. “Sentia a minha cara a mexer, a deslocar-se de um lado para o outro. Às vezes levantava-me a meio da noite para ir ao espelho ver se a minha cara estava no sítio. Tinha a sensação de que se estaria a deformar.” Mas esse era mesmo o único efeito que tinha porque na verdade, e apesar da enxurrada de comprimidos, continuava acordada. “Toda a gente parte do princípio de que a medicação resolve tudo mas não resolve.” Carla tem consultas de psiquiatria há cinco anos e durante “cinco anos” andou a “mudar de benzodiazepina para benzodiazepina” (fármacos utilizados no tratamento das perturbações de ansiedade e alterações do sono), porque não via efeitos em nenhuma. “Experimentava uma, chegava àquela dose máxima antes de entrar em overdose ou intoxicação, e experimentava outra.” Hoje em dia toma Valium, nome comercial do Diazepam, também do grupo das benzodiazepinas, mas o problema mantém-se. “Deito-me à meia noite e sou capaz de só conseguir adormecer às quatro ou cinco da manhã, para me levantar às sete.”

Também Alexandra Parrado chegou a recorrer à medicação por instruções da psiquiatra que viu durante algum tempo, mas depois a medicação deixou de fazer efeito: “Durante algum tempo aquele comprimido foi o meu melhor amigo. No início foi extraordinário, sabia que se o tomasse à meia-noite ia dormir até às oito sem acordar uma única vez”. Ao fim de “dois anos” de milagre, “o efeito foi desaparecendo” até deixar de existir de todo. “Cheguei a duplicar a dose, não sei se alguma vez tripliquei.”

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Perder a eficácia ao fim de algum tempo de toma é precisamente um dos aspetos mais nocivos das benzodiazepinas. Quando surgiram pela primeira vez, na década de 1960, introduzidas no mercado pela farmacêutica suíça Roche, não se sabia isso, ou fingia-se que não se sabia, mas depois tornou-se impossível não saber ou impossível ocultar, os estudos multiplicaram-se, a preocupação também. Hoje sabe-se também que criam extrema dependência e sintomas de abstinência, mas a verdade é que continuam a ser muito consumidas. Segundo um estudo do Infarmed divulgado em 2017, Portugal é o país da OCDE com maior consumo de ansiolíticos, hipnóticos e sedativos, grupo que inclui maioritariamente benzodiazepinas. O mesmo estudo revelou que 1,9 milhões de utentes portugueses adquiriram pelo menos uma embalagem destes medicamentos em 2016, na sua maioria mulheres (70%), e nas faixas etárias entre os 55 e os 79 anos. É na região norte que se regista o maior consumo, seguido da região centro e Alentejo.

Utilização de ansióliticos, hipnóticos e sedativos em Portugal
Dose diária por 1000 habitantes (DHD)

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Utilização de ansióliticos, hipnóticos e sedativos nos países europeus
Dose diária por 1000 habitantes, em 2015

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Porque é que Portugal está no topo da lista? Deve-se aos médicos de família que não sabem o que fazer com os doentes ou receitam por “hábito” ou “facilitismo”, aos psiquiatras que até sabem o que fazer mas fazem mal, aos neurologistas e cardiologistas que “gostam muito de prescrever benzodiazepinas e quem é que lhes vai tirar essa ideia da cabeça?”, aos farmacêuticos que continuam a vender sem receita ou com receitas antigas, às pessoas “que pedem o comprimido à tia, à amiga ou à vizinha”, ou, porque não, deve-se também à tia e à amiga e à vizinha que, solidárias com a causa, já por lá se afundaram, acorrem à gaveta da casa de banho para ver o que sobrou da sua própria festança. Eis uma mistura das explicações que os vários especialistas ouvidos pelo Expresso deram. É impossível tomar partidos, quantificar a culpa, apregoar o cárcere. Assim é.

Quem toma benzodiazepinas
Utentes por 1000 habitantes

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“Na psiquiatria receitavam-me cocktails de medicação: benzodiazepinas e outras coisas para induzir o sono, dois ou três comprimidos por noite, todos diferentes, era uma dose cavalar”, conta Luís Corredoura. Efeitos? Adormecia mais rápido, tomava e “ao fim de 30 minutos” estava a dormir, “era de caixão à cova”. Mas “duas ou três horas depois” acordava em sobressalto e “era como se tivesse levado uma martelada na cabeça”. Ficava completamente desperto e não voltava a adormecer.

