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Brisa: 50 anos a encurtar distâncias

No ano em que a concessionária celebra meio século, as histórias de quem cruza o país, a tecnologia desenvolvida em Portugal, as ideias vindas dos romanos, os processos judiciais e a sinistralidade que em tempos foi a maior da Europa

Alguns anos antes de ser inaugurada a autoestrada do Sul, que liga Lisboa ao Algarve, a família Lança abriu uma pequena garagem de mecânica na zona da Mimosa, Alentejo. António, filho com jeito para os motores, viria a revelar-se também um visionário nos negócios: instalado na margem de uma estrada de alcatrão retalhado, com poucas zonas de ultrapassagem e intenso tráfego, sobretudo no verão, os acidentes sucediam-se - e o negócio crescia. As avarias pediam as mãos experientes deste homem, hoje com 65 anos, que apostou depois na compra de um reboque. “Estou ligado 24 horas por dia. Se não for eu, vai um dos meus funcionários, seja que hora for”, diz ao Expresso, à boca da garagem, boné na cabeça e a pele escurecida pelo óleo.

Estamos no IC1 – acrónimo para Itinerário Complementar – que liga Caminha, a norte do País, até ao Algarve. Durante décadas foi por esta estrada que milhões de portugueses, em férias ou trabalho, cruzavam Portugal de norte a sul. Dos turistas, António Lança guarda uma teoria em jeito de brincadeira: “à ida para baixo [quando a A2 abriu], passou a ir tudo pela autoestrada. No regresso, de carteira vazia, restava-lhes a nacional, que sempre fica mais em conta.” Claro que três décadas de trabalho, numa estrada que já foi conhecida por “cemitério dos automóveis”, nem tudo são boas recordações. Dos seus infames serviços ainda sobram restos nas traseiras da oficina: uma carrinha branca, de metal retorcido, cuja marca intrigaria o maior conhecedor das quatro rodas. “É uma Citroen Berlingo”, diz-nos António. “Entre as rodas da frente e as de trás não existe mais de um metro.”

“Aqui a 150 metros estava um camião parado e atrás vinha um meu colega, mecânico, logo seguido de outro TIR que embateu na carrinha. Pumba”, desabafa o homem, desfiando histórias de tragédias umas atrás das outras. “Um dia estava aqui muito nevoeiro, houve um senhor que parou no meio da estrada e eu pedi-lhe para encostar na berma. Não fez caso, foi ao café, ignorou-me. Veio outro carro, deu-lhe um toque, e a seguir outro. Resultado: 14 carros envolvidos num choque em cadeia. Tive de ir a correr até lá acima avisar os carros que vinham para abrandar, não se via nada. O rapaz da Berlingo morreu. É triste”, lamenta, apontando para um pinheiro não muito longe de onde nos encontramos. “Está a ver as marcas no tronco? Foram quatro de uma vez.”

Uma parte considerável da sinistralidade a caminho do Algarve reduziu-se graças à construção da A2. Conhecida como autoestrada do Sul, é a segunda maior via deste género em Portugal, com quase 240 quilómetros de extensão. E a sua utilização não serve apenas para quem procura o sol algarvio e uns dias de férias. Ligando a capital ao Algarve, serve também as regiões do Alentejo Litoral, Alentejo Central e o Baixo Alentejo. Numa publicação sobre a história das autoestradas em Portugal, a Brisa escreve sobre a A2: “destaca-se pelas suas funções e grandeza do empreendimento, que permite a ligação de Lisboa às principais capitais europeias, ao mesmo tempo que permite a ligação a diversas vilas e cidades alentejanas”.

Se a A2 aproximou o sul da capital, também é certo que a antiga nacional número 1 – hoje Ic1 – ainda continua a atrair todo o tipo de automobilistas. Camionistas, pequenas carrinhas de serviço, motos e não só: enquanto conversamos com António Lança, vemos passar na berma da estrada, a uma velocidade considerável, uma bicicleta adaptada. Mais à frente, já de carro, seguimos cuidadosamente o ciclista, percebendo depois que se tratava de um atleta paralímpico. Flávio Pacheco utiliza uma bicicleta com pedais adaptados às mãos. Vítima de um brutal acidente de moto, que obrigou à amputação da perna – ocorrido não muito longe do local onde nos encontramos - o ciclista preparava a participação nos Jogos Paralímpicos deste ano, no Canadá. Perigoso? “Sim, especialmente nos meses de julho e agosto, por causa dos turistas. No inverno é mais calma, porque são pessoas de trabalho que passam diariamente e todos me conhecem. Infelizmente não tenho muitas alternativas porque são estradas sem berma. Numa emergência que surja, não tenho uma escapatória possível.”

