O litoral a pedal

De Vila Real de Santo António a Caminha numa bicicleta elétrica

A ideia de percorrer a costa portuguesa a pedalar perseguia-me há muito e, em setembro de 2021, concretizei-a finalmente. Foi uma aventura, dura fisicamente – perdi 3 quilos –, mas muito gratificante no balanço final: paisagens, gentes, momentos, o mar – recordações que vou guardar com muito carinho.

Usei uma bicicleta elétrica de gama média/alta, que me permitiu autonomia na ordem dos 100 quilómetros – o que só consegui usando as ajudas do motor com muita parcimónia – e foi graças a ela que terminei esta aventura em 13 dias, esticados de sol a sol, com as etapas a começarem manhã cedo e a acabarem já perto do jantar.

Para os almoços, parava em esplanadas onde pudesse carregar a bateria e comer qualquer coisa ligeira; já para tirar fotografias e para dar um bocadinho à língua e perguntar o caminho, parei centenas de vezes. O momento mais desejado acontecia quando tomava um demorado duche na pousada da juventude – fiquei nestes estabelecimentos a maior parte das noites – e prolongava-se no jantar, em restaurantes recomendados, onde vingava a frugalidade dos almoços. Durante a noite a bateria da bicicleta ficava a carregar nos alojamentos, o que me permitia iniciar as etapas com a carga máxima.

Para quem quiser replicar esta viagem com uma bitola que ajude nos seus planos, fica o registo: tenho quase 60 anos, quase 100 quilos, meço 1,70 metro, sou fumador e passo horas infindas ao computador. Mas nado 1000 metros duas vezes por semana, procuro fazer pelo menos duas caminhadas de 1 hora e também dar 10 mil passos por dia.

Viajei de sul para norte, mas se fosse hoje teria começado ao contrário. Aqui fica o relato pormenorizado das etapas, com vídeos, mapas interativos e muitas fotografias. Ouse, inspire-se nesta reportagem e meta-se a caminho.

SUL

Do Algarve ao Sudoeste Alentejano

De Vila Real de Santo António até ao Cabo de São Vicente (Sagres), aproveito a Ecovia do Litoral nos troços onde aparece sinalizada – muito intermitentes –, mas valho-me igualmente da extensa rede de estradas costeiras, resultante da forte ocupação humana desta zona. É um percurso essencialmente plano, que segue, na maior parte do tempo, perto do mar.

Já do Cabo de São Vicente até Vila Nova de Milfontes, a presença humana é muito mais esparsa, as principais vias foram traçadas sobretudo no interior, o que me afastou mais do litoral. Optei por fazer alguns desvios até ao mar – os troços mais gratificantes –, fiquei com pena de não ter feito mais, mas os dias estipulados para chegar a Caminha não 'esticavam'.

Entrar com o 'pedal direito'. A foz do Guadiana, a formosura da ria e o encanto de Cacela Velha e das salinas da Fuzeta

Em Vila Real de Santo António segui o Guadiana até à foz, local simbólico, que marca o início sul da costa de Portugal continental. Dali parte um estradão que vai até à praia de Santo António, onde começa o agradável Caminho dos Três Pauzinhos, que desemboca na estrada M151, a única via de alcatrão que atravessa a Mata Nacional das Dunas de Vila Real de Santo António. Paralela a esta estrada, existe uma ciclopista, que rapidamente me levou até Monte Gordo, onde segui pelos largos passeios, sempre com a extensa praia à vista, recusando-me a olhar à direita, para a desmesurada frente de betão que marca, pela negativa, esta vila do sotavento algarvio.

100 metros depois de uma rotunda, já no fim de Monte Gordo, aparece à esquerda a indicação da Ecovia do Litoral (EL), que atravessa um pinhal ribeirinho num troço de terra batida. Já a chegar às casas da Retur, ladeei a pequena, mas mimosa, lagoa de Vila Nova e apanhei uma estrada até à N125, que por aqui tem as bermas largas, o que nos permite circular com alguma segurança. Na segunda rotunda, saí para Altura, aproximei-me do mar e entrei no panorâmico passadiço dunar que vai até Manta Rota.

De Manta Rota fui por estrada até Cacelha Velha – para mim a aldeia mais bonita do Algarve –, fiz uma pausa a contemplar o início da Ria Formosa e segui pela M1242 durante 1,2 km, altura em que saí para o sombreado caminho do Golf Quinta da Ria. Circulo na EL, que por aqui está bem sinalizada, rolo em estradões rurais e num ápice chego a Cabanas de Tavira. Segui pela marginal da vila até à rotunda que antecede o Golden Club, entrei na rua da Canada e 700 metros depois virei à esquerda em direção à ETAR de Almargem, onde apanho um estradão paralelo à linha do comboio. Atravesso uma ponte sobre a ribeira do Almargem, continuo pelo meio das salinas de Tavira e vou ter à rotunda em frente ao centro comercial Gran Plaza, onde o percurso começa a ser indicado por um risco azul no alcatrão – a sinalética da E.L. no interior das localidades. Atravesso Tavira, não resisto a parar no meio da ponte nova do rio Gilão para fotografar o centro histórico e passado o quartel da Atalaia viro à esquerda em direção a Santa Luzia – a 'Capital do Polvo' . Por esta altura, abandono o percurso da EL, que não passa nesta bonita localidade, mas que eu faço questão de atravessar.

Seguindo pela marginal de Santa Luzia, vou dar ao aldeamento de Pedras d'El Rei, inflito para norte e no fim das casas viro num estradão à esquerda, retomando a ecovia, que segue afastada da ria durante 4 km, até chegar a Torre de Aires. Rolo pouco mais de 1 km à beira-ria, deixo de ver as indicações da EL e opto por subir até à N125, por onde sigo até encontrar a saída para a Fuzeta. Nesta pitoresca localidade começa um troço de 6 km, um dos mais bonitos desta etapa, que atravessa salinas e que segue sempre junto à água, mas que acaba junto à praia dos Cavacos, onde subo novamente até à N125. Circulo durante pouco mais de 2 km nesta movimentada estrada, que aqui, felizmente, continua com bermas largas q.b. e saio na avenida Parque Natural da Ria Formosa, já dentro de Olhão. Atravesso a cidade em direção à marginal, mas depois sou obrigado a voltar à N125, onde faço 6 km até sair para o centro de Faro, o meu destino final.

Pinhal da Retur. Painel da Ecovia do Litoral

Cacelha Velha. A Ria Formosa

Tavira. O rio Gilão

Fuzeta. O 'Salva Vidas'

Estrada Nacional 125. Far West?

Pinhal da Retur. Painel da Ecovia do Litoral

Cacelha Velha. A Ria Formosa

Tavira. O rio Gilão

Fuzeta. O 'Salva Vidas'

Estrada Nacional 125. Far West?

O coração (de betão) do Algarve, os oásis do Ludo e da lagoa dos Salgados e o susto da bateria

Do centro de Faro onde pernoitei até à doca da cidade é um pulinho. Atravesso a linha férrea e volto à minha companhia preferida por estas paragens, a ria Formosa, que me vai acompanhar até ao seu término na praia do Garrão. Contorno o aeroporto e assim que entro na estrada da praia de Faro sou brindado com uma ecopista, que me leva direitinho ao início do troço mais bonito deste dia: os percursos do Ludo, que em conjunto com os passadiços de Loulé Litoral, somam 7 km inesquecíveis em pleno sapal do Parque Natural da Ria Formosa. Estou no coração do 'Algarve de luxo' e se à minha esquerda a ria e o mar me enchem a vista, à direita, os relvados e pinhais bem cuidados com elegantes moradias pelo meio, acrescentam valor a um cenário que não deixa ninguém indiferente.

