Fazer contas todos os meses. Pagar a renda, pagar a luz e pôr comida na mesa. Procurar casa num mercado ‘impossível’. O dinheiro é um dos principais causadores de stresse, mas a inflação e a subida dos juros elevaram a pressão e agravaram o fenómeno da ansiedade financeira

Texto Rita Robalo Rosa Vídeo José Cedovim Pinto Ilustração Tiago Pereira Santos

15 fevereiro 2023

Trabalhar 60 horas e, ainda assim, ter sonhos por cumprir

Margarida Lourenço, enfermeira de 26 anos, é apenas uma entre muitos jovens sujeitos ao stresse de estar a colocar todos os seus sonhos em stand-by.

A vida de Margarida assemelha-se a uma série que esta colocou em pausa e não sabe quando vai retomar - e prefere nem pensar nisso, uma vez que durante o último ano, ao batalhar com a ansiedade, aprendeu a não colocar prazos nos seus sonhos, pois só se iria desiludir quando não os atingisse.

Trabalhar 60 horas e, ainda assim, ter sonhos por cumprir

Margarida Lourenço, enfermeira de 26 anos, é apenas uma jovem entre muitos os que se podiam relacionar com este stresse de estar a colocar todos os seus sonhos em stand-by.

A vida de Margarida assemelha-se a uma série que esta colocou em pausa e não sabe quando vai retomar - e prefere nem pensar nisso, pois o último ano, ao batalhar com a ansiedade, aprendeu a não colocar prazos nos seus sonhos, pois só se iria desiludir, quando não os atingisse.

“Num mundo ideal já estaria a sair de casa, a pensar em casar e a ter filhos”, tudo sonhos que acabaram por ser “adiados no tempo por esta questão” financeira.

Por muito mais que trabalhe, o dinheiro não chega para cumprir o seu principal sonho: ter a sua própria casa. Como é enfermeira, pode fazer ‘duplos’ - no fundo um part-time extra na sua profissão - e faz também horas extra no hospital em que trabalha. Por semana são cerca de 60 horas, admite. Mas a que custo?

“Para conseguir juntar para uma boa entrada [para a casa] tenho de trabalhar muito mais horas do que aquelas aceitáveis para uma pessoa se conseguir manter saudável mentalmente, mas também fisicamente”. O custo é, portanto, a sua saúde, mas ainda assim considera-se privilegiada, por saber que certas pessoas ganham menos do que ela e passam pelo mesmo.

E a solução?

Emigrar não estava nos seus planos, pelo menos não quando era mais nova e ainda via o mundo a "cor de rosa", como definiu com as suas palavras. No entanto, tudo tem vindo a mudar. Assim, uma das soluções que não descarta - ainda que não a tome de “ânimo leve” - é apanhar um avião, sem bilhete de volta tão cedo. Margarida vê a mãe “todos os dias a fazer contas” e receia vir a ser assim caso não tome essa decisão.

Aliás, já se despediu de alguns dos seus amigos que tiveram de partir pelo mesmo motivo. “Se por um lado é bom saber que estão lá fora a construir um futuro profissional melhor e a conseguir criar poupanças, também é triste ter de vê-los ir embora”, lamenta.

Rumo a Portugal para uma vida melhor?

Se uns avaliam a ida, outros chegaram a Portugal há pouco tempo. Micael Viana é brasileiro e está em Portugal desde 2019, veio à procura de melhor qualidade de vida, mas isso não significou uma melhor casa. “Vivia num apartamento excelente no Brasil, e troquei por um apartamento bem mais simples, não tenho piscina, não tenho ginásio, mas tenho uma qualidade de vida.” Hoje vive num apartamento com apenas um quarto – e com a possibilidade de transformar o sótão num segundo quarto -, mas não era assim que idealizava receber a sua família, quando chegassem ao novo país a que tencionam chamar 'casa'.

Trabalha no setor tecnológico e, apesar de saber que é privilegiado por trabalhar num setor como este, que cresce e paga salários acima da média, não escapou ao impacto do 'monstro' de 2022: a inflação. “Tinha planos para dar entrada para um apartamento em dezembro, será que vou conseguir em fevereiro?”, questiona, admitindo que tem mais medo de dar esse passo agora por causa das taxas de juro, que começaram o ano de 2022 ainda a ‘zero’ e nas Euribor a seis meses já estão acima de 3%. E continuam a aumentar.

Mas a sua preocupação não acaba em si: “É uma preocupação também com as outras pessoas, muitas talvez não consigam pagar casas e não é justo”.