Após o acidente, há sete anos, Flávio Pacheco foi desafiado por um amigo para o desporto paralímpico. Uma forma de se manter em forma física, mas sobretudo psicológica. Funcionário numa bomba de gasolina dos arredores, começou por brincadeira, mas o assunto tornou-se sério: saiu-se bem na Taça de Portugal, entrou para a equipa do Sporting, e tem lugar na seleção olímpica nacional desde 2018. Aqui, nesta estrada que segue paralela à A2, Flávio treina sobretudo os sprints, o que explica o facto de o termos visto passar como uma bala. “Treino sempre aqui ou na serra, para ensaiar os contra-relógios, nove vezes por semana, mas a idade já começa a pesar”, conta-nos na berma, interrompendo o discurso à passagem dos camiões mais ruidosos. 

Todos os caminhos vão dar a Roma

Ligando inicialmente Lisboa à Marateca, a A2 começou por ser uma autoestrada que servia sobretudo as pessoas que trabalhavam em Lisboa e viviam na periferia. No número 6 da revista trimestral “Em Viagem”, de 1996, anunciava-se “em breve a possibilidade de percorrer um troço de 22 quilómetros por entre oliveiras, montes e vastas planícies”. A ambição da concessionária para os anos seguintes era chegar a Alcácer do Sal/Grândola, uma saída que viria a revelar-se das mais populares, especialmente entre os viajantes que rumavam ao Algarve e aproveitavam a paragem em Canal Caveira, para o famoso cozido à portuguesa. Hoje encontramos um casal português, a viver nos EUA há mais 30 anos. “Voltamos sempre a Portugal, duas vezes por ano, e nunca dispensamos o almoço num destes restaurantes. Para mim é o melhor cozido à portuguesa do País”, conta o marido.

O itinerário é o habitual: descem pela A1 desde a Batalha, onde ainda têm casa, cruzam Lisboa e saem em Grândola, para o tal repasto e comprar depois uns “queijinhos e enchidos na Mimosa”. Uns quilómetros à frente, regressam à A2 até chegarem ao Algarve, onde têm uma casa. Este ano, ao contrário dos anteriores, o casal decidiu tirar da garagem o Mercedes 390, cor creme amarelado – “o aluguer de carros está ao triplo” – e não se desiludiram com a velha máquina. “Já fizemos 3500 quilómetros durante estas semanas, de norte a sul de Portugal, por nacionais e autoestradas”, contam à entrada do carro preparados para voltar à estrada. Cidadão americano há 42 anos, o marido elogia as estradas em Portugal – “são boas”. Só lamenta a economia: “os EUA oferecem-nos outras oportunidades”.

Se as vias de comunicação podem dizer muito sobre a evolução de um País, para contar a história das autoestradas portuguesas será preciso recuar até ao princípio dos tempos do Império Romano. A A1, principal autoestrada do País, que liga Lisboa ao Porto, é, na verdade, decalcada das vias abertas ao longo de vários séculos pelos diferentes imperadores que espalhavam a civilização e ocupavam praticamente toda a Europa. A via romana de Bracara Augusta (Braga) a Olissipo (Lisboa) “estabeleceu a rota definitiva entre as duas cidades que subsiste até hoje, sobrepondo-se-lhe sucessivamente a Estrada Real, a Estrada Nacional EN1 e a Autoestrada A1”, lê-se na “História das Infraestruturas Rodoviárias”, uma tese de mestrado da autoria de Florbela Lima Maré . “Estas seguem paralelas ou mesmo coincidentes em alguns pontos até Coimbra (...), enquanto a EN1 e a A1 seguem mais a poente, por um trajeto também romano que talvez ligasse as cidades de Colippo em Leiria e Eburobrittium em Óbidos”.

Foi, portanto, um longo processo de evolução que culminou já neste século, com a Brisa a assegurar ligações por autoestrada de norte a sul, de oeste a leste. A própria concessionária, que detém a concessão da maior parte das autoestradas em Portugal, teve de redesenhar vários trajetos para preservar o património histórico deixado por longínquos antepassados.