Subo a avenida do Garrão, contorno o empreendimento de Vale de Lobo e rumo a outro ponto top desta etapa, a pouco conhecida praia de Loulé Velho. Um pequeno, mas formoso pinhal, obriga-me a desmontar da bicicleta, que o chão de areia assim o exige, mas logo depois começa um passadiço, que serve as praias da Lagoa e do Almargem e também os ciclistas ocasionais. À extensa marginal da popular Quarteira, segue-se a elitista Vilamoura e logo depois um oásis verde entre casas a perder de vista, a várzea de Quarteira, que atravesso pelo estradão da Rocha Baixinha. O casario ininterrupto de Aldeia das Açoteias, Olhos de Água, Santa Eulália e Albufeira misturam fronteiras, mas volto a ver o mar no miradouro sobre a praia dos Pescadores, onde faço uma pausa. Decido rumar à movimentada avenida dos Descobrimentos, a via mais rápida para fugir desta zona, que muitos consideram o coração algarvio e, embora a atenção aos muitos carros que passam por mim não diminua, já só penso no oásis que se segue.

CONTEÚDO PATROCINADO

CONTEÚDO PATROCINADO

O campo dunar da praia Grande de Pêra estende-se entre a lagoa dos Salgados e a ribeira de Alcantarilha. Betão só ao longe, que aqui o que vejo são muitas aves na lagoa, rebanhos de cabras que pastam em campo aberto e pessoas em saudáveis caminhadas nos passadiços que atravessam as zonas húmidas. No horizonte agigantam-se os prédios altos de Armação de Pêra e mais uma vez o truque, para evitar depressões, é olhar para a esquerda, para o areal da vila, que dá início à série de praias mais bonitas do Algarve. Entre estas escolho abeirar-me da de Benagil e da do Carvoeiro, com pena de ter de deixar para outra ocasião a da Senhora da Rocha, a da Marinha e tantas outra que enxameiam estas bonitas arribas.

O dia já vai adiantado, Lagos ainda está longe e acelero a pedalada até chegar a Ferragudo, onde não resisto a fazer uma pausa na altaneira Igreja de Nossa Senhora da Conceição, com vistas privilegiadas para a foz do Arade. Já na margem direita do rio, encanto-me com as vistas do casario de Ferragudo, passo na praia da Rocha e atravesso Portimão por vias rápidas nada amigáveis para ciclistas. Entronco na N125 e começo a preocupar-me com a carga da bateria que já está no último traço e, a meio de Odiáxere, com 113 km percorridos... a bateria berrou. A noite já caiu, as luzes da bicicleta são indispensáveis numa estrada tão movimentada como esta, interrogo-me se se manterão ligadas por muito mais tempo – mesmo depois de ter ficado sem o motor que me ajuda na pedalada, continuam acesas – e decido não arriscar. Aproveito para jantar um delicioso franguinho da Guia, acompanhado de uma farta salada, enquanto carrego a bateria no restaurante. Reposta a energia, minha e da bicicleta, faço tranquilo os últimos 8 km até ao centro de Lagos, onde me espera um reconfortante duche e uns lençóis lavados.

Passadiços de Loulé Litoral. Maravilha

Praia de Loulé Velho. Pastor com os seus cães

Pinhal da praia de Loulé Velho. Turista

Dunas da praia Grande de Pêra. Ainda há cabras

Ferragudo. O casario e as gaivotas

Passadiços de Loulé Litoral. Maravilha

Praia de Loulé Velho. Pastor com os seus cães

Pinhal da praia de Loulé Velho. Turista

Dunas da praia Grande de Pêra. Ainda há cabras

Ferragudo. O casario e as gaivotas

Adeus Algarve das multidões, olá Algarve mais genuíno. As primeiras subidas e o panorâmico estradão entre as praias do Amado e da Bordeira

A primeira paragem foi na praia da Luz, a segunda na praia do Burgau e sabia que 1,5 km depois desta última devia ter especial atenção para não falhar um trilho à direita – integrada na EL –, que me levaria até à praia da Boca do Rio pelo fértil vale alagadiço que a antecede. Já tinha percorrido este troço anteriormente, mas nem assim dei com o tal desvio, o que me deixou fulo com a degradação a que deixaram chegar as marcas da ecovia. Mas a zanga passou-me rapidamente, pois pela estrada por onde segui pude ver a Boca do Rio de cima, numa perspetiva que não conhecia. Salema é a praia que se segue, mas para lá chegar é preciso vencer uma pequena subida (400m), com uns impressionantes 20 graus de inclinação, que me obriga a usar a potência máxima do motor, situação que evito ao máximo por ser um rombo grande na carga da bateria.

Já não estou no Algarve plano por onde rolei até agora, muito menos estou no Algarve super povoado, circulo por uma estrada secundária, passo por Figueira e Hortas do Tabual e em Raposeira apanho a N125. Vila do Bispo é logo depois e claro que o meu destino seguinte é o mítico Cabo de São Vicente, o vértice onde acaba a costa sul e começa o litoral voltado a oeste. Opto pela N268, que passa em Sagres, onde faço uma vénia ao longe à não menos mítica fortaleza e chego então ao farol do Cabo de São Vicente, que aproveito para visitar – das várias vezes que aqui tinha estado o portão estava sempre fechado. No regresso a Vila do Bispo, viro à esquerda, a 2,5 km do farol, numa grande reta de uma estrada secundária, que logo depois se transmuta em estradão, atravesso a vila e volto a apanhar a N268, a principal via para norte.

Deixo Vila do Bispo para trás, com pena de não ter visitado as incríveis praias deste município – Ponta Ruiva, Castelejo e Cordoama, entre tantas outras –, mas Arrifana, onde vou pernoitar, ainda está longe e tenho de tomar opções se quero lá chegar com carga na bateria. E para além disso, sei que logo a seguir vou ter um dos momentos altos desta etapa, com o troço que vou fazer entre as praias do Amado e da Bordeira, a que quero dedicar algum tempo. São quase 7 km, num estradão no cimo da falésia, com o mar bravio desta zona a maravilhar-me quando olho à esquerda e as dunas intocadas à direita, que deixam ver a espaços o topo do alvo casario da Carrapateira. Destaque ainda para a sucessão de curiosos montes com cumes perfeitamente arredondados, que vemos já na N268 a caminho da Bordeira.

Da Bordeira segue-se uma subida a sério de 3 km, compensada pelos 11 km seguintes a descer, até ao desvio para a Arrifana que acontece a 0,5 km de Aljezur. E é aqui que aparece a rampa mais complicada que fiz até agora, uma 'parede' que me leva dos 12 metros de altitude aos 112, em 1,3 km. Sou obrigado a voltar a usar o motor na potência máxima, mas aqui a preocupação é só que a bateria aguente até ao fim da subida, pois o anoitecer ainda demora e a meta de hoje está a 7km. O prémio da jornada é-me concedido na esplanada da bonita pousada da Juventude de Arrifana, onde vou dormir, sob a forma de um pôr-do-sol esplendoroso, que me faz esquecer num ápice a dureza da etapa. E só para que fique registado, quando desmontei da bicicleta em frente à pousada, a bateria... foi-se. A sorte também é importante nesta aventura e eu não me posso queixar.