Quando o comprimido que tomava deixou de fazer efeito, Alexandra chegou a pedir a um amigo psiquiatra para lhe receitar “qualquer coisa” extra porque estava numa fase de muito trabalho e outros “compromissos” e não estava a conseguir dormir e sentia-se “exausta”. Muito antes disso, quando ainda vivia com os pais, a mãe chegou a dar-lhe Xanax para dormir.

Carla vai buscar os medicamentos quase sempre à mesma farmácia e não leva receita médica. “Eles já me conhecem e dão.” Mesmo que vá a outra, diz que ainda não conseguiu uma nova consulta ou promete trazer a receita da próxima e vendem-lhe na mesma. Noutras nem sequer é preciso dizer o que for: um sorriso irónico, estou a perceber.

Ana toma há anos uma benzodiazepina que lhe foi receitada pelo psiquiatra, quando as benzodiazepinas são totalmente contraindicadas para quem tem apneia do sono. Saiu do Centro de Medicina do Sono em Coimbra no dia em que conversou com o Expresso com uma carta para entregar ao psiquiatria. Esta utente tem de parar com esta medicação, há de ler-se lá, por estas ou outras palavras.

Utilização de benzodiapezinas e análogos
Dose diária por 1000 habitantes (DHD)

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Na teoria são quatro semanas, na prática são décadas

Joaquim Moita, presidente da APS, acrescenta outra razão às acima mencionadas para justificar a prescrição e consumo excessivos de benzodiazepinas em Portugal — o preço. “São medicamentos muito acessíveis, baratíssimos.” Uma caixa de Alprazolam, o conhecido Xanax (de todas as benzodiazepinas, é a mais vendida em Portugal), com 20 comprimidos de 0,25 mg, pode custar apenas 1,90 euros, segundo dados disponíveis no site do Infarmed. Esperava-se que com o aumento do número de prescrições de antidepressivos com efeitos indutores do sono — uma abordagem muito seguida hoje em dia pelos especialistas, dado que os primeiros têm menos efeitos adversos do que os segundos — o número de prescrições de benzodiazepinas tivesse descido, mas não foi isso que aconteceu. As duas linhas continuam estáticas nos gráficos que representam o consumo destes medicamentos.

Mas o problema nem está tanto na benzodiazepina em si, que em muitas situações é “útil”, “necessária”, “eficaz” e até “recomendável” (como na perturbação de ansiedade e ataques de pânico), mas no período durante o qual é tomada. As orientações internacionais apontam para que não sejam utilizadas durante mais de quatro semanas, uma vez que a partir vão daí perdendo a eficácia e causando dependência, mas há pessoas a tomá-las há décadas.

Além disso, modificam a estrutura do sono, “tornando-o mais ligeiro e fazendo desaparecer o sono profundo, que é efetivamente restaurador”. “As benzodiazepinas têm um efeito perverso. A pessoa toma porque já está dependente delas mas depois tem um sono de péssima qualidade. Acorda com mais frequência, sente-se mais cansada e com sonolência”, explica Joaquim Moita, enumerando outros efeitos ditos nefastos destes medicamentos, que se verificam, inclusive, logo na própria noite em que são tomados. A amnésia anterógrada, por exemplo: “A pessoa não se lembra do que aconteceu depois de tomar a medicação, o que pode originar comportamentos anómalos durante o sono. Está a dormir ou em estado de subconsciência e mexe-se”.

No caso dos idosos, “isto é particularmente preocupante” porque existem alterações do movimento e as quedas acabam por ser “frequentes”. “É por isso que pessoas com mais de 75 anos não devem tomar benzodiazepinas, assim indicam as recomendações.” Mas a lista de efeitos adversos, na população idosa e na restante, não termina aqui: existem as alterações na memória e no raciocínio e existem estudos, não descartáveis, sobre a sua ligação a doenças como demência e Alzheimer. “Há médicos que prescrevem duas e três benzodiazepinas diferentes. É bastante comum até”, sublinha Joaquim Moita.