Na A9, por exemplo, também conhecida por Circulação Regional Exterior de Lisboa (CREL), que liga Caxias a Alverca, foi necessário escavar um túnel para preservar as pegadas de dinossauro encontradas durante a construção. Nasceu assim o que hoje conhecemos como túnel do Carenque. E chegou mesmo a alterar a rota da A6 - que ao longo de 157 quilómetros liga a Marateca a Beja – devido a um pinheiro, posteriormente integrado na paisagem da área de serviço de Vendas Novas.

Túnel de Carenque Tal como aconteceu noutras construções realizadas pela Brisa, na A9 - também conhecida por Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL) - foram encontradas pegadas de dinossauro. Para preservar o património cultural, foi necessário construir dois túneis: o de Carenque, com 200 metros de extensão, sob a Serra da Carregueira, e o de Montemor, com 650 metros debaixo da Serra da Amoreira

Túnel de Carenque Tal como aconteceu noutras construções realizadas pela Brisa, na A9 - também conhecida por Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL) - foram encontradas pegadas de dinossauro. Para preservar o património cultural, foi necessário construir dois túneis: o de Carenque, com 200 metros de extensão, sob a Serra da Carregueira, e o de Montemor, com 650 metros debaixo da Serra da Amoreira

Já na A2, a tal que liga Lisboa ao Algarve, foi necessário proceder ao transplante de várias espécies raras da planta Ameria Rouyana, na zona de Alcácer do Sal/Grândola. Na verdade, o primeiro estudo de impacto ambiental organizado pela Brisa – que surgiu em 1972 -  aconteceu exatamente antes da construção da primeira autoestrada portuguesa: a A5. Com diretivas europeias claras, esta via começou a ser construída em 1944, para ligar Lisboa à Costa do Estoril e Cascais. Com uma extensão não superior a 25 quilómetros, a A5 seria apenas concluída em 2015, sendo hoje um dos eixos fundamentais de acesso à capital portuguesa. Designada inicialmente Lisboa-Estádio Nacional, seria necessário esperar até novembro de 2016 para a inauguração do último troço da A5, servindo assim as localidades de Birre, Torre, Areia, Quinta da Marinha e Guincho.

Pinheiro no meio da estrada Não foram apenas as várias descobertas arqueológicas que levaram os engenheiros da Brisa a pensar em troços alternativos na construção de viadutos e passagens subterrâneas. Entre a Marateca e Vendas Novas, um pinheiro manso secular foi cuidadosamente preservado e integrado numa área de serviço da A6. 

Pinheiro no meio da estrada Não foram apenas as várias descobertas arqueológicas que levaram os engenheiros da Brisa a pensar em troços alternativos na construção de viadutos e passagens subterrâneas. Entre a Marateca e Vendas Novas, um pinheiro manso secular foi cuidadosamente preservado e integrado numa área de serviço da A6. 

Foi graças a um engenheiro e ex-ministro das Obras Públicas – que dá nome ao viaduto da A5, que atravessa Monsanto, desce ao vale de Alcântara e termina em Campolide – que se dá o grande desenvolvimento das obras rodoviárias portuguesas. Duarte Pacheco, homenageado no famoso viaduto que, a par da ponte 25 de Abril, serve de entrada a Lisboa, foi quem nos anos 40 inspirou o primeiro Plano Nacional Rodoviário. A grande obra com o seu nome é hoje utilizada por milhares de automobilistas todos os dias vindos da Linha de Cascais e Sintra. Inaugurado em 28 de maio de 1944, com uma estrutura integralmente realizada em betão armado, tem 335 metros entre os eixos das extremidades.

Uma corrida chamada Expo’98

Em finais dos anos 80, Portugal encontrava-se em 12º lugar considerando a extensão da rede de autoestradas e da sua densidade (em 1988 apresentava uma rede com 235 quilómetros de comprimento). Numa outra estatística, o país apresentava-se em 14º no número de quilómetros por habitante, de um conjunto de 17 países europeus. Mesmo assim, Portugal foi um dos primeiros países do mundo a ter uma autoestrada, com a inauguração, em 1944, do lanço Lisboa/Estádio Nacional, que seria a futura autoestrada Lisboa/Cascais (atual A5). Porém, apesar de terem sido posteriormente construídos alguns outros troços nas décadas de 1960 e 1970, só no final da década de 80 foi iniciada a construção de autoestradas em grande escala.