Praia do Burgau. Luz de manhã cedo

Hortas do Tabual. Algarve interior

Cabo de São Vicente. O norte, para onde vou

Estradão da Bordeira. Olá

Bordeira. Montes redondos

Praia do Burgau. Luz de manhã cedo

Hortas do Tabual. Algarve interior

Cabo de São Vicente. O norte, para onde vou

Estradão da Bordeira. Olá

Bordeira. Montes redondos

A excelência das praias de Aljezur, o adeus ao Algarve e a entrada com o pedal esquerdo no Alentejo

Ainda com a moral em alta, graças ao final da etapa anterior, comecei por descer até ao miradouro da praia da Arrifana, tirei as fotografias da ordem e rumei à Ponta da Atalaia, conhecida pelas ruínas do período muçulmano e onde se desfruta de uma vista ímpar sobre a costa a norte, pintalgada por múltiplos areais. Seguem-se a praia de Monte Clérigo, a que acedo pelo topo sul, através de um estradão à esquerda que entronca na estrada, a 400 metros do areal e a praia da Amoreira, que vejo em todo o seu esplendor do estacionamento da Taberna do Gabriel. Esta praia é, para mim, a mais bonita do concelho de Aljezur, com o encanto que lhe confere a ribeira de Aljezur que ali desagua. Na pousada de Arrifana já me tinha apercebido que a maior parte dos hóspedes eram surfistas, mas só intuo a importância desta 'tribo' na economia local nas praias por onde vou passando: metade dos banhistas ou estão em cima de uma prancha, ou andam com ela debaixo do braço.

Da Amoreira volto à M-1003-1 em direção a Aljezur e entro numa secção da estrada com vistas privilegiadas para o fotogénico vale da ribeira. Vou ter ao fim da grande subida que fiz ontem, hoje começo de uma descida que seria alucinante se, 150 metros decorridos, não tivesse virado à esquerda. Fiquei curioso com o dédalo de ruas que envolve o casario antigo de Aljezur na encosta e resolvo ir por ali. Só que não foi fácil: é um verdadeiro labirinto, tive de voltar para trás duas ou três vezes e só consegui sair daquele emaranhado de ruelas depois de ter perguntado o caminho. Já na rua principal de Aljezur atravessei a ponte, virei logo à esquerda, passei no estacionamento do mercado Municipal e segui uma vereda paralela à bonita galeria ripícola da ribeira de Aljezur. Esta vereda termina num pequeno parque de merendas, mas para lhe aceder tenho de passar a vau um afluente da ribeira que, felizmente, por esta altura levava pouca água.

Do parque de merendas sigo pela direita, passados 900 metros entronco na N120 e ao atravessar o casario do Rogil dou de caras com a indicação para a praia da Samouqueira e não resisto a fazer um desvio para ir conhecer esta praia onde nunca estive. Não me arrependo, o extenso areal não tem ninguém, nem tão pouco se veem pegadas de pessoas. Fico a conhecer mais um segredo desta costa, prometo a mim mesmo que hei de voltar para um dia de praia neste paraíso e retorno satisfeito à N120. Logo depois da localidade de Maria Vinagre viro à esquerda, em direção à praia de Odeceixe, um ex-líbris desta região – com todo o mérito, pois é realmente muito bonita –, fotografo-a do topo sul e sigo pela estrada paralela à ribeira de Odeceixe, até ao casario da povoação, que dista 3 km da praia. Segue-se o momento simbólico, o atravessar a ponte/fronteira sobre a ribeira de Odeceixe, onde me despeço do Algarve e dou as boas-vindas ao meu amado Alentejo.

Esta entrada no Alentejo não faz jus à província conhecida pelas extensas planícies, 'dizem-me' as minhas pernas depois de uma subida de 10 km até São Teotónio, que vence um desnível de 200 metros. Além disso, esta secção da N120 tem muito trânsito, bermas acanhadas e é, até agora, o troço mais desagradável desta viagem. Em São Teotónio decido 'fugir' pela M-502-1, mas depressa percebi que não foi uma boa opção: apesar das grandes retas, essencialmente planas, o trânsito continua a ser muito e as bermas mantém-se exíguas. Fui vítima do desejo de chegar cedo a Vila Nova de Milfontes e, por isso, descartei o caminho pela Zambujeira do Mar, que segue muito mais perto do mar, mas que somaria mais alguns quilómetros à etapa. Acabei por chegar cedo a Milfontes, como pretendia, mas a 'azia' com que fiquei por não ter ido pela Zambujeira, não me largou o resto do dia

Ribat da Atalaia. O norte

Praia da Arrifana. Surfistas

Praia da Amoreira. Foz da ribeira de Aljezur

Estrada M-502-1. A evitar

Vila Nova de Milfontes. O rio Mira

Ribat da Atalaia. O norte

Praia da Arrifana. Surfistas

Praia da Amoreira. Foz da ribeira de Aljezur

Estrada M-502-1. A evitar

Vila Nova de Milfontes. O rio Mira

CENTRO

O Sado e o Tejo, as serras da Arrábida e de Sintra, o sobe e desce da região Oeste e as poucas ciclovias

O segundo terço desta aventura contempla a maior parte das praias alentejanas, de águas frias, mas de enquadramentos ímpares. É um percurso essencialmente plano, marcado pelas grandes retas que começam em Sines e se prolongam até ao Sado. Depois de Setúbal vem a primeira serra digna desse nome, a Arrábida; na foz do Tejo o terreno volta a ficar mais plano, mas logo depois a serra de Sintra marca a entrada noutro território distinto.

A denominada zona Oeste é a parte mais dura desta viagem, com um sobe e desce quase permanente, que não mata mas mói e também não é agradável circular a maior parte do tempo longe do mar. Pela positiva destaco três pérolas: o Baleal, a pequena península onde as casas entram pelo mar adentro; a lagoa de Óbidos, onde consegui rolar junto às margens numa boa parte do perímetro e São Martinho do Porto, com a sua praia em forma de um semicírculo perfeito, a que poucos ficam indiferentes.

A etapa mais longa e com melhor média, as praias ímpares do Alentejo e o berbicacho para sair de Sines

De Vila Nova de Milfontes a caminho de Porto Covo, pela estrada CM1072, fiz um desvio de 2,5 km, num estradão algo esburacado e muito poeirento até à praia do Malhão, uma das minhas preferidas no sudoeste alentejano. Breve pausa para 'lavar a vista' nestas águas límpidas, que se espraiam nos extensos areais, e toca a voltar à CM1072 que a etapa hoje – para não variar – vai ser longa. A próxima paragem, para a inevitável fotografia, a que poucos dos que aqui passam resistem, é na reta que enquadra na perfeição a ilha do Pessegueiro. No fim dessa reta viro à direita, no estradão sobre o mar que vai até Porto Covo, mas em certos troços tenho de levar a bicicleta pela mão, que a areia é muita e sem vazar um bom bocado os pneus arrisco-me a cair. Após 1,5 km estou no porto piscatório da localidade mais popular do município de Sines, que mantém o bonito núcleo pombalino intacto, mas que tem crescido desmesuradamente nos arrabaldes.

Nos cerca de 22 km que medeiam entre a ilha do Pessegueiro e a praia do Norte – o início sul do maior areal português e um dos maiores da Europa, que só acaba em Tróia, 62 km depois, e que seria a pista ideal se a bicicleta rolasse bem em areia –, o traçado segue sempre junto ao mar, com os últimos 5 km em Sines, a decorrerem em ciclovia, onde se incluem os recentes passadiços pelas dunas, nas imediações do restaurante Estrela do Norte . Estes 22 km são os mais bonitos da etapa, com destaque para as inúmeras e espetaculares praias após Porto Covo, à distância de curtos desvios e para o grande areal de São Torpes, sempre muito frequentado, pois tem as águas mais tépidas da redondeza – quando a Central Termoelétrica de Sines estava em funcionamento vazava água quente por um canal, que aquecia o mar que com ele confinava.