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Ana Santa Clara também diz atender na sua consulta de psiquiatria do sono na CUF de Alvalade, em Lisboa, muitas pessoas que já estão medicadas há anos, algumas por indicação dos médicos que consultaram antes, outras por iniciativa própria. Esses são, aliás, os casos mais graves, explica ao Expresso num café perto do CENC (Centro de Eletroencefalografia e Neurofisiologia Clínica, em Campolide), onde também dá consultas. “A insónia é tudo menos uma doença que se trata com um comprimido para dormir”, diz, num tom de voz exasperado que vem de já ter dito isto muitas vezes sem ter notado uma mudança de comportamento. “Quando não se dorme é preciso perceber porque é que não se dorme”, continua. “Ninguém se lembra de tomar um antipirético durante dez anos seguidos porque tem febre dia sim, dia não. Vai-se à procura da causa. Como é que se toma um comprimido para dormir sem saber porque é que não se dorme?”.

Senti vontade de morrer

“É como o tabaco, é como o álcool, é como uma droga. Quando a pessoa tenta deixar de tomar, sente-se muitíssimo mal. A ansiedade dispara, a pessoa deixa de conseguir dormir, pode ter convulsões.”

É isto que acontece quando se deixa de tomar benzodiazepinas de forma repentina, sem uma redução gradual, muito gradual, explica Vasco Maria, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e coordenador da Unidade de Farmacoepidemiologia do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública daquela faculdade. Há benzodiazepinas que não se conseguem retirar só a partir em bocadinhos, lembramo-nos de alguém ter dito. Isto é a teoria, mas a prática sustenta-a.

Quando Carla Fernandes tentou deixar a medicação de um dia para o outro sentiu “o que um drogado certamente sentirá quando deixa a heroína”. “Estava cheia de dores no corpo. Acho que foi a primeira vez em que senti mesmo vontade de morrer.” Eram os arrepios, o frio, do frio para o calor e do calor para o frio e do frio para o calor e assim sem fim; era a falta de apetite e ao mesmo tempo a vontade de comer tudo, abrir portas e esgravatar à procura do último resto. “Ouvia sons que não existiam. Ouvia passos atrás de mim como se alguém estivesse a aproximar-se mas depois virava-me para trás e não estava lá ninguém.”

Venda em farmácia de medicação para insónia
Em milhões

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A Vasco Maria preocupa-o sobretudo isto, a dependência, os sintomas de abstinência. De tal modo que coordenou recentemente um projeto, BEDS, acrónimo de Benzodiazepine Discontinuation Study, só focado nestas questões. O objetivo foi, por um lado, perceber o que pessoas que fazem este tipo de medicação e pessoas que não fazem pensam sobre o problema e, por outro, qual a opinião de médicos de várias especialidades também sobre isso. “Muitos médicos não estão preparados para ajudar os doentes a reduzir a medicação.” Na teoria, continua, “muitas destas pessoas poderiam ser seguidas em consultas de psiquiatria mas os psiquiatras não conseguem dar vazão” — são “poucos” e “nem sequer conseguem dar resposta a situações graves”. Por isso é “necessário ajudar os médicos a ajudar os doentes”.

A luz

“Eu olhava para a minha cama e via-a como uma inimiga. Eu tinha medo dela. Eu não queria estar lá, era um lugar mau”, dizia Alexandra Parrado.

É uma guerra permanente, a de quem quer dormir mas não consegue com o lugar onde se deita. Teresa Rebelo Pinto, psicóloga especialista em sono que dá consultas no Centro de Medicina do Sono de Lisboa, explica: “As pessoas com insónias acabam por desenvolver uma relação muito má com o sono, com expectativas irrealistas sobre o seu próprio sono, e têm medo”. Medo de não conseguir dormir, de tentar dormir, de transpor a soleira do quarto e ver ao fundo a cama, insolente e imperscrutável, à espera. O coração começa a esmurrar o peito e logo o pensamento — não vou conseguir dormir. “A noite é sempre um gigante”, escreveu Vladimir Nabokov em “Transparent Things” (1972), para descrever a sensação de perigo que sentia ao entrar no seu quarto (uma das personagens do livro deseja, aliás, ter um terceiro lado para dormir já que não o consegue fazer virado para a esquerda ou para a direita).

Outro aspeto não menos comum: “As pessoas com insónia vivem muitas vezes à volta da insónia. É como se toda a sua vida se organizasse à volta do sono. Há um certo empolamento do problema”, diz Teresa Rebelo Pinto. Que resulta, frequentes vezes, “em mais ansiedade e stress”. Se já havia dificuldade em dormir, então ainda haverá mais. Outra situação ainda: tudo passa a ser culpa da insónia. “Se estou com mau feitio é porque dormi mal, se respondi de forma brusca é porque dormi mal. Todos os insucessos passam a estar relacionados com o sono.”