Hoje em dia teve de mudar algumas coisas na sua vida: fez menos viagens do que o esperado e come menos carne vermelha, tendo até adotado “diferentes hábitos no supermercado”. Aliás, no Brasil - país que tem, tradicionalmente, taxas de inflação elevadas – entrava no supermercado e saía com um carrinho cheio para o mês. Em Portugal essa prática perdeu-se, passando a ir todas as semanas às compras, mas vê-se agora a ser empurrado para os velhos hábitos.

Apesar de tudo, não quer voltar para o Brasil, sente que fechou essa “etapa” da sua vida. E também não se vê a ir para fora - gosta de Portugal, com o seu lado bom e o seu lado mau.

Os números não mentem

A inflação começou a sua subida ainda em 2021, no final do ano. Mas desde que a Rússia invadiu a Ucrânia que a subida se tornou mais acentuada. Superou, em muito, os 2% definidos como "máximo" pelo Banco Central Europeu. Claro, o impacto chegou à vida das pessoas e continua pois, apesar de já ter iniciado um trajeto descendente, a taxa mantém-se elevada.

Rita Fonseca tem 59 anos e foi uma de muitos portugueses que sentiram o impacto da inflação nas suas carteiras e na sua conta bancária. A técnica de radioterapia passou a “andar em cima das operadoras” de telecomunicações e eletricidade, para ver onde consegue os preços mais baixos, algo que “antigamente não fazia”. Também deixou o carro de lado e assim conseguiu poupar algum dinheiro.

No supermercado o hábito já vinha de trás: ver o preço ao quilo e comparar preços, assim como comprar produtos de marca branca. No geral, “tem de se fazer muito planeamento”. “Estou sempre a fazer contas.”

Com a subida acentuada da inflação, os juros também dispararam, um problema para quem paga a casa ao banco. Cerca de 90% dos empréstimos à habitação são feitos com taxa variável indexada à Euribor, ou seja, a prestação pode mudar de três em três ou de seis em seis meses, ou de ano a ano.

Para Rita, que comprou casa há cerca de ano e meio com taxa mista (fixa durante os primeiros cinco anos de crédito, variável nos seguintes) não está a ser um 'pesadelo' assim tão grande como para muitos portugueses. Contudo, os seus receios não desapareceram.

E perante este mercado que muitos caracterizam como 'impossível', como irão Micael ou Margarida comprar a sua casa? Além de os preços estarem mais elevados junta-se outro problema: desde 2018 que os bancos só emprestam 100% do valor da casa se for um imóvel do próprio banco, caso contrário o máximo que emprestam é 90% (para habitação própria e permanente) ou 80% (para outros casos). Ou seja, além dos juros, é preciso poupar os 10% necessários para a entrada (ou mais, pois ao valor acrescem comissões e impostos). Mas, poupar já não é tão fácil como, por exemplo, nos tempos de pandemia.

Durante a pandemia a taxa de poupança dos portugueses atingiu recordes, especialmente no início de 2021 (que coincidiu com o segundo confinamento). Mas, desde a reabertura da economia e do avanço do plano de vacinação que a taxa de poupança voltou a cair. A queda mais acentuada deu-se na passagem para 2022 e, nesse ano, foi caindo acentuadamente, no sentido inverso à inflação.

Está, assim, criado o 'bolo' para um stresse financeiro.

“As crises económicas aumentam a ansiedade”

Os números estão lá. A inflação continua em níveis elevados, assim como os preços das casas e tudo o que está envolvido no mercado imobiliário. A poupança diminuiu e houve uma clara perda de poder de compra em 2022, segundo os dados mais recentes do INE. E apesar da subida do salário mínimo e do acordo de rendimentos com o setor privado, muitos portugueses não vão recuperar essa perda. Estamos perante uma crise económica, com a Europa e os Estados Unidos à beira da recessão, e todos estes fatores agravam o stresse das pessoas.

Sofia Ramalho relembra que se a situação se prolongar no tempo, o indivíduo “pode desenvolver uma depressão" e depois "há a somatização, uma dor física, algum outro tipo de problema físico que se dá pelo facto de haver alterações do nível psicológico”.

E há ainda outro aspeto a ter em atenção: “Quando aumentam os fatores de stresse há uma maior tendência a recorrer a farmacologia” - seja ansiolíticos ou antidepressivos – especialmente por haver uma lacuna a nível de psicologia nos cuidados de saúde primários.