Segue-se o grande berbicacho do dia, que é sair de Sines sem ser pela A26, interdita a bicicletas. Segui pela ecopista pintada de vermelho, que pega à via rápida, mas fui dar a uma rotunda onde acaba a ecopista e aparece o sinal de trânsito proibido a bicicletas. Voltei para trás, entrei na zona comercial onde estão os hipermercados e perguntei a um senhor que, felizmente, me soube explicar a saída: "Tem de ir em direção ao sítio de Ribeira de Moinhos, passa por cima da via rápida, ignora a 1ª saída à esquerda e sai na 2ª que é logo a seguir. Vai ter a uma estrada paralela à A26, segue sempre em frente até uma rotunda, já nas imediações de Vila Nova de Santo André e aí vai entrar na estrada principal, que apesar de ter duas faixas para cada lado já permite circular de bicicleta." E assim foi.

Almocei em Santo André, aproveitei para ver os horários do barco para Setúbal e meti na cabeça que iria apanhar o das 18h. Tinha menos de 3 horas para fazer cerca de 40 km e por precaução acabei por desistir do que tinha planeado, que era aproximar-me do mar na lagoa de Santo André e fazer um estradão até à lagoa de Melides. Entronquei na N261, a estrada plana e das grandes retas que vai até à Comporta, baixei os olhos, fixei o alcatrão e pedalei como se não houvesse amanhã. Fiz duas breves paragens sem sequer desmontar da bicicleta, pois com os dois pés no chão e os cotovelos no guiador, consigo uma posição estável para fotografar... e cheguei à Comporta com tempo mais do que suficiente para apear, beber um café e fazer os 14 km até ao barco num ritmo pausado. Infelizmente não vi golfinhos a atravessar o Sado, mas acabei a etapa mais extensa desta aventura às 19h, o que não foi nada mau.

Ilha do Pessegueiro. A estrada panorâmica

Porto Covo. Praias lindas

Porto Covo. Avestruzes no Alentejo

Sines. Praia do Norte

Comporta. Ainda há pescadores

Ilha do Pessegueiro. A estrada panorâmica

Porto Covo. Praias lindas

Porto Covo. Avestruzes no Alentejo

Sines. Praia do Norte

Comporta. Ainda há pescadores

A magia da Arrábida e do Cabo Espichel, o Tejo e a 'minha alegre casinha'

Já na 5ª etapa, ao contemplar a Arrábida na travessia de barco para Setúbal, tinha percebido o que me esperava: a primeira serra a sério desta aventura. Não me enganei quanto à dureza que é subi-la, mas não imaginava o gozo que tive ao fazê-lo. Ainda para mais, com a estrada fechada ao trânsito automóvel – medida aplicada pela CM de Setúbal durante o verão. O encanto começou logo por volta dos 4km, no parque de merendas da Comenda, com a neblina matinal a encobrir as torres de Tróia na outra margem da foz do Sado; continuou nas águas calmas e translúcidas da praia da Figueirinha; prolongou-se pelas vistas únicas que a rua Círio da Arrábida proporciona sobre o Parque Marinho da Arrábida e atingiu o clímax quando desci para a praia do Creiro e segui por um estradão à beira-mar até ao Portinho da Arrábida.

Breve pausa no Portinho, aproveitada para encher os pulmões desta maresia especial e para ganhar ânimo para a subida mais complicada das que fiz até agora, que vence um desnível de 250 metros em 4 km. No fim da rampa, com 15 km percorridos, o 1º traço da bateria apagou-se, quando em etapas mais planas costuma sumir-se por volta dos 30 km, o que exemplifica na perfeição que a autonomia da bateria depende muito dos desníveis do percurso. Sigo pela N379-1, entronco na N379 antes da Aldeia de Irmãos, rolo durante 6 km entre o casario de Santana e rumo ao místico e inevitável Cabo Espichel – uma viagem pelo litoral que não passasse aqui, não poderia ser considerada como tal –, onde sobressaem as suas arribas abissais, o Santuário e a quantidade de motas lá estacionadas. Uma pausa à sombra, merecida depois de ter 'vencido' a Arrábida, uma visita à igreja e volto para trás, pelo mesmo caminho.

Do Cabo Espichel, até ao cruzamento onde viro à esquerda – na Avenida das Forças Armadas –, são 6 km de subida suave, que são compensados pela descida mais acentuada feita até agora, que em 4 km me leva dos 197 metros de altitude até aos 34 metros da Aldeia do Meco. Quer o caminho para o Cabo Espichel, quer a grande descida, brindam-me com vistas inesquecíveis sobre os areais que vão da Costa da Caparica até à lagoa de Albufeira e num segundo plano, com a margem direita da foz do Tejo, desde o Restelo até ao Guincho. Segue-se a Lagoa de Albufeira e o dilema de tentar atravessar a Mata da Apostiça, ou seguir pela estrada contornando-a. Receio que o canal que liga a lagoa ao mar possa estar aberto e impossibilite a passagem, os trilhos de areia são tramados e podem obrigar-me a levar a bicicleta pela mão durante a maior parte do tempo e acabo por ir por Fernão Ferro, pela estrada.

Na Fonte da Telha volto a ver o mar, embalo na descida para a Costa da Caparica, apanho o paredão que tem uma via dedicada a ciclistas e rapidamente chego à Trafaria e ao Tejo. A travessia de barco é tranquila, volto a não ver golfinhos – já não são exclusivos do Sado – e chego ao paraíso para ciclistas que é a margem direita da foz do Tejo, com as suas ciclopistas junto ao rio, que vão até Caxias. Já só penso em chegar a horas à minha assembleia de voto, no concelho de Cascais – neste dia realizaram-se as eleições legislativas –, acelero a pedalada e chego muito a tempo. Tinha reservado estadia na Pousada da Juventude de Oeiras, mas não resisto a ir dormir a casa, aproveitando para 'matar as saudades' do meu querido netinho. Telefono para a pousada a anular a reserva e durmo que nem um anjo na minha rica caminha.

Arrábida. Serra mágica

Portinho da Arrábida. Névoa matinal

Cabo Espichel. Santuário

Costa de Caparica. Paredão

Rio Tejo. Lisboa à vista

Arrábida. Serra mágica

Portinho da Arrábida. Névoa matinal

Cabo Espichel. Santuário

Costa de Caparica. Paredão

Rio Tejo. Lisboa à vista

A companhia do Domingos, a serra de Sintra, o momento depressivo e as pessoas boas que me repuseram o ânimo

Hoje, pela primeira vez, tenho a companhia de outro ciclista: o meu amigo Domingos parte comigo de Oeiras. Usa uma bicicleta normal, sem motor e mesmo assim é ele que tem de refrear o andamento para não se afastar de mim – o que me prova de vez o quão lento é o meu ritmo. Fazemos parte do percurso pela marginal (N6), uma das estradas mais bonitas de Portugal, mas nada amigável para quem circula de bicicleta, pois tem as faixas muito estreitas. No fim de Cascais apanhamos a ecopista do Guincho, que nos leva até ao sopé da serra de Sintra, a segunda que vou ter de subir nesta viagem. São 8 km, que começam nos 14 metros de altitude e acabam nos 267, no cruzamento para o Cabo da Roca, sítio a que não posso deixar de ir pelo simbolismo que carrega – é o ponto mais ocidental da Europa. Chegamos lá num ápice, numa descida alucinante de 3 km, com 172 metros de desnível, que na volta se transforma numa subida... verdadeiramente dolorosa.