É preciso “corrigir esta perceção do lugar que o sono ocupa na nossa vida” e mudar um conjunto de “comportamentos e crenças” associadas ao sono que, em muitos casos, levam precisamente a que a insónia se perpetue e torne crónica. Muitas vezes o evento que causou a insónia, como a morte de um familiar ou o divórcio, já não existe, mas entretanto a pessoa adotou uma série de comportamentos que fazem perpetuar o problema.

Em 2008, a Academia Americana de Medicina do Sono definiu as Terapias Cognitivos-Comportamentais como tratamento de primeira linha para a insónia e, em 2017, as ‘guidelines’ europeias vieram reforçar as mesmas orientações, mas em Portugal ainda estão em grande medida por explorar, há poucos psicólogos com formação na área do sono e ainda menos a trabalhar no serviço público. A Ordem dos Psicólogos Portugueses diz não ter números exatos mas admite que são “escassos”.

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Há cerca de dois anos, uma comissão de psicólogos da Associação Portuguesa do Sono com formação e experiência clínica na área das perturbações do sono, ou somnologistas (título europeu atribuído pela European Sleep Research Society), propôs à ordem a criação de uma nova especialidade, a Psicologia do Sono. Duarte Zoio, responsável pelo gabinete de comunicação da Ordem dos Psicólogos Portugueses, esclarece que nessa ocasião “não foi apresentada uma proposta formal ou concreta” e que a atual direção “não se comprometeu a criar novas especialidades”, apenas a iniciar uma discussão nesse sentido. Seja como for, trata-se de uma necessidade premente. “As pessoas que sofrem de insónias gostariam de receber outro tratamento, mas devido à falta destes profissionais continuam a vaguear de tratamento em tratamento, tornando o problema do sono progressivamente mais crónico, sem melhoria da sua qualidade de vida”, diz Vanda Clemente, psicóloga especializada em sono que trabalha no Centro de Medicina do Sono em Coimbra.

O problema não está só na falta de psicólogos mas também de médicos, sublinha, por sua vez, Ana Rita Peralta. De acordo com a Ordem dos Médicos, há 48 médicos com competência na área da medicina do sono. “Em nenhuma faculdade médica se ensina a tratar uma insónia. Todos os médicos contactam com doentes com queixas de insónia mas não sabem o que fazer porque não têm formação.”

As pessoas levam mais ou menos dois anos a mudar de hábitos

Em consultas que, no caso de Teresa Rebelo Pinto, podem ir das quatro às oito semanas, dependendo do doente, tenta-se assim “fazer a dessensibilização do quarto, da cama, do próprio sono”; no fundo, “tratar o problema como se tratam as fobias, para que as pessoas deixem de associar a cama à insónia e passem a associá-la ao sono e ao dormir bem”.

“É como se ensinássemos a pessoa a voltar a dormir. O sono é uma função vital e, portanto, se criarmos as condições para ele aparecer, ele aparece.” Ao mesmo tempo é incutida uma mudança de hábitos de vida e de “higiene do sono”, a expressão usada para definir os cuidados a ter com o sono, como acordar sempre à mesma hora, não usar equipamentos eletrónicos no quarto e restringir o tempo que se passa na cama. “A pessoa com insónia acha que quanto mais horas se mantiver quietinha na cama mais facilmente vai adormecer, mas não é verdade. É preferível que se levante e vá fazer algo para se distrair até o sono vir.” Parece simples, mas não o é assim tanto. “Não há nada tão difícil quanto mudar hábitos. As pessoas levam mais ou menos até dois anos, sem recaídas, para fazer uma verdadeira modificação de um hábito.”

Teresa Rebelo Pinto não consegue avaliar com exatidão a taxa de sucesso destas terapias mas garante que há uma “melhoria substancial” da qualidade de vida das pessoas que as fazem, “não só porque aprendem mais sobre o seu próprio sono e o sono no geral, mas porque saem muito reconfortadas com a ideia de que a insónia se trata, que não é coisa para toda a vida”.

Que o diga Alexandra Parrado, que garante ter melhorado desde que começou a ter consultas de psicologia no Centro de Medicina do Sono de Lisboa. Fez ali um exame, o registo poligráfico do sono e as tais terapias cognitivo-comportamentais. “Funcionam de uma forma muito subtil. Aquilo que nos é dito parece senso comum, mas tudo junto funciona.” É preciso, no entanto, contar desde logo com um entrave. “Ter uma boa higiene do sono não é fácil num país onde tudo acontece muito tarde. O teatro é tarde, os concertos são tarde, sai-se tarde do trabalho.”