Há uma ‘bola de neve’ invisível que condiciona a vida das pessoas. “Vou para o trabalho e levo esse fator de stresse, estou no local de trabalho e não me consigo concentrar”, exemplifica a psicóloga, afirmando que as empresas se deveriam preocupar com o bem-estar dos trabalhadores pois está em risco a sua própria produtividade. “Este ciclo vicioso não acontece só no trabalho. Gera mais fatores de stresse, mais conflitos individuais e familiares e quando aumentamos os conflitos não tomamos as melhores decisões financeiras”.

De qualquer modo, há formas de lidar com esta ansiedade.

Mas há soluções: assuma o controlo das suas finanças

Bárbara Barroso é especialista em finanças pessoais há quase duas décadas. Escritora de vários livros sobre o tema e fundadora da plataforma MoneyLab (com artigos de finanças pessoais e formações), trabalha todos os dias para dar ferramentas às pessoas para controlarem a sua vida financeira. E partilhou com o Expresso algumas dicas.

Além de se lidar com esta ansiedade a nível psicológico - que é um passo muito importante - é também necessário controlar as finanças pessoais, tentando assim evitar a continuidade deste stresse ou que ele se venha a repetir.

Mas não é só no lado do indivíduo que está a ‘bola’. O Estado também terá a sua responsabilidade. Além dos problemas estruturais que assolam o país - desde os salários baixos aos preços das casas - há falta de literacia financeira, quer entre os governantes, quer nos programas escolares. Do lado de quem nos governa, não há verdadeiros incentivos à poupança, por isso, Bárbara Barroso questiona:

Se quer "assumir as rédeas", é preciso analisar o problema. Já poupa? Já sabe como poupar? Já sabe quais as suas despesas? Quando se está a começar nesta vida de controlar as finanças é importante registar tudo, ao mais ínfimo detalhe, procurar as ‘poupanças escondidas’ (como o café extra, a aplicação que paga e não usa, ou mesmo serviços de streaming, entre outros) e começar logo a poupar, no momento em que se recebe o salário.

São estas algumas das dicas que a especialista tem para nós. Mas não são as únicas.

O fundo de emergência é mesmo a primeira etapa da poupança. De acordo com a especialista, isto significa ter de lado seis a 12 meses do custo de vida. Por exemplo, se as despesas mensais chegam a 1000 euros, “deveria ter um fundo de emergência de 6000 a 12.000 euros”. Como vamos fazer isso? Para uns pode ser mais difícil atingir este objetivo, então Bárbara aconselha a definirmos pequenas metas: "estabelecer pequenos objetivos, primeiro um mês, depois três meses, devagarinho, e à medida que vamos conseguindo estas mini metas libertamos ansiedade e começamos a assumir o controlo da nossa vida financeira".

Por fim, mas não menos importante, se conseguir passar por todas estas metas, começar a investir. “É preciso investir, de forma consistente, mesmo com poucos montantes. [Deve-se] quebrar o mito de que só ricos é que podem investir, pois perpetuando esse mito só os privilegiados é que continuam a investir.”

Margarida, Micael e Rita são apenas três de muitos portugueses que, hoje em dia, vivem com esta ansiedade financeira. Parece que andámos cerca de 10 anos para trás, mas estamos perante uma nova crise, com novas caras e um conceito que, até então, não era falado, mas não quer dizer que não existisse pois, tradicionalmente, o dinheiro sempre foi uma fonte de stresse.

O caminho não é, nem será, fácil. Mas não é impossível. "Não é impossível porque há quem o faça, mas com os preços das casas que temos, com os custos a aumentar, é de facto muito difícil", nota Bárbara. E para uns será mais difícil do que para outros pois cada família e cada indivíduo tem o seu próprio cabaz de inflação, os seus problemas e a sua forma de sentir e lidar com ansiedade financeira - seja qual for o seu nível de rendimento ao final do mês. Resta procurar ajuda - se e quando necessário - e passo a passo (ir tentando) assumir o controlo da vida.

Créditos

Texto Rita Robalo Rosa
Fotografias António Pedro Teixeira e D.R.
Vídeo e edição José Cedovim Pinto
Infografia Rita Robalo Rosa
Webdesign Tiago Pereira Santos
Ilustração Tiago Pereira Santos com Freepik
Animação Carlos Paes
Apoio web Maria Romero e João Melancia
Editor fotografia João Carlos Santos
Coordenação Miguel Prado e Joana Beleza
Direção João Vieira Pereira

Expresso 2023