Despeço-me do Domingos, que volta para Oeiras, enquanto eu, já com saudades da companhia, retomo a minha pedalada solitária. Até à praia das Maçãs é sempre a descer, a fotogénica Azenhas do Mar é logo a seguir, mas depois começa um constante sobe e desce, afastado do mar, que me cansa e começa a preocupar: estou a usar ajudas do motor mais fortes e arrisco-me a ficar sem bateria antes de chegar a Santa Cruz. Penso nos ciclistas profissionais, no esforço sobre-humano que fazem nas longas etapas de mais de 200 quilómetros, com desníveis impressionantes, e concluo que, para além da condição física apuradíssima que têm, é na força mental que está a chave do seu sucesso. Neste momento estou em baixo psicologicamente, tudo me parece negro e tenho forçosamente de ganhar ânimo, pois desistir está fora de questão.

É em São João das Lampas, na paragem que faço para almoço e para carregar a bateria, que afasto as nuvens negras que pairavam sobre a minha cabeça. Abanco na esplanada do pequeno café Casa d'Aldeia, como a minha frugal refeição e quando vou pagar lembro-me que não tenho dinheiro:
- "Posso pagar com cartão?"
- "Não, não temos. Há ali um multibanco na esquina, mas não tem dinheiro. Eu também precisava, fui lá e vim de mãos a abanar."
- "Oh pá, que chatice. Como é que eu lhe pago agora?"
- "Paga depois, quando passar aqui outra vez."
- "Mas eu não sei se vou passar aqui mais alguma vez."
- "Não se preocupe, nem que seja daqui a dez anos, quando passar cá paga..."
Ainda há gente boa e bastou este simples episódio para me levantar a moral e para me dar o tal ânimo que procurava.
Nota: quando já estava a sair, lembrei-me do MB Way e não foi preciso esperar 10 anos para lá voltar.

Cinco quilómetros depois entronco na N247, dado o estado de espírito as subidas já não me parecem tão íngremes, as retas equiparam-se a suaves descidas e quando dou por ela estou na Foz do Lisandro, outra vez com o mar à vista. Segue-se a Ericeira, que atravesso pela rua das Furnas, a via mais perto da costa, faço uma pequena pausa para apreciar os surfistas no miradouro da praia de Ribeira d'Ilhas e, quase sem dar pelos 20 km que percorro entretanto, estou na Pousada da Juventude de Santa Cruz onde vou pernoitar. São 17h45, nunca cheguei tão cedo ao fim de uma etapa, tomo o meu banho retemperador e desço a pé até à praia. O centro de Santa Cruz é uma bela surpresa: a icónica torre sobre o areal, os toldos com riscas vermelhas e brancas, que dão sombra aos graciosos bancos na balaustrada sobre a praia, fazem-me recuar aos anos cinquenta e é enlevado com esta atmosfera que sorrio ao lembrar-me do mau bocado que passei no início da etapa.

Guincho. Ciclovia

Cabo da Roca. Ao fundo, a América

Azenhas do Mar. Postal ilustrado

Ribeira d'Ilhas. Meca do surf

Praia de Santa Cruz. Os gloriosos anos cinquenta

Guincho. Ciclovia

Cabo da Roca. Ao fundo, a América

Azenhas do Mar. Postal ilustrado

Ribeira d'Ilhas. Meca do surf

Praia de Santa Cruz. Os gloriosos anos cinquenta

As escarpas da Maceira, o Baleal, a Lagoa de Óbidos pelas margens e a baía perfeita de São Martinho do Porto

À saída da pousada apanho a ciclovia que corre paralela à N247, rolo descontraído, apartado dos poucos carros que vão passando e passados 5,5 km estou em Porto Novo. Faço um pequeno desvio para ver a praia, enquadrada à esquerda por um rochedo com uma santa no topo e à direita pelo imponente hotel Golf Mar, volto para trás, atravesso uma ponte e viro logo à direita, numa estreita estrada que diverge da principal. Esta estradinha é uma das joias desta zona, que franqueia as escarpas da Maceira, um desfiladeiro escavado ao longo de milénios pela ribeira de Alcabrichel, que dá a ideia de umas cortinas de palco que se abrem para férteis prados. Logo depois estou nas Termas do Vimeiro, passo pelas piscinas e saio na Maceira onde, no retorno à N247, me espera uma empinada subida de 4 km.

Atravesso agora um planalto, que me deixa descortinar pela primeira vez as Berlengas e começo a descer em direção ao mar. Faço um pequeno desvio até à praia da Areia Branca, volto à N247 e a mais uma subida de 3 km até ao Casal do Alto Foz onde, entre cuidadas leiras repletas de couves, se tem uma vista privilegiada sobre a península de Peniche. Segue-se uma descida de cerca de 12 km até ao centro da cidade, que tem um dos maiores portos de pesca tradicional de Portugal, dou uma pequena volta pela estreitas ruelas do centro e saio pela avenida da Praia, que acompanha a meia lua da baía de Peniche de Cima. O Baleal, uma pequena península, dentro da península maior que é Peniche, obriga a uma paragem e a muitas fotografias, tal a singularidade daquele núcleo de casas que entram pelo mar adentro.

Depois do Baleal, opto por infletir para o interior em direção a Ferrel, não arriscando ir pelo emaranhado de estradões junto ao mar que vão dar à praia d'el Rey, o que me vale mais uns quilómetros nas pernas e mais uma subida que só termina depois de Casais de Mestre Mendo. No retorno às proximidades do mar, em direção à praia D'el Rey, recupero o fôlego numa bem-vinda descida até aos luxuosos empreendimentos turísticos em redor de campos de golf, que se espraiam até à beira-mar e aproximo-me do ponto alto desta etapa: a Lagoa de Óbidos. Numa descida, antes das primeiras casas de Casal da Lapinha, saí da M573 para um estradão à esquerda, que margina a lagoa durante 5 km e que acaba no restaurante Covão dos Musaranhos. Daqui volto à M573, ando pouco mais de 1km, saio à esquerda, em Santa Rufina volto novamente à esquerda e 2km depois volto a aproximar-me da margem da lagoa, que não largo mais até à Foz do Arelho.

Sei que ainda me faltam cerca de 20 km para chegar ao fim da etapa, que a maior subida do dia ainda está para vir e decido fazer uma paragem numa das agradáveis esplanadas da Foz do Arelho, onde aproveito para carregar a bateria da bicicleta. Meia hora de carga dá-me a confiança suficiente para enfrentar a rampa de 5,5 km, que me leva do nível do mar aos 158 metros de altitude, mas depois, com a exceção de uma subida com pouco mais de 1 km, é sempre a descer até São Martinho do Porto, onde chego já com o sol a pôr-se. Vou dormir à Pousada da Juventude de Alfeizerão, que fica num local isolado, e decido jantar num restaurante com vistas para a baía de São Martinho do Porto, que forma um encantatório semicírculo perfeito. De barriga cheia e bateria novamente carregada – aproveitei o jantar para a ligar novamente à eletricidade –, já só quero um duche e uma cama e acabo por fazer os 6 km que faltam na ajuda máxima do motor, tal é a pressa de chegar.

Escarpas da Maceira. Um segredo

Casal do Alto Foz. As couves, Peniche e as Berlengas

Lagoa de Óbidos. Estradão

Foz do Arelho. Névoa de fim de dia

São Martinho do Porto. E o sol já se foi

Escarpas da Maceira. Um segredo

Casal do Alto Foz. As couves, Peniche e as Berlengas

Lagoa de Óbidos. Estradão

Foz do Arelho. Névoa de fim de dia

São Martinho do Porto. E o sol já se foi

NORTE

A tristeza do Pinhal de Leiria vs. a alegria das ciclopistas planas junto ao mar

Contrariamente ao interior norte, o litoral homónimo é uma zona bem mais plana, só quebrada pela serra da Boa Viagem na Figueira da Foz. Este último terço do litoral, distingue-se fortemente dos outros dois a sul, pela quantidade de ciclovias e passadiços, que nos permitem rolar em segurança e na maioria dos casos junto ao mar. A lagoa de Mira, a ria de Aveiro e a foz dos rios Douro, Ave, Cávado, Lima e do Minho são os destaques.

