O Frágil, o mítico bar dos anos 80 e 90 e da movida lisboeta, abriu portas em 1982 e tornou-se, possivelmente, no maior ícone da noite da capital. Depois dele vieram outros lugares de encontro que ocuparam e transformaram o Bairro Alto. Mas a noite de Lisboa, que se transformou numa das noites mais apetecíveis da Europa, segundo os guias dedicados às cidades, continua a ter a assinatura de Manuel Reis, o dono, que desceu até ao rio e deu origem à discoteca LUX, que comemora esta terça-feira o seu 16º aniversário.

O registo de várias décadas destas noites de festa ficou gravado numa coleção única de imagens (são mais de 20 mil), que começou agora a ser organizada e catalogada e que se encontra disponível em http://fragil.luxfragil.com - um lugar interativo que conta também com a ajuda do público e que todas as semanas, durante cerca de seis meses, irá disponibilizar material inédito.

No Expresso publicamos uma série de imagens, organizadas em conjunto com Manuel Reis e comentadas pelos retratados.



SÉRGIO GODINHO, MÚSICO

Olha a querida Lia Gama e o saudoso tempo do Frágil! A julgar pela minha colorida camisola (que usei na contracapa do “Coincidências”), devíamos estar na primeira metade dos anos 80. Por essas alturas, A Lia montou um pequeno e selecto concerto naquele espaço tão especial, onde cantou também canções minhas, entre as quais um fado até hoje inédito e uma tradução do Surabaya Johnny, Brecht-Weill do melhor (e pela melhor…). A amizade, essa, não teve nada de frágil: subsiste activamente até hoje.



JOÃO BOTELHO, REALIZADOR

Olhar para esta imagem de mim e da Rita Blanco é um misto de angústia e de prazer. O que posso dizer? Éramos muito novos. As fotografias são terríveis porque o tempo destrói.



MARIA JOÃO AVILLEZ, JORNALISTA

As aparências, como se sabe, são - infelizmente – enganadoras. É sempre preciso ir ao "detrás", olhar além da capa, espreitar o que está por de trás da montra. Esta foto, por exemplo, é uma pura ilusão: naquela noite no Frágil, ao contrário da aparência – lá está - não era o Vicente Jorge Silva, caro colega e amigo antigo na minha vida - quem me punha naquele ostensivo estado de “bem com a vida”. Não era, não. O meu sorriso que já tinha aliás desaguado num rio de riso aberto, era apenas causado....pelo próprio frágil. Por estar ali, por voltar à casa do Manuel Reis, por ser dia de festa, por pertencer aquela assembleia de eleitos do Manel e era aqui que eu queria chegar porque a felicidade do retrato tem a assinatura dele. Ele não sabe, claro, mas eu vou dizer-lhe. O glorioso hino á vida que escorre da foto é o hino que interiormente eu canto ao Manuel Reis há quarenta anos. Ou mais. Ás vezes também canto em voz alta mas ele não gosta. O Manel, de tão bom, tão talentoso, tão elegante, tão dotadamente capaz do melhor, tão especialmente invulgar, é horrivelmente tímido. E depois ainda coze essa timidez com uma espessa capa de discrição que não deixa passar um elogio, um que seja. Como se vivesse dentro de uma concha, como se os elogios lhe fizessem doer, ou pior, como se ele não os merecesse e nós nos tivéssemos enganado de “destinário do elogio”. Mas eu sei que não me enganei. Quando percebi a massa absolutamente excepcional de que ele era feito; quando testemunhei, ao vivo a sua formidável capacidade de inovação, invenção, transformação; e quando “in loco” vi o que ele estava a fazer á noite de Lisboa, inventando-o, pintando-a de dourado, regando-a com glamour e bolhas de champagne, e animando-a de um nervo novo que tudo permitia, compreendi quem era o Manuel Reis: um génio com boas maneiras. Tudo isto há muito tempo, o melhor sinal de como ele é imortal e eterno o seu génio.

Pedi-lhe evidentemente e também há tempo, uma entrevista para o EXPRESSO: era preciso dar anúncio do génio, amplificar-lhe o som, cobri-lo de brilho. Não quis e até hoje. Mas eu gosto muito dele á mesma, a minha admiração aliás cresce, intacta, há séculos. Eis a causa única e a razão inteira deste sorriso feliz, testemunhado pelo Vicente: poder estar ali, com sentido de festa e a deixar a noite deslizar devagarinho sobre o génio do Manel Reis, meu Amigo.