A evolução das novas vias foi lenta. A A1, por exemplo, cujo lanço Lisboa – Vila Franca de Xira constituiu o primeiro passo para a ligação por autoestrada entre a capital e o Porto, foi inaugurada em 1961, no entanto, até Aveiras de Cima, onde existe hoje a primeira área de serviço, demorou mais 19 anos até à sua conclusão. Não será, pois, de admirar o tempo necessário até que a obra ficasse completa: com 361 quilómetros de extensão total, passaram três décadas para que o asfalto chegasse à cidade invicta e a via fosse finalmente inaugurada, em 1991. A grande infraestrutura da concessionária é ainda hoje uma das vias com mais tráfego em Portugal: cerca de 35 mil veículos diários. Ainda assim, nada que se compare à A5, cuja circulação corresponde a mais do dobro: 72 mil carros por dia.

Apesar de a origem das autoestradas em Portugal remeter inicialmente para a Junta Autónoma das Estradas (JAE), em 22 de novembro de 1972 a Brisa assinou com o Estado Português a concessão da rede destas vias largas, com separador central, que encurtaram distâncias entre diferentes pontos remotos do país. A revolução de abril quase ensombrou este processo de evolução, “chegando mesmo a ser posta em causa a necessidade de dotar o país de uma rede rodoviária de nível europeu”. Numa publicação que assinalava os 25 anos da concessionária, lê-se que “a normalização social e económica do país” coincidiu com uma reorganização estratégica governamental, que deu o fôlego necessário à disseminação das autoestradas portuguesas: três anos depois, em 1980, verificou-se um grande crescimento da rede, pontificado nas duas principais vias: a A1 e A2.

A pensar na Expo’98, a última exposição mundial do século XX, que atraiu a Portugal 11 milhões de visitantes, a concessionária acelerou esforços para concluir várias autoestradas que permitiam acessos rápidos e seguros a um país que ocupava então o centro das atenções a nível internacional. Com obras adjudicadas no valor de 33 milhões de contos [hoje correspondente a mais de €167 mil milhões], foi durante este período que Portugal conheceu uma das maiores evoluções da sua rede rodoviária. Por esta altura ficaram concluídas a A3, A6 e A12, as três com vista a facilitar a chegada dos turistas a Portugal. A segurança, que na altura colocava o país no primeiro patamar dos mais perigosos no que respeita à sinistralidade, tornou-se uma prioridade.

Até porque pouco antes da inauguração da Expo’98, o assunto era tratado como um tema de “flagelo nacional”. Os números eram bem reveladores: em 15 países, Portugal apresentava o dobro da sinistralidade dos restantes. Dos dados então disponíveis, verificava-se que entre 1986 e 1991 o número de mortos na estrada não havia parado de subir. O último ano em análise (1991) tinha sido o pior: mais de 2600 mortos, 70 mil feridos, num total de 122.195 acidentes. Taxa de mortalidade associada: 0.73. Também os custos associados à sinistralidade eram consideráveis: 500 milhões de contos [€2,5 mil milhões em números atuais]. Tornou-se assim urgente investir em mais alcatrão para reduzir os mortos: sendo um facto que, pela sua natureza e conceção, as autoestradas ofereciam maiores condições de segurança, os números começaram finalmente a cair.

Arte, tecnologia e alcatrão

Em 50 anos cabem muitas histórias, nem todas sobre a evolução, segurança e progresso. Durante o ano de 1997 abundaram notícias de apedrejamento contra carros que circulavam pelas autoestradas. Numa dessas situações, ocorrida em abril de 1997, um condutor foi atingido por uma pedra no tórax, lançada de uma passagem superior, em Grijó. Tomé Ferreira Sul, assim se chamava a vítima, acabou por não resistir aos ferimentos, tendo a família dado início a um processo judicial contra a Brisa. Com vários casos a sucederem-se – como referia então o Correio da Manhã, numa notícia titulada com “Ninguém pára as pedradas nas autoestradas” -, a GNR mostrava-se impotente e falava em “calamidade”. Já a concessionária defendia-se de um “problema sem solução”, lamentando a “falta de civismo”.