Como pontos negativos, destaca-se o resultado ainda bem visível dos incêndios de 2017, que consumiram cerca de 90% do Pinhal de Leiria e o avanço do mar, que levou à construção de inestéticos paredões de grandes pedregulhos, com o intuito de proteger localidades que dantes tinham vistas desafogadas para o mar e que agora têm... para esses paredões.

62 km de ciclovias, a ribeira de São Pedro, as dunas desnudas e a nortada malcheirosa

Em Alfeizerão apanho a N242 e uma dúzia de quilómetros depois estou a entrar na Nazaré. Lembro-me do ascensor para o Sítio, interrogo-me se leva bicicletas, faço um telefonema, confirmo que sim e sigo, animado, para a baixa da vila. O ascensor tem uma plataforma exterior, que acomoda a bicicleta na perfeição, o problema está na empinada escadaria que tenho de galgar, com ela às costas, para sair da estação no Sítio. Depois da fotografia da praxe no miradouro para a praia da Nazaré, atravesso o casario, apanho a estrada do Pinhal e chego ao paraíso: o início da Ciclovia da Estrada Atlântica, que ao longo de 62 km liga a praia do Norte, na Nazaré, à praia do Osso da Baleia, já no concelho de Pombal.

É um descanso ter uma via dedicada às bicicletas, apartada dos veículos automóveis e mais ainda quando a mesma segue paralela à linha de costa. Praia de Paredes da Vitória, praia da Polvoeira e logo depois São Pedro de Moel, a localidade rainha desta costa, rodeada do centenário Pinhal de Leiria – por aqui ainda intacto –, com as suas bonitas moradias anos cinquenta a darem-lhe um encanto muito especial. Segue-se o altaneiro Farol do Penedo da Saudade, o extenso areal da praia Velha e logo depois, a seguir a uma curta descida, o sítio que mais me encanta nesta zona: a ribeira de São Pedro. Virando à direita, entramos numa estradinha paralela à ribeira, que tem uma luz única, filtrada pelas árvores em redor; virando à esquerda temos uma pequena laguna no areal, formada pela foz da ribeira e o bar Oldbeach, com uma esplanada onde os fins de dia são memoráveis.

Mas claro que 'não há bela sem senão', o que comprovo meia dúzia de quilómetros depois, quando o pinhal que me rodeava se transforma num deserto de dunas desnudas, consequência ainda bem visível dos trágicos incêndios de 2017 que arrasaram 90% do Pinhal de Leiria. Circulo na grande reta de 15 km, que vai até à Praia do Pedrogão e, paradoxo terrível, em alguns pontos até consigo ver o mar à minha esquerda, coisa que antes desta razia provocada pelo fogo era impossível, pois os pinheiros tapavam tal vista.

De Pedrogão faço uma subida de 3 km até à Lagoa da Ervideira, que ainda assume mais o epíteto de oásis, pois à sua volta escaparam-se incólumes alguns pinheiros e continua a travessia do 'deserto', agora com duas chatices acrescidas, que se juntam à tristeza da paisagem: levantou-se uma nortada, que mesmo nos troços a descer me obriga a pedalar e paira no ar um cheiro pestilento. No cruzamento para a praia do Osso da Baleia acaba a ciclovia, entro na M1021, que me leva até à N109, uma estrada com imenso trânsito de camiões, mas que tem bermas largas. São 17 km a descer, até à Figueira da Foz, que faço a abrir, passo na celulose de Leirosa, percebo de onde vem o cheiro horrível que se sente a 30 km, e chego à ponte sobre o Mondego, que atravesso a pedalar, pelo passeio de peões do lado direito. No fim da ponte fico em choque: há uma mísera abertura no rail de proteção, que dá... para o acesso da A14. Tenho de atravessar esse acesso desmontado, em passo de corrida, com um cuidado extremo, que o trânsito é muito, mas lá consigo sair daquele perigo que me acelerou o coração.

Nazaré. O ascensor

Sítio da Nazaré. Vão uns tremoços, freguês?

São Pedro de Moel. Foz da ribeira de São Pedro

Pinhal de Leiria. Consumido pelas chamas

Figueira da Foz. Perigo no fim da ponte

Nazaré. O ascensor

Sítio da Nazaré. Vão uns tremoços, freguês?

São Pedro de Moel. Foz da ribeira de São Pedro

Pinhal de Leiria. Consumido pelas chamas

Figueira da Foz. Perigo no fim da ponte

O atalho da serra da Boa Viagem, a 'estrada queijo suiço', a lagoa de Mira e a ria de Aveiro

A praia da Figueira da Foz, juntamente com a de Buarcos, tem mais de 2 km de comprimento – com uns impressionantes 700 metros de areal, desde o paredão até ao mar –, os mesmos que pedalo nos largos passeios, o que é uma boa maneira de começar o dia. Sei que logo depois vou ter de ultrapassar a serra da Boa Viagem, mas também sei que há um atalho, que me vai poupar as pernas, ao evitar subir durante mais 3 km, que era o que me acontecia se seguisse pela N-109-8. O 'truque' para apanhar esse atalho passa por contar 1,5 km desde o início da subida – em Buarcos –, altura a que se chega a um entroncamento, onde devemos virar à esquerda. 350 metros depois, antes do farol do Cabo Mondego, à esquerda, está o estradão que nos leva direitinhos até à praia de Quiaios.

Daí a direção a seguir é a povoação homónima e aí chegados, procurar a estrada Florestal 1, que é uma sucessão de buracos e o caminho mais curto para chegar a Mira. E de uma coisa podemos ter a certeza: vão ser poucos os carros com que nos vamos cruzar, pois só mesmo quem não conhece o estado da via arrisca vir por aqui. Nos metros iniciais desta estrada circulo no meio de um frondoso pinhal, mas é sol de pouca dura, pois bastam umas centenas de metros para voltar ao 'deserto', onde os poucos núcleos de pinheiros que se vêem no horizonte, morreram de pé, calcinados. Circulo numa reta a perder de vista, passo o cruzamento para Palheiros da Tocha e quando volto a ver pinheiros vivos, sei que Mira se aproxima.

O percurso interpretativo da lagoa de Mira, uma série de painéis nas margens da lagoa, chama-me a atenção, dedico-lhes meia hora, que não dou como mal empregue e vou espreitar a frente mar desta simpática vila. Saio da localidade pela Avenida Infante Dom Henrique, na primeira rotunda que encontro viro à esquerda e sigo paralelo a um canal da ria de Aveiro coberto de plantas, ao ponto de mal se ver a água, até encontrar uma pequena ponte que atravesso. Entro na CM521, no primeiro entroncamento viro à esquerda, aparece-me uma ponte, passo para o outro lado, sigo pela direita e quando chego a um pequeno parque aquático viro para a praia e entro num passadiço que me leva até à Vagueira. Para sair desta localidade, conhecida pela Arte Xávega que ainda se pratica na sua praia – neste dia os barcos estavam todos em terra–, sigo para leste e antes da ponte apanho uma ciclovia que se prolonga até à praia da Barra.