Também para Ana Santa Clara a falta de educação para o sono é um problema, o “maior”, aliás. Que só se resolverá quando a temática for integrada no currículo escolar. “Tem de se fazer para o sono aquilo que se fez com as drogas, o tabaco, o álcool, a nutrição, caso contrário nada irá mudar.”

A psiquiatra também destaca a influência da vida profissional no sono: “A maioria das pessoas tem insónias por causa do stress profissional e da pressão no trabalho. Têm as suas vidas completamente absorvidas pelo trabalho e pelo caminho para o trabalho e de lá para casa, as horas que perdem nisso, a quase total incapacidade de gerir e conseguir conciliar a vida familiar com a profissional.” Depois há ainda o “problema do trabalho por turnos” e a “alternância entre manhãs, tardes e noites, que desestabiliza bastante”. Na maioria dos casos que acompanhou, os turnos tiveram de ser interrompidos, “caso contrário não seria possível as pessoas ficarem bem”.

Aos poucos, o sono de Alexandra foi regulando e ela começou a dormir melhor. Ainda sente que há trabalho a fazer, faz yoga e meditação, o sono continua a tirar-lhe o sono, no sentido em que ainda a preocupa bastante. “Não prolongo noites ao fim de semana, dificilmente vou ao teatro ou ao cinema durante a semana, deito-me quase sempre à mesma hora, por volta das 23h.” Na maior parte das vezes adormece logo, há outras em que não, mas já não dá por si desesperada à procura de um botão para desligar o cérebro. “Se não adormeço volto-me para o outro lado da cama, faço exercícios de respiração, tento concentrar-me nisso. Às vezes levanto-me, distraio-me com alguma coisa e depois volto a deitar-me.” Na maior parte das vezes dorme as horas que precisa, há outras em que não, mas o mundo já não acaba. Se o problema está totalmente resolvido? Não está, mas está melhor, e isso chega: “Sinto-me infinitamente mais feliz só pelo facto de conseguir dormir melhor.”

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Alexandra Parrado recorre a terapias cognitivo-comportamentais e outras para tentar dormir melhor

Luís Corredoura continua a ir ao neurologista e a fazer uma ressonância magnética uma vez por ano, por prevenção. Continua a ter dificuldades em adormecer. “Esforço-me muito para dormir. Tenho a cabeça sempre cheia de coisas”. Deita-se e se “ao fim de uma hora” não estiver a dormir, levanta-se e vai para a sala ou tenta escrever, “estar ocupado para não entrar em parafuso”. “Às vezes ainda penso: ‘Bom, mas eu não estou a dormir porquê? O que está a melindrar-me? O que é que está a aborrecer-me afinal?’. Às vezes consegue perceber, outras não. Às vezes questiona-se: “A dormir assim pouco, o que é que me pode acontecer-me?”. Mas para isso nunca tem resposta.

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Luís Corredoura tem 43 anos e sofre de insónias graves há seis

Ana dorme todos os dias com uma máquina por causa da apneia. Isso está controlado, o resto é trabalho ainda por fazer. Diz que começou a dormir “um bocadinho melhor” desde que participou na sua primeira sessão de grupo no Centro de Medicina do Sono em Coimbra, pouco dias antes de ter conversado com o Expresso. “Eu não sabia que não devia ter televisão no quarto nem usar o telemóvel na cama. Tirei a televisão e não uso o telemóvel, nem sequer para ver as horas. Não quero ver as horas.”

Carla Fernandes é avaliada de 15 em 15 dias pela psiquiatra para saber se começa ou não a reduzir a medicação: “Ela diz-me que tem sempre esperança que eu comece a reduzir na consulta seguinte, mas até agora nada. Ela própria tem medo de diminuir a dose e com isso eu regredir. Então continua a dizer-me: ‘Vamos manter durante mais 15 dias’”.


Créditos

TextoHelena Bento FotografiaTiago Miranda VídeoAndré Godinho SomJosé Quintino Edição MultimédiaJoão Santos Duarte InfografiaCarlos Esteves Web DesignJoão Melancia e Tiago Pereira Santos Web DeveloperMaria Romero Coordenação editorialJoana Beleza, Germano Oliveira
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