Museu Nas instalações da sede da Brisa, em Carcavelos, é possível apreciar alguma da tecnologia que faz parte da história da concessionária

Museu Nas instalações da sede da Brisa, em Carcavelos, é possível apreciar alguma da tecnologia que faz parte da história da concessionária

Certo é que a culpa acabaria por ficar solteira: com os criminosos a escolherem horas tardias para arremessar objetos para os incautos condutores, as investigações não chegaram para identificar qualquer dos autores. Ao mesmo tempo, a Brisa não assumia responsabilidade sobre os sucedidos. “Se alguém tem de pagar alguma coisa é o autor dos apedrejamentos. Se uma pessoa circular em Lisboa e for atingida por uma pedra, a Câmara Municipal também não paga nada”. Para minimizar estes problemas, foi ordenada a construção de vedações nos “pontos negros” identificados, mas deixava em aberto quem suportaria os custos deste investimento. As obras acabaram por se fazer, até porque o número de actos criminosos disparou entre os anos de 1995 e 1997: na zona de Santa Maria da Feira, 120 automobilistas foram vítimas desta prática com garrafas, pedras, objetos contundentes.

Foi nesse ano de 1997 que Luís Reis Costa, engenheiro de ambiente, partiu do Porto para ver um concerto em Lisboa, de Ben Harper. Com mais três amigos no carro, tiveram um primeiro furo na zona de Leiria. “Saímos, mudámos o pneu e seguimos viagem”, recorda ao Expresso, hoje com 44 anos, na altura um jovem de 25. Com os ingressos para o espetáculo da Aula Magna no bolso, gasolina e portagens pagas a meias com o restante grupo, um inacreditável azar bateu-lhes à porta apenas uns quilómetros adiante, já na zona de Santarém. "Furámos outro pneu, mas dessa vez não tínhamos sobresselente. A assistência em viagem chegou em meia hora, mas esperámos quase cinco pelo táxi que nos traria a Lisboa.” Resultado: quando chegaram já o concerto tinha terminado.

Os arquivos da Brisa relativos à assistência em viagem desses anos permitem-nos perceber a dimensão dos incidentes nas autoestradas: só em 1996 foram assistidos quase trinta mil automobilistas, entre problemas de abastecimento, eletromecânica e reboques. Nessa altura, para percorrer a A1 completa, desde Lisboa até ao Porto, a Brisa cobrava 2.760 escudos (pouco mais de €13 no câmbio dos nossos dias). Atualmente, para fazer os mais de 300 quilómetros que separam as duas cidades, um veículo ligeiro paga €22,55, enquanto um pesado ultrapassa os €56. Luís Reis Costa, que continua a viajar semanalmente de norte para sul, suaviza os preços das portagens e da gasolina com uma nova aplicação de boleias: a Blablacar, uma plataforma para condutores de grandes distâncias que permite a partilha do veículo e, sobretudo, a divisão dos custos.

Pelo caminho é habitual parar em certas áreas de serviço, hoje adornadas com obras de arte que permitem aos condutores fugirem um pouco da monotonia do alcatrão. Na de Santarém, por exemplo, estão duas peças de João Cutileiro, designadas pelo autor simplesmente “Torres Novas”. “Tratam-se de duas figuras algo enigmáticas que saem de um plinto marmóreo, voltadas para um pequeno jardim interior e para um espaço infinito, que é o firmamento”, lê-se num livro editado pela concessionária intitulado precisamente “Arte nas Autoestradas”. Foram vários os autores convidados para construírem obras destinadas a pontos de diferentes autoestradas: António Canau produziu para Aveiras de Cima, Pedro Cabrita Reis deixou a sua marca na área de Pombal, assim como Ferreira da Silva, entre muitos outros.

Escultura do Cavalo Situada na área de serviço de Estremoz, a escultura de João Cutileiro ergue-se imponente com dois metros e meio de altura. Uma obra de arte feita em mármore numa homenagem do artista aos cavaleiros que outrora percorreram aquela zona do Alentejo, em batalhas pela nacionalidade. Intitulada Cavalos Numa Paisagem Alentejana, esteve inicialmente prevista para figurar no Centro Cultural de Macau.  

Escultura do Cavalo Situada na área de serviço de Estremoz, a escultura de João Cutileiro ergue-se imponente com dois metros e meio de altura. Uma obra de arte feita em mármore numa homenagem do artista aos cavaleiros que outrora percorreram aquela zona do Alentejo, em batalhas pela nacionalidade. Intitulada Cavalos Numa Paisagem Alentejana, esteve inicialmente prevista para figurar no Centro Cultural de Macau.  