Tenho de apanhar o ferry para São Jacinto, atravesso a ponte para a Gafanha da Nazaré, local do cais de embarque, onde chego pouco depois das 15h. Estranho não ver ninguém por ali, vou ver os horários e só tenho barco às 17h. Aproveito para carregar a bateria da bicicleta na sala de espera – benditos telemóveis que espalharam tomadas elétricas por todo o lado – e o tempo passa num instante. Em São Jacinto troco a beira-mar pela beira-ria, a estrada, com pouco trânsito, não podia estar mais em cima das águas tranquilas da lagoa, a espaços há bandos de flamingos nos baixios, pescadores tentam a sua sorte das margens e eu pedalo em estado de graça. Na Torreira fotografo os coloridos moliceiros no cais da ria, atravesso o casario e vou registar a frente mar – a única localidade portuguesa, que eu saiba, com duas frentes para planos de água – e quando dou por isso o sol põe-se. Ovar está perto, a fome já aperta e pela 3ª vez desde o início desta viagem, decido jantar antes de chegar ao alojamento.

Serra da Boa Viagem. Praia de Quiaios

Estrada Florestal 1. "Vai para norte? Para sul o vento empurra-nos"

Mira. O casarão da lagoa

Vagueira. Quase a chegar

Ria de Aveiro. O moliceiro e os flamingos

Serra da Boa Viagem. Praia de Quiaios

Estrada Florestal 1. "Vai para norte? Para sul o vento empurra-nos"

Mira. O casarão da lagoa

Vagueira. Quase a chegar

Ria de Aveiro. O moliceiro e os flamingos

A etapa plana, quase sempre em passadiços e ciclovias em cima das praias, e o preocupante avanço do mar

Da Pousada da Juventude de Ovar saí em direção ao mar, na 1ª rotunda virei à direita e pouco depois apanhei a ciclovia do Furadouro, a porta de entrada do Perímetro Florestal das Dunas de Ovar, o último grande pinhal costeiro – se não contarmos com a mata do Camarido – no extremo norte. À chegada à praia de Cortegaça tomo consciência do propagado avanço do mar, que obrigou à construção de pesados molhes de pedregulhos, no intuito de evitar que o mar invada as casas mais próximas da costa, mas que só adiam o inevitável. É uma solução inestética, que me deixa triste, mas depressa recupero o ânimo ao entrar na barrinha de Esmoriz, um santuário da natureza, onde circulo, extasiado, nuns passadiços que me levam até à beira-mar.

Da barrinha de Esmoriz até Espinho é um passadiço contínuo, onde por vezes chegam os salpicos das ondas, dada a proximidade do mar; na larga avenida marginal da cidade, o chão de madeira dos passadiços é substituído pelo cimento pintado de vermelho da via dedicada às duas rodas e no fim do casario... voltam os passadiços. Neste troço, a linha de comboio está mais próxima do que nunca e quase que dá para dizer adeus aos passageiros. Já se avista a Granja e logo depois Aguda e mais uma boa surpresa: como se não bastassem os passadiços, que continuam a acompanhar o areal, começa uma ciclovia, larga q.b. para acomodar uma via exclusiva para bicicletas e caminhantes. Segue-se um dos ícones desta etapa, a Capela do Senhor da Pedra, implantada nuns rochedos à beira-mar, que com a maré cheia se transformam numa ilha. Pausa obrigatória para uma mão cheia de fotografias e segue viagem que isto hoje está a superar as expectativas.

A foz do Douro está a 8km, o percurso continua a contar com a opção de passadiços ou ciclopista, ambos com vista para o mar, ambos planos e a dificuldade é só uma: escolher em qual quero rolar. A próxima paragem é na Afurada, um porto de pesca artesanal, com vistas privilegiadas para o Porto, onde ainda se vêem mulheres a lavar a roupa no tanque comunitário, que depois seca logo ali ao lado, num emaranhado de estendais. Seguem-se 12 km nas margens do Douro, seis na esquerda, que terminam no cais de Gaia, outros tantos na direita, com a ponte Dom Luís a franquear a entrada na castiça Ribeira. As margens ribeirinhas das duas cidades – Porto e Gaia – olham-se olhos nos olhos, rivalizam em atratividade, mas o o diabo que escolha qual a mais bela, que eu não sou capaz.

Continuo a pedalar, agora sobranceiro às praias do Porto, a que se segue Matosinhos, onde atravesso a ponte para Leça da Palmeira, que me dá acesso a mais do mesmo do que tem caracterizado o dia: avenidas largas, passadiços e ciclovias, sempre junto ao mar. Destaque para a faixa de Paisagem Protegida e para a Reserva Ornitológica do Mindelo, que antecedem Vila do Conde e para a margem direita da foz do Ave, que percorro depois de ter atravessado a ponte e que me leva até à bonita capela de Nossa Senhora da Guia. O casario da Póvoa do Varzim prolonga o de Vila do Conde, tornando indefinida a fronteira entre as duas cidades.

A partir de A Ver-o-Mar começam as dunas cultivadas – férteis leiras em solo de areia –, vêem-se alguns fardos de sargaço nas praias e mais à frente os curiosos moinhos de Apúlia. Tempo ainda para ir ver as tristemente célebres torres de Ofir, que o mar ameaça engolir há já uns anos, cuja demolição já foi anunciada várias vezes, mas que lá se mantêm hirtas - firmes não sei.

Esmoriz. As povoações emparedadas

Barrinha de Esmoriz. Encantatória

Capela do Senhor da Pedra. Praia de Miramar

Afurada. Secar a roupa

Vila do Conde. Conversas com vista

Esmoriz. As povoações emparedadas

Barrinha de Esmoriz. Encantatória

Capela do Senhor da Pedra. Praia de Miramar

Afurada. Secar a roupa

Vila do Conde. Conversas com vista

E eis que chega a chuva, na etapa que acabou às 9h30 e onde gozei uma folga inesperada

Nos planos para esta viagem programei a última etapa com pouco mais de 60 km, para me poder despedir desta aventura com toda a calma. Na véspera desta última etapa, vi a previsão meteorológica e assustei-me pois anunciava chuva, muita chuva. Olhando com mais atenção, notei uma aberta entre as 7h e as 12h, tempo suficiente para chegar a Caminha. Às 7h estava a chover, às 7h15 parou e eu arranquei. Em Esposende, com 3km de marcha, parei para tomar um café e... começou a chover. Tinha um saco para tapar o alforge, um corta vento supostamente impermeável e meti-me ao caminho apesar da borrasca. Passada meia hora estava encharcado. Comecei a pensar nas fotos, que com este tempo iriam ficar uma nódoa, o desconforto da roupa molhada aumentava a cada pedalada e decidi abortar a etapa em Viana do Castelo, onde tinha reserva para essa noite na pousada local. Em vez das 12 etapas iriam ser 13, não era grave.

O percurso da curta etapa não tem muito que se conte, mas aqui fica o registo: a Pousada da Juventude de Ofir, nas margens do rio Cávado, fica perto da ponte de Fão, por onde entro em Esposende. No início da cidade, marcada pela beleza especial que o estuário do Cávado lhe dá – hoje esmorecida pelo dia cinzento –, começa uma ciclovia, que no fim do casario dá lugar a um passadiço. Na praia de Rio de Moinhos inflito para leste, até à N13, a via mais direta para Viana do Castelo. É uma estrada com algumas subidas, muito trânsito e com bermas estreitas na maior parte do percurso, que percorro abusando das ajudas do motor, pois hoje a última preocupação é poupar a bateria, sendo que a primeira é chegar o mais depressa possível à pousada.

Fica por explorar o litoral de Esposende a Viana, que sei já ter alguns troços da Ecovia do Litoral Norte operacionais – quando concluída terá uma extensão de 73 km, unindo os territórios de Esposende, Viana do Castelo e Caminha -, mas a opção está tomada e não vale a pena chorar sobre leite derramado. Até porque em Viana, quando vejo a previsão meteorológica para o dia seguinte, depressa esqueço a molha e o dia cinzento: amanhã a chuva vai parar e volta o sol, o que quer dizer que posso fazer o troço final, até Caminha, com as condições ideais. E confesso, soube-me muito bem acabar a etapa às 9h30 e ter o resto do dia livre. Afinal, ao fim de mais de 1.200 km a pedalar, é uma prenda mais do que merecida.