CLARA FERREIRA ALVES, JORNALISTA

O Augusto M. Seabra e eu devíamos ter saído do Expresso, às tantas, e a discussão continuava noite fora. Dentro do Frágil. Comia-se e bebia-se "cultura" naquele tempo sem facebook nem twitter nem instagram. Livros, filmes, música, teatro, intermináveis discussões sobre isto e aquilo. Ciclos na Cinemateca. Autores. Lembro-me que uma vez tivemos uma discussão brutal sobre a Mitteleurope. Coisa que já ninguém discutirá brutalmente. Era como se continuássemos a escrever depois de termos parado. E escrevíamos quilómetros de prosa porque havia pouca gente para fazer muita coisa e havia um gesto maníaco de escrever. Antes do primado da economia e finanças e do nascimento dos "mercados", a cultura enquanto acumulação de saber e formação do gosto e pensamento era um modo de vida nos anos 80. Uma ideologia. Fomos crianças nascidas em ditadura e censura, apreciávamos a liberdade e abominávamos a trivialidade. Another time, another place.



PAULA MOURA PINHEIRO, JORNALISTA

Era um frémito de excitação. Quase permanente. Eu não sabia (será que a Isabel Carlos sabia?) que nada do que planeávamos sairia de acordo com os planos. Olhando para trás penso: ainda bem que nada foi como eu pensei que seria.



ALEXANDRE MELO, PROFESSOR E CRÍTICO DE ARTE

A imagem do António (Variações) é notável. Poderia ter sido captada ontem numa inauguração em Berlim ou num bar em Williamsburg. Gosto muito das canções dele e gostava de falar com ele porque falava de uma maneira simples, suave e afectuosa como hoje em dia já quase ninguém sabe falar. Já eu me pareço um pouco mais datado. A camisa é mesmo de plástico (os sintéticos estão outra vez na moda mas não é bem assim) e foi feita por uma amiga de propósito para a minha festa dos 25 anos. Mas o que mais me impressiona é a quantidade e a ondulação do cabelo.



INÊS MEDEIROS, ATRIZ, REALIZADORA, DEPUTADA

É inevitável uma certa carga emocional quando olhamos para fotografias da nossa juventude, um misto de excitação, algum embaraço, e também nostalgia. Mas estas fotografias não revelam apenas o momento individual de cada um de nós. Elas exprimem bem a esperança e alegria que se viveram nesses anos. A democracia era um dado adquiro, tudo era possível a partir dali. Que bom seria recuperar essa confiança no futuro.



MARGARIDA VILA-NOVA, ATRIZ (COM PAULA GUEDES, MARIA MANUEL VILANOVA E ALFREDO)

Não me recordo que idade tinha. Lembro-me de cruzar a porta estreita da entrada, esbarrar com um espelho gigante e logo à esquerda, o barman (muito giro) servir-me uma coca-cola. Tudo isto ficou marcado na minha memória como um momento de grande excitação. Em dia de cravos saímos sempre à rua. Ainda hoje, descemos a Avenida e brindamos à liberdade. Certamente foi a liberdade que me levou até aqui, a este dia de Frágil, o primeiro da minha vida.



ANA VIDIGAL, ARTISTA PLÁSTICA

Citando o Millôr Fernandes e “para ser livre como um táxi”, há duas coisas fundamentais na construção da minha personalidade e da minha vida: o 25 de Abril e o Frágil. Resume-se a isto.



MANUEL GRAÇA DIAS, ARQUITETO

Pareço zangado, mas teria só uma qualquer objecção. Ouves, atento, pensas contradizer (Miguel Esteves Cardoso). Em 1991 eu já não colaborava no Independente; deixara-to para os anti-modernos. Ainda viajavam entre nós argumentos na noite? O Luís Miguel Castro (designer gráfico, na foto em segundo plano) não está a querer participar mas ri.



ANAMAR, ARTISTA

Na altura eu era só uma estudante do Conservatório Nacional que tinha ido beber um copo a um bar novo. Na saída, sinto um homem a correr atrás de mim: o Manuel Reis convidava-me assim, de rompante, para o ajudar a criar o que se viria a tornar um mito: o mundo dentro de portas do Frágil. Seduziu-me fazer parte da génese de um novo espaço de liberdade, criação e fruição.” Das primeiras vezes que ‘fiz a porta’, percebi logo a dureza de dizer Sins e Nãos às pessoas, sem as conhecer… E foi assim, por defesa emocional e recriação imagética, que nasceu o personagem ‘Anamar porteira do Frágil’, o filtro que encarnou a porta de todos os amores e rancores. Essa frágil-forte-mulher-fatal-enfant-terrible sobrevive, se tanto, no imaginário dos outros. Em mim, imolei-a na porta que serviu e no novo mundo que ajudou a criar. Foi uma honra e um prazer. Paz à sua alma.



MARIA JOÃO SOPA, DESIGNER

Não posso dizer velhos tempos, porque ainda hoje são as Festas da minha vida e do meu coração. No passado no Frágil, hoje no Lux que nos continua a inspirar, a sonhar e a fazer sentir que Lisboa vale a pena!...O Filipe Faísca era meu colega de curso, as produções de moda eram levadas muito à séria e divertíamo-nos com esses momentos, era a FESTA!!..o Filipe fazia e faz Moda a brincar, é mágico. Foi ele que me vestiu naquela noite, e eu era de certeza a "princesa" daquela festa à porta do castelo que nunca esquecerei...Obrigado Manel.