"Apanhou um táxi e disse, - um desastre quanto é?"

A ficha oficial de Nuno Moura diria que tem 44 anos, 3 filhos, vários livros publicados, ainda mais poemas ditos.

O que importa, no entanto, não é o curriculum do tempo e dos feitos literários deste homem que prefere desformatar a ideia solene de poesia tanto na forma como a escreve como na forma como a diz.

Nuno Moura escreve para dizer e diz como muitos poucos. Não são necessariamente leituras os espetáculos que leva a escolas e a outros palcos do país, sempre acompanhado, ora com o duo COPO (uma abreviatura para Coletivo Poético) ora com o grupo Ventilan – 4 homens asmáticos que, precisamente, usaram o nome do medicamento que restitui o ar em falta durante as crises de asma, para o agrupamento poético.

Trabalhou em publicidade, primeiro como estagiário, depois copy júnior e depois copy sénior. Ganhou bom dinheiro mas não conseguiu manter a actividade: "sabes o que é fazer anúncios para a Cofidis?" Faz a pergunta e responde: "Pensei, o que é que eu estou aqui a fazer a ajudar a enterrar as pessoas?" Saiu para "comprar tempo" e poder fazer o queria, "escrever e passear".

Em 1997 concorreu a uma bolsa de criação literária do Ministério da Cultura e ganhou-a. Esteve um ano em casa a escrever. Um ano depois criou a editora Mariposa Azual ao lado de Helena Vieira e publicou um livro que foi recentemente reeditado: "A Nova Asmática Portuguesa".

A Mariposa Azual é o primeiro projeto editorial ao qual se seguiram Mia Soave e Douda Correria. Os nomes escolhidos para as editoras são tirados da poesia de Ângelo de Lima, "porque gosto dos loucos".

Alfacinha, ex-jogador de polo aquático e ex-professor de natação, Nuno Moura é um poeta e editor que nos convoca para o avesso da ideia feita de poemas bonitos e arrumados. "Surrealizar por aí" talvez seja o que anda a fazer, mas não necessariamente para ser "popular".

O fio da Navalha é o nome do primeiro livro que o prendeu e podia também ser uma metáfora para aquilo que Nuno Moura se propõe fazer quando escreve e quando diz poemas.

Tem no curriculum 9 livros publicados, participou em várias revistas literárias e está representado nas melhores antologias da poesia portuguesa mas, ao contrário de muitos poetas, diz que em pequeno não queria ser escritor e conta que nem sequer se deixou enamorar pelos primeiros versos que leu na escola.

O encontro sem retorno foi mais tarde, primeiro com os surrealistas e, depois sim, com "o resto".

Aos 44 anos é um dos vários editores que dão voz à muita poesia portuguesa contemporânea. Diz-se "espantado" porque "nunca houve uma movida tão grande na poesia" mas considera uma "grande vantagem haver cada vez mais poetas porque se alarga o leque de leitores e compradores."

Gosta do surrealismo, pratica-o, mas diz que "o rei" da poesia portuguesa é Luís de Camões.

A poesia serve para quê?

"Antes de adormecer, lavar o teclado, antes de secar os lábios à toalha, lavar as penas e os pincéis, mandar parar as obras e dizer para avançar o pintor. O sol doura os frutos, não imaginas como é bonita a cor deste óleo. Parar a escrita e mandar avançar o dia."

Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?

"O ego é isto
amanhece
ò Sra. Salvação
traga bacon."

Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?

"Este poeta quer ser sepultado em Paparico, em Avós de São, em Taba de Louro, perto de Nonome, entre Vielada e Calielas. O poeta quer ser sepultado no desenho da escola, no desenho de uma rapariga e no desenho de um rapaz. A rapariga tem olhos superiores, tem a língua de fora. O poeta quer ser sepultado nesta rapariga. O rapaz tem corpo de ponto de interrogação, luminoso. O poeta quer ser sepultado neste rapaz."

Um bom poema é...

"Esse poema tem o diâmetro postal do pára-quedas e a sensibilidade do ancinho na ponte de plástico. Esse poema acredita que uma pitada de arsénio no natal fará algo por ti."

O que a comove?

"A Marcondessa, a Libetana, a Trimudata. O fagoche, o eco furibundo, o glam-vilagombiar, o desnerradio deste palemuniscardo pósardo, que aos onze anos abriu o dicionário para se encontrar com o chefe dos Insolentes."

Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?

"Ó meu deus, que desconsolo,
do meu vaso, nasceu um tolo."

Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?

"Tempo - Vai levar no cu.
Poeta - Enfia aqui."

O poema que Nuno Moura leu para o Expresso e o que escolheu para ser lido por Raquel Marinho