Esposende. A chuva que me deu uma folga

Esposende. Peregrina de São Tiago

Esposende. O pescador patriota

Esposende. A chuva que me deu uma folga

Esposende. Peregrina de São Tiago

Esposende. O pescador patriota

A etapa mais lenta, mais aprazível, a lagoa da luz mágica, a mata do Camarido e a minha idade

Para fechar com chave de ouro, dificilmente poderia ter melhor etapa. Rolo sempre com o mar à vista, paro imensas vezes para fotografar, quer porque a paisagem mo exige, quer porque hoje, pela primeira vez durante esta viagem, não estou pressionado pelo tempo. Dentro da cidade, os amplos passeios nas margens do rio Lima são ótimos para andar, quer a pé, quer de bicicleta, passo a barra do Lima e o casario é substituído por parcelas agrícolas – resultantes de anos e anos de uso de sargaço e estrume, que transformaram dunas de areia em terras férteis –, que pintam de verde o cenário à minha direita. Estou em plena Ecovia do Litoral Norte, num estradão largo, onde cada vez me cruzo com mais peregrinos de Santiago, com a concha de vieira, símbolo do Santo, pendurada na mochila. As praias do Canto Marinho e do Carreço ficam para trás e aproximo-me do promontório de Montedor.

A primeira subida do dia – e digna desse nome, pode dizer-se que única – dá-se por esta altura, num troço lajeado de grandes pedras, por onde entrei na povoação de Montedor. Já a descer atravessei um pequeno e frondoso bosque, desemboquei na praia de Paçô a que se segue a de Arda e logo depois tenho uma boa surpresa com a foz do rio de Afife, também conhecido por ribeira de Cabanas: uma pequena lagoa antes do areal, com a luz filtrada pelas árvores que a rodeiam, a revelar bonitas matizes, que dão a este recanto uma áurea muito especial. Sigo mais umas dezenas de metros, passo o estacionamento da praia de Afife e mais à frente o trilho transforma-se numa vereda por entre vegetação densa, que me deixa na dúvida se dará passagem para o forte do Cão. Enquanto pondero se avanço ou se recuo e procuro um caminho alternativo, irrompe um rapaz da vereda que me confirmou que consigo ir de bicicleta por ali.

Depois da vereda, a ecovia volta a estar sinalizada, entro nos passadiços do forte do Cão, que me levam até junto da foz do Âncora, atravesso o rio numa pequena ponte à beira da ponte ferroviária e pouco depois estou na marginal de Vila Praia de Âncora. Umas centenas de metros e dá-se um momento simbólico desta viagem, quando posso afirmar meta à vista, ao distinguir ao longe a forma piramidal perfeita do monte de Santa Tecla, 'guardião' espanhol da foz do rio Minho, onde acaba a costa atlântica portuguesa e esta minha viagem. Segue-se Moledo e a sua ínsua, ocupada por um forte militar do século XVII, este sim um verdadeiro guardião da foz do rio fronteira. Para terminar em grande, falta atravessar a histórica mata do Camarido, mandada plantar por D. Dinis há seis séculos e que nunca foi vítima de nenhum grande incêndio, o que explica a existência por aqui de pinheiros com mais de 130 anos. É pois em êxtase que sigo pelo estradão central desta mata e é com verdadeira emoção, que quase no fim, vislumbro por entre o arvoredo, as águas do rio Minho.

Da margem do rio, existe um passadiço que me leva à praia da Foz do Minho, o ponto mais a noroeste de Portugal e aqui sim, posso afirmar: missão cumprida! Ainda pedalo até Caminha, a cidade mais próxima deste extremo de Portugal, onde apanho o comboio para Viana do Castelo. Quando o revisor se aproxima, fica uns segundos a observar a bicicleta, entabula conversa e quando lhe digo, orgulhoso, que tinha vindo de Vila Real de Santo António naquela bicicleta, comenta: "Oh pá, isso foram muitos quilómetros para alguém da sua idade". Respondi-lhe que sim com a cabeça, ao mesmo tempo que senti um sorriso - se calhar meio amarelo - a aflorar nos meus próprios lábios. Não me considero velho, mas os espelhos onde a maior parte de nós se vê, não são tão sinceros como o da madrasta da Branca de Neve.

Ao todo, foram 13 dias a pedalar, onde somei 1264 quilómetros, o que deu uma média diária de 97 km. No total estive 73h55 a pedalar, uma média de 5h41 por dia. Mas 128h15 foi o tempo que passei com a minha 'amiga de duas rodas', quase 10 horas diárias, contadas entre o pegar nela de manhã e arrumá-la ao fim da tarde. Já a média de quilómetros por hora, ficou-se nos 17.

Viana do Castelo. Moinho na ecovia

Montedor. A única subida

Foz do rio de Afife. Luz mágica

Vila Praia de Âncora. Passadiços verdejantes

Mata do Camarido. O final

Viana do Castelo. Moinho na ecovia

Montedor. A única subida

Foz do rio de Afife. Luz mágica

Vila Praia de Âncora. Passadiços verdejantes

Mata do Camarido. O final

DICAS ÚTEIS

A bicicleta elétrica

Reduz significativamente o esforço de pedalar
Não tem acelerador. Se não se pedalar, não anda
Sem bateria só se fica sem ajuda para pedalar. De resto é uma bicicleta normal
Tem vários níveis de ajudas. Quanto mais altos, mais bateria gastam
Saber conjugar as mudanças – iguais às das bicicletas tradicionais – com ajudas mais baixas, é o segredo para aumentar a autonomia

 Transportar a bicicleta

Dentro do comboio

Dentro do comboio

As cidades terminais, Vila Real de Santo António e Caminha são servidas por comboio
Os Intercidades – e as categorias abaixo – transportam bicicletas gratuitamente
É conveniente comprar bilhete antecipadamente para garantir lugar – são limitados –  para a bicicleta
Para saber mais clique aqui

 Dormir

Pôr do sol na Pousada de Arrifana

Pôr do sol na Pousada de Arrifana

A rede das Pousadas da Juventude – que albergam pessoas de todas as idades – cobre quase toda a costa
Cerca de €15 garantem uma cama numa camarata e pequeno-almoço
Muitas têm cozinha onde se pode confecionar refeições
Para saber mais abra este link

O que faria diferente

Baleal. Berlengas ao fundo

Baleal. Berlengas ao fundo

Teria pedalado no sentido norte-sul. Os ventos predominantes sopram de norte
Mais dois dias teriam permitido explorar as praias entre Salema e Vila do Bispo e à volta da Zambujeira
Tirava um dia de folga, sensivelmente a meio do percurso e agendava uma visita às Berlengas

Metodologia

Pescadores em Monte Gordo

Pescadores em Monte Gordo

Marquei o caminho no Google Earth, etapa a etapa, e imprimi em papel
Usei esporadicamente o GPS, sobretudo em pequenos trajetos entre localidades
Não houve um único dia em que não mudasse o planeado. A maior parte das vezes depois de conversar com quem me cruzava e me apontava alternativas melhores
Perguntar o caminho é também um pretexto para boas conversas. Regra geral, as pessoas têm orgulho nas suas terras e é um prazer ouvi-las contar as histórias locais

Créditos

Texto e fotografia João Paulo Galacho
Vídeo, drone e edição Tiago Pereira Santos
Infografia Sofia Miguel Rosa
Webdesign Tiago Pereira Santos
Apoio web João Melancia
Coordenação Joana Beleza
Direção João Vieira Pereira

Expresso 2022