Se a arte ajuda a quebrar os tempos de viagem e a humanizar as áreas de serviço, a tecnologia e inovação assumiu também um forte papel ao longo da história da Brisa. Alguns exemplos poderão parecer-nos hoje vulgares, apesar de no seu tempo terem sido decisivos para aumentar a segurança e reduzir a sinistralidade. É o caso dos sistemas antiencadeamento, utilizados predominantemente em zonas de viaduto e troços de forte inclinação, os delineadores refletores para auxiliar na condução noturna, as margens sonoras cujas saliências fazem vibrar os carros e lembrar ao condutor que está demasiado próximo da berma, e o robot, um equipamento com a forma humana que assinalava a aproximação de uma zona de trabalhos na estrada. Claro que a maior tecnologia desenvolvida pela concessionária é o pagamento sem paragem, conhecido por Via Verde. Um sistema de portagem eletrónica, desenvolvido na Universidade de Aveiro, em 1991, e que acabou por servir de referência a diferentes países europeus.

Um militar motoqueiro

Voltamos ao IC1 para perceber quem ainda escolhe as nacionais para longas deslocações. Em Canal Caveira o tempo parece não ter passado: os restaurantes ainda lá estão, os clientes também, assim como a velha ponte pedonal que ninguém utiliza. Com o estacionamento do outro lado da faixa, praticamente todos se arriscam a atravessar a estrada a pé. Decidimos experimentar as iguarias que desviam o trânsito da A2 para uma estrada que já teve os dias contados. “Quando abriu a A2 isto ficou deserto”, conta-nos o mecânico António Lança. “Depois, aos poucos, os negócios foram sendo retomados. Sobretudo as casas de restauração.”

Olhando para o prato que nos servem no mais icónico dos estabelecimentos – chamado exatamente Restaurante Canal Caveira – percebemos a razão para tantos desvios no caminho rumo ao sul. A maioria destes espaços, embora remodelados, conservam o espírito dos anos 80, período de ouro de quem tinha negócios nesta zona perto de Grândola. Mas há outros, mais simples, que são procurados por quem quer apenas matar a fome nos intervalos da condução. É o caso de Gunter Herbold, um militar alemão, que há mais de trinta anos visita religiosamente o Algarve. “Não perdi uma única concentração. Portugal é como uma segunda casa, trabalho o ano todo para poder passar três meses cá”, conta-nos, sentado na sua Harley Davidson, à sombra de uma árvore.

Com 63 anos, Gunter sai do norte da Alemanha todos os meses de julho para conduzir perto de 3 mil quilómetros até ao Algarve. Pode até ser muito asfalto para quem conhece bem os caminhos da Europa, mas a verdade é que lhe bastam apenas dois dias para chegar a Faro. “Não viemos a ‘abrir’, fazemos 1500 quilómetros por dia.” Agora que prepara o regresso – trabalha na próxima semana – ainda faz planos de passar em Beja e só depois rumará a norte para atravessar a fronteira. O regresso é sempre feito com um espírito de missão cumprida mas também de nostalgia. “Eu volto de moto, mas a minha mulher vai de avião.”

No ano em que cumpre meio século de história, a Brisa - em conjunto com a Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Autoestradas ou Pontes com Portagens (Apcap) da qual faz parte - propôs ao Governo aumentos entre 9% e 10% para as portagens em 2023, uma medida que teve impacto mediático e levou o primeiro-ministro, António Costa, a afirmar que não existem razões para esse aumento.

Liderada por António Pires de Lima, a Brisa salientou que "compreende a complexidade da atual conjuntura", pois a mesma "tem afetado a sua atividade em 2022" e detalhou o impacto: "Os custos de operação subiram 9%, os custos de investimento por obra subiram mais de 20%, quando as portagens, em respeito pelo contrato de concessão, foram atualizadas em janeiro de 2022 em 1,5%". Disponível para negociar com o Governo, a Brisa mostra-se interessada em encontrar uma solução que permita mitigar a atualização do valor das portagens. Em 2022 como em 1972, o rumo desta concessionária continua intrinsecamente ligado ao rumo de Portugal.

Créditos

Texto André Rito
Fotografia Nuno Fox e Arquivo da Brisa
Vídeo e edição José Cedovim Pinto
Infografia Jaime Figueiredo
Animação gráfica Carlos Paes
Webdesign e Drone Tiago Pereira Santos
Apoio Web João Melancia
Coordenação Joana Beleza
Diretor João Vieira Pereira

Expresso 2022